Travar uma batalha contra um inimigo invisível, desconhecido e traiçoeiro tem sido o desafio de muitas pessoas a cada dia. A pandemia do novo coronavírus veio para mudar rotinas e hábitos, mas o efeito colateral mais devastador foi a perda de vidas.
No Espírito Santo, o primeiro registro de morte pela Covid-19 foi em 20 de março. Já o mês de abril fechou com o registro de 2.688 contaminados e 93 mortos no Estado.
Mas nesse cenário desolador há também esperança, e ela tem nome, idade e voz: os infectados que conseguiram vencer a guerra contra a doença.
A Gazeta conversou com alguns desses sobreviventes, que contaram sobre como foram suas lutas particulares contra a Covid-19. No meio do caos que os assustou desde o momento do teste positivo até os diferentes sintomas, eles também trazem história de força e de aprendizado.
E, como não podia ser diferente, os entrevistados deixam o recado para que as normas de higiene e de distanciamento social sejam respeitadas, em nome da saúde coletiva.
"NÃO TER CONTATO COM NINGUÉM É DIFÍCIL"
“Eu estava no trabalho e, de repente, comecei a tossir, pela manhã. Era dia 9 de abril. Foi intensificando na medida em que as horas passavam até a noite, quando eu já tossia muito. Daí em diante foi rápido: a dor no corpo, a febre e a perda do paladar e do apetite, tudo em 3 horas. Apesar dos sintomas, não sentia falta de ar ainda.
Só três dias depois fui para o pronto-socorro da cidade vizinha, puxava o ar e sentia muito incômodo. Fui piorando e tive que ser levado para um hospital de Vitória, o pulmão estava 30% tomado pela infecção. A evolução foi muito rápida. Passei sete dias internado.
No hospital, cheguei a conversar com médicos e enfermeiros, mas chegou a um ponto em que não conversava mais, não tinha forças para falar. Essa doença assusta, apesar de eu ter me preparado psicologicamente. Desde quando percebi os sintomas, imaginei que poderia ser Covid.
Muita gente entrou em contato comigo pelo telefone, amigos, tios, percebia que estavam querendo meu bem, me incentivavam e animavam para ficar bem logo. Meus pais estavam mais ‘desesperados’. Quando voltei pra casa, estavam me esperando, sem poder fazer festa, mas me esperando. Eu me senti muito amado, em especial pelos meus pais. Tive que me isolar no quarto, receber comida e água na porta e só sair para ir ao banheiro, que só eu usava. Não ter contato com ninguém é muito difícil.
Peço às pessoas que intensifiquem a prevenção, acreditem na força do vírus. Não sabemos como seu corpo vai reagir. Eu nunca tive nenhuma doença e fui parar no hospital. Haverá o tempo de relaxar, agora não é a hora.”
João Vitor Bortolini Plazzi
32 anos, operador de processo industrial
"Essa doença me ensinou a ser menos ansioso, passei a ter mais controle emocional. É uma doença que assusta, Sobreviver ou não a ela é uma loteria"
"ME SENTI SOZINHA COMO NUNCA"
“Aprendi a dar valor à vida. Só se vive uma vez, mas não adianta viver intensamente. Tem que alongar a vida. Saí do Espírito Santo para estudar inglês em Londres e depois ir para Portugal, terminar o curso de Enfermagem. Mas tudo mudou com a pandemia. Fiquei trancada em casa por dois meses, quando decidi pedir a repatriação por conseguir passagens para o Brasil.
Em Londres, o frio fez com que minha imunidade baixasse, já fiz cirurgia bariátrica e acabei ficando doente. Fui diagnosticada pelo telefone por um médico do governo. Tive febre e tosse a ponto de provocar dor abdominal insuportável. Os calafrios eram intensos. Me senti muito sozinha como nunca, dentro de um quarto. Fora o preconceito, as pessoas ficam te evitando.
Tive muito medo, pois ninguém sabe a cura. Não conseguia voltar para o Brasil, pois não tinham voos. Pedi a repatriação. Foram nove horas dentro de um avião da Inglaterra para o Brasil. Evitava tossir, pois as pessoas me olhavam, reprovando. Só fiz o teste quando cheguei em São Paulo, dia 19 de abril, que confirmou a doença por meio de exame da rede pública.
No dia seguinte, estava em Vila Velha. Já são 10 meses sem abraçar minha mãe. Foi uma mistura de angústia e felicidade reencontrá-la. Ela tem asma crônica, pertence ao grupo de risco. Não receber o abraço dela é muito doloroso, talvez até mais que a própria doença. Estou curada, mas ainda sigo em isolamento. Mas é sem comparação estar em casa no meio disso tudo.”
Jacy Neubauer
22 anos, universitária
"Há 10 meses não abraço a minha mãe. Eu estava na Europa, onde as pessoas estavam morrendo de coronavírus. Passei por essa doença, sozinha. Tive medo de morrer e eu estava longe de todos. Eu só queria o abraço da minha mãe"
"É UMA DOENÇA TRAIÇOEIRA"
"Sou médico-cirurgião e diretor do Hospital Meridional Praia da Costa, já corria mais risco de contrair a doença. Começou com dor de garganta, febre leve, ausência de olfato e paladar. Na véspera de Páscoa, logo fiz a coleta e o exame deu positivo.
Minha esposa apresentou um quadro mais forte e nossa bebê, Beatriz, de 1 ano e 6 meses, só um pouquinho de tosse. Elas também testaram positivo. Ficamos nós três trancados em casa, sem visitas, mas com a energia total de Beatriz (risos). Foram 14 dias assim. Esse foi o benefício da Covid-19. Como minha esposa cursa Medicina no Rio, acho que foi o maior período que tempo que passamos juntos.
