A biodiversidade brasileira nunca precisou provar a sua importância na vida de milhões de pessoas ao redor do mundo. Entre a fauna e a flora, estão inúmeras substâncias que melhoram a qualidade de vida. E é a perereca-das-folhagens, também chamada de Filomedusa, o alvo de estudo de uma bióloga capixaba que vai investigar se o veneno produzido por essa espécie pode ser transformada em remédio. A substância, segundo a pesquisadora Geisa Paulino Caprini Evaristo, seria duas mil vezes mais forte que a morfina — medicação conhecidamente potente no tratamento de dores.
Nascida em Iconha, município no Sul do Espírito Santo, a pesquisadora contou que atualmente mora em Rondônia, no Norte do país, onde trabalha em uma sede da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Geisa é Mestre em Biociências e Biotecnologia pela Universidade Estadual do Norte Fluminense e Doutora em Bioquímica e Biotecnologia pela Universidade Tecnológica de Delft, da Holanda.
Em entrevista ao jornalista Mário Bonella, durante o programa CBN Cotidiano, da CBN Vitória, a pesquisadora explicou que estudos como esse, que envolvem possíveis remédios, podem demorar até vinte anos para serem concluídos. A demora se justifica pela quantidade de testes envolvidos ao longo da pesquisa. Até a aprovação da substância por agências reguladores, os estudiosos analisam cada parte do animal e de seu veneno.
Geisa relatou que tem observado a composição do veneno dos anfíbios, como as pererecas. A secreção tem potencial para virar um fármaco, colaborando com a saúde humana.
A pesquisadora explicou que o verão costuma oferecer as melhores condições climáticas para a pesquisa. Segundo ela, as buscas por esses animais são feitas durante a madrugada, em um período chuvoso, e os ambientes escolhidos são campos perto de rios ou brejos. Geisa disse que a procura por esses anfíbios já chegou a ser feita em Venda Nova do Imigrante.
A bióloga capixaba ressalta que o intuito da pesquisa é extrair o veneno. Os animais não são levados para um laboratório, tampouco mortos durante o processo.
Ela relatou que uma estratégia utilizada pela espécie é o tanatose — quando se fingem de morta para o predador. Segundo Geisa, o animal fica assim por vários minutos.
"Uma vez que conseguimos coletar o animal, fazemos uma massagem no dorso e nas costas da perereca, com o dedo. Pegamos água destilada e passamos no corpo do animal. É assim que acontece a coleta. O resultado é um líquido que, além da água, tem a secreção liberada pela espécie", explica.
A pesquisadora garantiu que, após a massagem, a Filomedusa é devolvida para a natureza. Ela disse que, após o líquido ser levado para o laboratório, uma máquina fica responsável por alterar o estado da água. O fim do processo é alcançado quando o veneno é separado.
Na sequência, o veneno obtido na forma de um pó banco, é analisado por várias técnicas analíticas. "As principais são a cromatografia e a espectrometria de massas. Na cromatografia, as centenas de compostos presentes nesse veneno são separadas, formando grupos menores (frações contendo menos substâncias do que a amostra buta), os quais são utilizados em testes biológicos, como testes antimicrobianos. E esses compostos presentes nas frações são identificados através da outra técnica, a espectrometria de massas, que é uma balança em escala molecular. Ou seja, essa técnica permite identificar o composto pelo peso que ela possui e assim afirmar de qual molécula se trata", detalha a estudiosa.
A capixaba explica ainda que, seguindo o fluxo da análise desse veneno, os pesquisadores fazem os testes de atividade contra várias doenças. Em Rondônia, por exemplo, os testes são feitos contra doenças tropicais, como malária, leishmaniose e arboviroses. Assim é possível saber exatamente qual foi a substância que apresentou a atividade (entre as centenas que compõem o veneno dessas pererecas).
"Tudo isso buscando a cura para doenças que ainda não têm vacinas ou remédios eficazes para seu tratamento, e, ao mesmo tempo, para destacar a importância da preservação do meio ambiente para que sobrevivam esses pequenos animais que carregam um tesouro em moléculas bioativas nas costas", finaliza.
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