Dedicação é a palavra que entrelaça a vida de ‘Clarinha’ e do médico coronel Jorge Potratz desde 22 de junho de 2001. Os dois viveram um relacionamento diferente entre paciente e médico durante 22 anos, quando o coronel passou a atendê-la e definiu como meta ajudar a encontrar a família da ‘desconhecida’.
“O tempo foi passando e nós (equipe médica) percebemos que criamos um vínculo de afetividade. Fomos criando uma afetividade e carinho muito grande por ela que sempre conviveu com diversos pacientes. Fui aceitando a condição como definitiva, mas sempre pensei que podia encontrar a família dela e passei a buscar isso. Era um sonho”, contou Potratz.
Clarinha foi atropelada por um ônibus em 12 de junho de 2000. As sequelas do acidente a deixaram em coma vegetativo e nenhum familiar foi encontrado. Desde então, ela estava internada no Hospital da Polícia Militar (HPM) onde permaneceu até a morte, nesta quinta-feira (14).
A intenção de encontrar os familiares não era, nas palavras dele, devolver uma pessoa com sequelas, mas oferecer vida digna e humana. Ao lado da mãe, pai e possíveis irmãos, o plano era construir uma estrutura para ela viver junto a parentes. Como não foram achados, a relação familiar passou a existir no centro hospitalar.
O primeiro detalhe de carinho mais profundo veio na decisão do nome dela. Indicado pelo "médico particular", a paciente foi batizada de ‘Clarinha’, por ela ser muita ‘novinha’ e ‘branquinha’ na época do acidente. Desde então, a parceria para que ela vivesse com a melhor qualidade de vida possível foi iniciada.
Todos os momentos vividos com ela são relembrados com emoção e amor pelo Coronel, principalmente ao recordar da ajuda mútua entre profissionais do HPM e até mesmo acompanhantes de outros internados.
“Normalmente quando a pessoa está internada a família traz materiais de higiene e o pessoal começa a me pedir. A princípio iríamos comprando avulso, mas com o passar dos meses coloquei em minhas compras pessoais. Outras pessoas ajudavam, familiares de outros pacientes, os próprios funcionários lavavam as roupas e os levavam para casa para lavar”, destacou o coronel.
Esquecer a história nas mais de duas décadas compartilhadas com a paciente não passa pela mente do coronel. Ao saber da morte dela na noite de quinta-feira (14) ele começou articular formas de enterrá-la como ‘Clarinha’ e não uma pessoa sem identificação.
Comprar uma lápide está entre uma das opções. A vontade parte da intenção de ter no mundo um espaço para visitarem e manter a história dela viva.
“A história dela não pode desaparecer e ir para a cova também. O objeto é manter ainda a dignidade e vínculo que temos com ela. As pessoas não podem achar que as coisas só acontecem, tem um propósito”, contou o coronel.
Além de um local para sepultar, já foi definido por ele que a busca pela identidade dela não acabou. Em contato com o Departamento Médico Legal (DML) ele pedirá a coleta de amostras de DNA para quem quiser realizar o teste.
“Eu acho que as pessoas que têm familiares não identificados devem persistir na busca. O fato dela ter morrido é só uma etapa dessa história’, aponta.
Em uma das inúmeras tentativas de levar mais humanidade à vida de Clarinha, o coronel buscou para ela uma aposentadoria por invalidez pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). O benefício não foi adquirido pela falta de CPF.
“Já até pensei em chamar Ministério Público para fazer um nome provisório, mas nesse contexto as coisas foram acontecendo e deu sequenciamento as reportagens que tentaram a identificar. É uma situação muito difícil, pois se ela estivesse com a família, um nome, resgatado o CPF, poderíamos ter colocado ela no benefício de prestação continuada e teríamos montado algo”, desabafou Potratz.
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