É uma doença bem traiçoeira. Sinceramente, já tive, já passou, não fiquei grave e estou novamente na linha de batalha. Sou pós-bariátrico e saí ileso. Mas há complicadores, como obesidade, por exemplo. Peguei e ela se apresentou de forma branda, mas não sabemos como se comporta em todas as pessoas. É preciso que todos se cuidem.”
Diogo Lesqueves Sandoval
34 anos, Médico e diretor do Hospital Meridional da Praia da Costa
"É uma doença traiçoeira e eu a dividi com minha esposa e minha filha bebê. Ficamos isolados em casa, sem sair para nada. Mas foi possível tirar um lado bom disso: nós três sozinhos por 14 dias inteiros, o laço afetivo só reforçou os cuidados"
"ME VEJO COMO UM SOBREVIVENTE"
“Quando estive doente, ‘me mataram’ na conversa entre as pessoas, diziam que eu estava entubado e até perguntaram para minha esposa quando era o velório. Tive que fazer uma live, tanto para mostrar que estava bem quanto para tirar dúvidas das pessoas que queriam conhecer sobre a doença. Pude passar esperança e motivação.
Sou técnico de enfermagem, sabia que seria difícil não ser infectado. Tive os primeiros sintomas durante meu plantão no hospital, em 2 de abril, tossi bastante. Na madrugada, em casa, me deu dor de cabeça, náusea e febre. Logo fiz o teste, por trabalhar em dois hospitais, que deu positivo.
É uma doença muito agressiva. Estava preocupado em transmitir para a minha esposa. No isolamento do quarto, até a comida tinha que pegar por um portãozinho, utensílios separados, contato com ninguém. Perto e longe ao mesmo tempo da minha esposa, que é minha parceira para tudo. Queria ficar bem, pois se ela precisasse de mim, eu é que teria que cuidar dela.
Minha esposa é minha parceira para tudo na vida e ficamos 14 dias distantes. Minha preocupação era com ela. Já melhorei e voltei a trabalhar. Hoje eu me vejo como um sobrevivente. Um vencedor dessa infecção."
Gilmax Santos Araujo
37 anos, técnico de enfermagem
"No tempo que estive doente perguntaram até sobre meu velório para a minha esposa. Tive que fazer uma live, tanto pra mostrar que estava bem e quanto para tirar dúvidas das pessoas que sobre a doença. Pude ajudar com informações, esperança e motivação."
"MINHA FORÇA VEIO DA MINHA FAMÍLIA"
"Trabalho no setor de infectologia. Logo que começou a surgir o assunto coronavírus, em janeiro, conversávamos sobre isso e o quanto era desconhecido. Em 20 março, durante um plantão, me senti mal. Quatro dias depois, os sintomas já estavam piores, a tosse tinha sangue, passei a ter falta de ar intensa. Fui parar na UTI, onde permaneci por quatro dias, sendo sete ao todo no hospital.
A minha força estava em pensar que não poderia morrer, não podia deixar minha esposa grávida e minha filha de 5 anos. Dava medo e fiquei assustado com a possibilidade de a doença evoluir. Tive que me controlar emocionalmente para não piorar a parte respiratória. Precisava viver, pois, ainda tenho um filho vindo, minha família precisa de mim.
Foram 19 dias, somando internação e isolamento, até voltar para a rotina do hospital. Quando saí do quarto, minha filha perguntou se podia me abraçar. Falei que sim e ela se pendurou no meu pescoço, apertando muito (risos).
Temos que manter a conduta de higiene pessoal e pensar no próximo. Vai ficar tudo bem, mas tem que tomar cuidado, é uma infecção gravíssima que afeta a saúde coletiva."
Guilherme Natanael de Souza Sobrinho
36 anos, técnico de enfermagem
"Eu precisava conhecer meu filho que vai nascer em julho e cuidar da minha menina de 5 anos. Isso foi a minha maior força para passar pelos sete dias de internação com Covid-19"
"FÉ INABALÁVEL"
"Passar por isso foi a pior experiência da minha vida. Nunca esperei ficar desse jeito, mas a forma como o vírus atingiu meu organismo foi terrível.
Internado há uma semana com o que parecia ser pneumonia, entubado e perdendo a função dos pulmões, minha família viveu o pior momento. Os médicos chamaram minha esposa e filhos para me verem na UTI e pediram a autorização para não me reanimar caso eu tivesse falência do coração, depois de uma manobra que tentariam para me ajudar. Os remédios já não faziam efeito.
Minha esposa disse que não autorizava, mesmo sabendo que a manobra médica poderia me deixar em estado vegetativo se fosse reanimado. Ela orou junto a Deus e decidiu me transferir para outro hospital. O tratamento mudou e uma semana depois eu já estava com 100 % dos meus pulmões funcionando.
Passei a ressignificar a vida, a valorizar o ar que eu respiro, o sol que brilha, aproveitar mais o tempo com meus filhos, ser ainda mais grato a Deus por tudo. A gente passa a ver a vida de outro jeito.
O recado é ter cuidado, não adianta ter preconceito com quem já teve. Não descrimine essa pessoa, ela pode te ajudar e não vai pegar de novo. É uma doença real, não sou do grupo de risco e peguei o nível mais grave da doença.
Não brinque, respeitem o isolamento, as diretrizes do Ministério da Saúde. É um isolamento físico, o social temos a tecnologia para sanar."
Elizeu dos Santos
46 anos, pastor
"Acredito que eu estar bem hoje é um milagre. Fui desenganado pelos médicos, tive o pulmão prejudicado. Ressignifiquei minha vida, desde os raios do sol até curtir com os filhos, sou ainda mais grato a Deus."
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