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Crédito: Arte: Sabrina Cardoso

O capixaba conhece a história do Espírito Santo? Fomos às ruas saber

Reportagem de A Gazeta fez perguntas sobre fatos relacionados à Colonização do Solo Espírito-Santense, comemorada neste 23 de maio. Spoiler: até Joana D'Arc apareceu nas respostas

Tempo de leitura: 7min
Vitória
Publicado em 23/05/2024 às 07h48

A data de 23 de maio é registrada em calendários oficiais como o Dia da Colonização do Solo Espírito-Santense. Mas, se a chegada dos portugueses fosse contada pelos capixabas ouvidos pela reportagem em Vila Velha, local onde a nau Glória atracou há 489 anos, em 1535, a história seria bastante diferente daquela relatada em documentos e livros didáticos.

Vasco Fernandes Coutinho seria apenas o nome de uma escola, e uma das personagens femininas que entrariam na história capixaba seria Joana D’Arc, francesa que faleceu mais de 100 anos antes de o primeiro donatário desembarcar no Espírito Santo.

Entre os 12 entrevistados por A Gazeta nas ruas da Prainha e da Praia da Costa (os nomes não serão citados para não expor as pessoas), a maioria das respostas sobre o assunto era “não sei”. Apenas três souberam dizer que a data da colonização marcou a chegada dos portugueses em solo capixaba. Nesse grupo abordado pela reportagem, havia homens e mulheres, jovens e idosos, pessoas com pouca escolaridade e de nível superior.

As perguntas feitas foram:

  • Você sabe o que significa o Dia da Colonização do Solo Espírito-Santense, comemorado em 23 de maio?
  • Onde foi fundada a primeira povoação do Espírito Santo?
  • Quem foi Vasco Fernandes Coutinho?
  • Você sabe citar alguma coisa construída pelos colonizadores?
  • Conhece alguma personagem feminina que participou da história do ES?

O questionamento para o qual houve mais palpites foi sobre construções feitas por colonizadores. A maioria puxou pela memória as obras históricas, e o Convento da Penha foi o campeão de indicações, embora a Igreja de Nossa Senhora do Rosário, na Prainha, a mais antiga em funcionamento do Brasil, tenha também recebido menções, inclusive de um gaúcho entrevistado e com algum conhecimento sobre a história local. A capela que deu origem à igreja foi construída por determinação de Vasco Coutinho.

Vasco Coutinho, aliás, foi lembrado por poucos entrevistados como o primeiro donatário. Outros disseram apenas que já tinham ouvido falar. Um estudante disse que se tratava da escola no centro de Vila Velha, que leva o nome do colonizador português.

Nenhum dos entrevistados conseguiu citar alguma personagem feminina que tenha participado da história capixaba, apesar de nomes importantes terem contribuído para a construção do Estado, como Luiza Grimaldi — esposa de Vasco Coutinho, que se tornou a primeira governadora quando ficou viúva —; Maria Ortiz, considerada heroína capixaba pela sua liderança na defesa do território espírito-santense; e tantas outras que foram pouco valorizadas ao longo do tempo.

Para não dizer que nenhuma mulher foi citada, apareceram os nomes de Luz del Fuego — nome artístico de Dora Vivacqua, dançarina e naturista de Cachoeiro de Itapemirim, que viveu entre 1917 e 1967 — e Joana D'Arc, heroína francesa canonizada pela Igreja Católica, falecida em 1431.

As perguntas feitas por A Gazeta são conteudistas, é claro. Dizem respeito apenas a uma decoreba de nomes e datas. Mas não deixam de indicar uma lacuna no conhecimento da história do Espírito Santo. Seria por que esses conteúdos não estão na sala de aula ou por que não são abordados de maneira adequada? E como é a formação dos professores de História? 

Nas unidades de ensino do Espírito Santo, até o início dos anos 2000, predominavam os chamados textos oficiais, com uma história mais conservadora e ligada a fontes antigas, que carregavam a visão do colonizador, apenas de quem detinha o poder. É o que afirma o mestre em História Victor Guasti, professor da disciplina na escola estadual Cora Coralina, no complexo penitenciário do Xuri, em Vila Velha.

Ele percebe que houve um avanço a partir da criação do curso de pós-graduação em História na Ufes (em 2003) e a reformulação da grade curricular da disciplina. "É importante ensinar do lugar em que eles (alunos) estão. O novo currículo trouxe mais possibilidades para fazer discussões a partir do lugar que a gente vive, que a gente mora", pontua Guasti, ressaltando que esse olhar propicia o sentimento de pertencimento e, desse modo, maior compreensão da própria história.

Importante lembrar que a colonização no Brasil foi mais do que a ocupação de um novo território, mas a exploração das riquezas e dos povos aqui existentes. "Às vezes, a reação das pessoas é até saudável. Vai celebrar o quê? Não se identifica. No fundo, é celebrar a colonização", analisa o historiador Fernando Achiamé. 

