A realidade é visível para quem está disposto a enxergar, mas os números servem para confirmar: os negros são a maioria da população pobre e analfabeta. É o que aponta um estudo do Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN), com recortes de raça/cor, divulgado para marcar o Dia da Consciência Negra, celebrado em 20 de novembro.
Esse cenário não distingue limites geográficos e é constatado tanto em nível nacional, abrangendo todo o território brasileiro, quanto em espaços menores, como a Região Metropolitana da Grande Vitória (RMGV).
Desenvolvido pela Coordenação de Estudos Sociais do IJSN, com base em dados da Pnad Contínua do IBGE, o levantamento reafirma que o Brasil é formado majoritariamente por negros (pretos e pardos), que representavam, em 2023, 55,5% da população total do país. No Espírito Santo, eles chegavam a 61%.
O estudo revela ainda que, no Brasil, 34,7% da população em situação de pobreza no ano passado era negra e, no Estado, 26,8%. Se considerado o componente sexo, as mulheres negras sofrem ainda mais os reflexos da desigualdade racial e de gênero. Em 2023, elas representavam no Brasil 36,4% das pessoas em condição de pobreza. No Espírito Santo, correspondiam a 27,9%.
"A ausência de políticas públicas desenvolvidas de maneira específica perpetua o cenário, deixando essas pessoas nesse lugar de pobreza e extrema pobreza", pontua a pesquisadora Valquiria Santos Silva, mestre em Ensino da Educação Básica pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e coordenadora de Estudos Sociais do IJSN.
Para as mulheres negras, que estão na base da pirâmide social, as oportunidades são ainda menores, continua Valquiria, que já foi coordenadora administrativa do Programa de Inclusão da Juventude Negra - Núcleo Afro Odomodê, na Secretaria de Assistência Social de Vitória; gerente de Políticas de Promoção da Igualdade Racial na Secretaria de Direitos Humanos do Espírito Santo e vice-presidente do Conselho Estadual de Igualdade Racial do Espírito Santo. Assim, quando se analisa o mercado de trabalho, é para elas que, em geral, resta o trabalho doméstico.
A propósito, muitas profissões no Brasil, ressalta a pesquisadora, são ocupadas predominantemente por negros, indicando as raízes escravagistas do país. A essa parcela da população, os indicadores apontam que há pouco espaço em cargos de liderança, no poder público ou na iniciativa privada.
Conforme reflete o estudo, diversos fatores podem explicar a desigualdade no Brasil, entre os quais quase quatro séculos de escravidão e o passado colonial que criaram abismos entre regiões, pobres e ricos, negros e brancos, homens e mulheres.
Para se ter uma ideia, citando um dado histórico também mencionado no levantamento, foi apenas a partir de um decreto, de setembro de 1878, que os negros maiores de 14 anos passaram a ter o direito de se matricular em cursos de ensino elementar. E somente no período noturno.
Somente um século depois, com a Constituição Federal de 1988, é que a educação se tornou um direito de todos. Após tanto tempo sem as mesmas oportunidades, o resultado não poderia ser diferente: os maiores índices de analfabetismo são registrados entre a população negra.
No Brasil, a taxa de analfabetismo era de 9,3% no ano passado, enquanto, entre os brancos, ficou em 5,4%. No Espírito Santo, a comparação não é muito diferente: 7,4% dos negros e 5,1% dos brancos eram analfabetos
Mesmo para os que têm acesso à educação, nem sempre é garantida a permanência. Avançar nos estudos para a formação superior ainda é uma realidade para poucos. Enquanto 19,2% dos negros estavam fazendo faculdade em 2023, esse índice salta para 38,7% quando se trata de pessoas brancas.
Para Valquiria Santos, políticas afirmativas, como o sistema de cotas de universidades, são fundamentais para garantir o acesso, mas ela defende que, para corrigir problemas relacionados à aprendizagem, que acabam deixando muitos estudantes negros pelo caminho, é necessário também investir em iniciativas na educação básica.
"O ideal seria garantir a equidade nesta etapa. Com melhores resultados, podem ingressar nas universidade e, consequentemente, terão mais oportunidades no mercado do trabalho e em outros espaços sociais. A política de cotas é muito importante, mas podemos ir mais longe. Até porque ainda estamos muito distantes de um cenário de igualdade nas universidades", sustenta.
As desigualdades são observadas por outros recortes que apontam, por exemplo, que o déficit habitacional afeta mais a população negra — 76% dos inscritos no CadÚnico no ano passado. São os negros que também, em sua maioria (60,9%), não têm acesso a saneamento básico e utilizam-se de fossas rudimentares ou buracos para os dejetos.
"A racialização de dados contribui para o entendimento de como alcançar o cenário ideal, de que as políticas públicas específicas são um caminho importante para tornar a sociedade mais equânime e, assim, a cor da pele não vai mais prevalecer para que as pessoas tenham acesso a direitos básicos", conclui a pesquisadora.
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