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No cotidiano da violência, uma imagem vale mais do que mil palavras

Da janela do ônibus em uma viagem corriqueira, uma cena me chamou a atenção em Carapina, na Serra; separadas por um muro estavam uma imagem de uma pistola, caixões expostos e a bandeira do Brasil

  • Murilo Cuzzuol
Publicado em 05/11/2022 às 14h29
Serra
Funerária e loja de armas funcionam lado a lado em Carapina, na Serra. Crédito: Fernando Madeira

Viajo de ônibus entre Vitória e Aracruz há pelo menos 15 anos, desde que me mudei para a Capital capixaba para estudar. Por convicção baseada em um achismo, opto por poltronas do lado direito, preferencialmente na janela. E por sentar sempre com a vista que a mesma proporciona, ainda que separada pelo vidro, já presenciei de tudo um pouco nestes pouco mais de 85 quilômetros que separam as duas cidades.

Acidentes, protestos, obras, ação policial e chuva são algumas delas, mas uma situação em especial me chamou a atenção e me fez refletir sobre o momento atual em que vivemos. No domingo (30) de eleição, voltava para Vitória pela manhã, pois estava escalado para trabalhar na cobertura do 2º turno.

Como no dia anterior dormi pouco devido à final da Libertadores da América, fiz a viagem meio sonolento. Porém, quando o ônibus encostou para o desembarque de um passageiro, em Carapina, na Serra, uma cena saltou aos meus olhos e me fez "despertar".

Não era um atropelamento, acidente ou algo do tipo: um banner de uma loja imponente exibia uma pistola com uma mensagem convidativa. Acima da imagem da arma, uma bandeira do Brasil. À esquerda, dividindo parede, uma funerária, com alguns modelos de caixões expostos.

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Em Carapina, uma loja armamentista convida para uma visita. Ao lado dela, uma funerária com caixões expostos está aberta 24 horas. Crédito: Fernando Madeira

Rapidamente, a composição ali presenciada me fez refletir sobre o momento pelo qual passamos em nossa sociedade. Entretanto, como a parada do ônibus foi rápida, com cerca de uns 30 segundos, e o vidro estava um pouco embaçado devido à chuva fina e ao ar condicionado, não consegui fazer uma imagem. A cena, porém, seguiu martelando na minha cabeça nos dias seguintes.

Semiótica perfeita

Conversei com o fotógrafo Fernando Madeira na Redação, expliquei para ele o que eu havia visto e sugeri que fizesse o registro. Por coincidência, estávamos de plantão no Dia de Finados, e entre uma cobertura fotográfica e outra entre cemitérios, ele foi até o local e disparou – não o gatilho da arma, mas o botão disparador da câmera fotográfica para registrar as imagens.

Madeira (só o chamamos pelo sobrenome) tem um olhar apurado para notar o diferente em meio ao cotidiano. Ao voltar para a Redação, ele passou por mim e só mandou um "fiz a foto. E ela fala". De fato falava mesmo, na verdade gritava.

Ao ver o que ele havia fotografado, rapidamente me veio a mesma sensação estranha de quando notei a composição da arma, bandeira e os caixões "à espera" por um cliente – a loja da pistola também convidada clientes para uma visita.

Inevitavelmente, a associação entre os dois comércios estava feita em minha mente. Uma espécie de "mutualismo", onde ambos os envolvidos podem se beneficiar por meio de uma interação. A proximidade existente não é apenas física. Independentemente da situação, um projétil disparado pode levar quem ele acerta para dentro de um caixão.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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