A história do país, e naturalmente a do Espírito Santo, por muito tempo foi contada apenas pela visão do colonizador. De quem dominou e não de quem foi explorado. Esse modelo ajuda a explicar também porque muitas vezes não há compreensão das pessoas, ou mesmo interesse, em relação a episódios históricos. "Na história do Estado, deveria ser incluído tudo quanto é etnia, e não apenas os portugueses", sentencia Achiamé. 

Lugares e monumentos que contam a história do ES

Vila Velha comemora 489 anos
Vila Velha comemora 489 anos. Carlos Alberto
Vila Velha comemora 489 anos
Vila Velha comemora 489 anos. Carlos Alberto
Vila Velha comemora 489 anos
Vila Velha comemora 489 anos. Carlos Alberto
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Vila Velha comemora 489 anos. Carlos Alberto
Vila Velha comemora 489 anos
Vila Velha comemora 489 anos. Carlos Alberto
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Vila Velha comemora 489 anos. Carlos Alberto
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Vila Velha comemora 489 anos
Vila Velha comemora 489 anos

A participação feminina também é uma grande falha no ensino. Na avaliação de Victor Guasti, a história oficial é masculina e misógina. "Mas, na história do Espírito Santo, as mulheres que aqui estiveram muito contribuíram para que o Estado crescesse." O professor lembra, por exemplo, que Luiza Grimaldi assumiu uma capitania em crise, mas conseguiu fazer com que se desenvolvesse. 

"E, importantes como ela, mulheres escravizadas lideraram lutas, principalmente na região de São Mateus, onde construíram os primeiros quilombos e houve as primeiras formas de resistência. E as indígenas na medicina, usando conhecimentos nativos e ancestrais para curar. Ou seja, a construção do Espírito Santo passa muito mais pelas mãos das mulheres", sustenta Guasti. 

Caminhos

Patrícia Merlo, doutora em História e professora da Ufes, destaca que a formação de educadores pela universidade contempla conteúdos específicos sobre o Espírito Santo, além de disciplinas optativas relacionadas ao Estado, como populações indígenas, negras, aspectos da cultura, entre outros temas.

A abertura do programa de pós-graduação também permitiu uma nova leitura sobre a construção do Estado e peculiaridades da conformação do povo capixaba. Então, se os profissionais são bem qualificados e a pesquisa é constante, por que o conhecimento não chega às pessoas?

Para Patrícia, há pelo menos dois caminhos: o primeiro é a necessidade de entender melhor a formação da população capixaba. Ela lembra que, segundo dados do IBGE, grande parcela dos moradores da Região Metropolitana tem origem em outro Estado ou é a primeira geração do Espírito Santo.

"Muitos vieram para cá em busca da qualidade de vida, de emprego, mas mantêm raízes fortes em sua comunidade de origem. Há que se fazer esforço, por meio de políticas públicas, para fortalecimento da identidade capixaba", frisa.

Uma iniciativa importante para Patrícia, retomada recentemente, é a Feira dos Municípios, cujo tema deste ano será "As origens do povo capixaba", e que terá um estande para tratar da história do Espírito Santo.

Outro caminho, na avaliação da professora, é a produção de material escolar mais atualizado, incluindo o que a universidade tem feito de pesquisa. "Uma vertente da educação é a integração com o território e com a cultura. Se a pessoa não se sente parte do lugar, não tem motivo para orgulho. Vive no lugar, mas ignora o que tem nele", observa.

Colonização

Mas, voltando ao ponto de partida dessa história nem sempre bem contada, o 23 de Maio, em que se comemora a colonização, tem peculiaridades para além da chegada dos portugueses em território capixaba.

O historiador Fernando Achiamé conta que não há registros históricos que comprovem que tenha sido esse exatamente o dia em que Vasco Coutinho desembarcou por aqui. Foi uma junção de elementos que levaram a essa conclusão, mesmo após pesquisas realizadas diretamente em Portugal. Para se chegar a essa data, um dos aspectos considerados foi o fato de que o desembarque na Prainha teria sido no dia de Pentecostes — uma celebração da Igreja Católica — e que, no ano de 1535, caiu em 23 de maio. 

"Então, a data específica, é uma coisa inventada. Mais uma convenção estabelecida, e muito tempo depois da chegada dos portugueses", pontua Achiamé. 

Ainda que a data exija reflexões, sobretudo pela forma que a história foi repassada ao longo de muito tempo, desconsiderando os povos originários e as mulheres, por exemplo, Victor Guasti acredita que a comemoração da data é importante. 

"Fazer memória dessa data oficial é também fazer memória daquilo que nós somos. Fala-se tanto em Estado do futuro, mas só seremos do futuro quando tivermos clareza de onde viemos para saber para onde vamos. Para além da escola, da imprensa, precisamos olhar para a história do Espírito Santo no nosso dia a dia e compreender que somos um povo rico e temos muito a contribuir", conclui Guasti. 

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