Imagem captada por drone impressiona
Imagem captada por drone impressiona. Crédito: Leonardo Merçon

Pesquisadores do ES flagram rara interação amigável entre baleia e raia

Registro raro de Baleia-minke-anã e Raia-manta, dois grandes predadores, foi feito por dronemonitoramento e é considerado bioindicador de qualidade ambiental, segundo especialistas

Tempo de leitura: 9min
Vitória / Rede Gazeta
Publicado em 15/03/2022 às 18h37

"Oi, quer ser minha amiga?": essa pergunta marcou parte do diálogo que pareceu ter acontecido entre uma baleia Minke-anã e uma Raia-manta, uma espécie de arraia. Um vídeo mostra a interação entre os dois animais, registrada no dia 22 de fevereiro, às 9h da manhã, a cerca de 20 milhas náuticas (37 km) da costa de Guarapari. Infelizmente, a resposta da arraia pareceu ter sido: "No momento, não. Obrigada".

Brincadeiras à parte, as imagens foram registradas graças ao dronemonitoramento que vem sendo realizado em parceria entre o setor de Nectologia (que estuda os organismos que vivem na coluna d´água) da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e o laboratório do projeto Amigos da Jubarte (Jubarte.lab). O trabalho permitiu o raro registro de interação amigável entre as duas espécies. Os animais estavam a quase 3 quilômetros de distância do barco de pesquisa e poderiam ter passado despercebidos a olho nu.

O biólogo marinho Jonathas Barreto, mestre em oceanografia e também coordenador técnico do Jubarte.Lab e pesquisador do LabNecton (Ufes), aponta que a principal importância do registro entre a baleia e a raia, em um mesmo quadro de imagem, demonstra a relevância do local onde as imagens foram captadas.

Jonathas Barreto

Coordenador técnico do Jubarte.Lab

"São animais com hábitos de vida bastante distintos, são de espécies muito diferentes - estamos falando de uma arraia que é um 'elasmobranchii', próxima aos tubarões, e a baleia, que é um mamífero. Apesar de muito diferentes, estão utilizando um mesmo ambiente. Esses animais indicam a qualidade do ambiente"

O especialista explica que os dois animais integram um grupo chamado de "megafauna marinha", e podem ser tratados como bioindicadores de qualidade ambiental. "Eles são considerados como o topo de cadeia, os grandes predadores, então o ambiente em que vivem é importante para a conservação da biodiversidade como um todo. Por isso, a presença deles indica essa qualidade ambiental", disse.

Segundo Jonathas Barreto, como ambos são muito espertos no mar e têm diversos mecanismos para se localizarem e entenderem o ambiente no entorno, certamente a baleia e a arraia estavam se reconhecendo, um animal sabendo da existência do outro naquele local. Com a análise aprofundada das imagens, o pesquisador diz que será possível entender ainda mais sobre a interação.

"FOI UMA RELAÇÃO AMISTOSA", DIZ AMBIENTALISTA

O ambientalista e coordenador-geral do Amigos da Jubarte, Thiago Ferrari, também reforçou a interação como algo de grande sentido ecológico. "Vemos duas espécies absolutamente diferentes interagindo em uma mesma região. É possível analisar esse comportamento e, nesse caso, foi uma relação amistosa, não foi predatória. Costumamos ver golfinhos interagindo com peixes de forma predatória, mas interações amistosas são raras e têm uma importância ainda maior para a sensibilização ambiental", afirmou.

Para o oceanógrafo Luan Amaral, foi uma grande conquista para a ciência o registro amistoso entre as espécies. "A interação da arraia com a baleia foi um registro inédito do ponto de vista científico. Mergulhadores em algum lugar do mundo podem ter visto cena parecida, mas dizemos que em âmbito de pesquisa, para essas espécies, foi um registro inédito", comemorou.

A partir da análise criteriosa do material captado, o oceanógrafo sugeriu que a baleia teria despertado curiosidade em relação à arraia. "Por isso ela estava nadando na mesma direção. No vídeo, aparece a baleia seguindo a arraia, mas sem comportamento predatório. Foi tudo bem tranquilo, não se aproximaram tanto, mas, em um oceano tão grande, elas poderiam estar nadando em direções opostas. Foram mais de cinco minutos de filmagem nesse sentido. Até parecia que a arraia queria se afastar, que não estava tão confortável, mas a baleia queria essa amizade", brincou.

ASSUNTO PARA ARTIGO CIENTÍFICO

Por ser tão raro, o registro merece artigo científico, segundo o coordenador científico do projeto Jubarte.Lab, Agnaldo Martins, que também coordena o curso de Oceanografia da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). Ele afirma que, quando comprovado o ineditismo na literatura científica, a publicação do estudo será o caminho.

Agnaldo Martins

Coordenador científico do projeto Jubarte.Lab e coordenador de Oceanografia na Ufes

"Assim como a aparência do tubarão-baleia bem próximo da costa na foz do Rio Doce, que foi uma ocorrência rara e até fizemos um artigo para uma revista científica internacional para relatar, imaginamos que esse registro de uma Raia-manta e uma Baleia-minke-anã tão próximas por tanto tempo deve ser bastante raro também"

Para Agnaldo Martins, o mais interessante do dronemonitoramento é que, com ele, há garantia de que essa ocorrência não seja um evento isolado. "Como pretendemos voar por muito anos, repetindo as filmagens nos mesmo lugares, mês a mês, esperamos entender qual é a raridade de cada evento e qual a explicação para ele estar ocorrendo naquele local e daquela forma", revelou.

ave
Lindas aves também são avistadas em passeios de observação da fauna marinha. Crédito: Leonardo Merçon

ES TEM BIODIVERSIDADE COMPARÁVEL AO PARAÍSO DE NORONHA

"Fernando de Noronha acaba não tendo uma biodiversidade tão grande quanto tem o Espírito Santo", disparou Luan Amaral. Isso porque, segundo ele, o arquipélago pernambucano conta com ilhas oceânicas e, ilhas assim, são ambientes com biodiversidade menor por serem ambientes mais extremos.

Luan Amaral

Oceanógrafo

"Os fatores ambientais e climáticos, a distância e as barreiras biogeográficas dificultam a migração de espécies e a própria fixação delas no ambiente. Esses ambientes têm maior número de espécies endêmicas, ou seja, que só têm ali, mas acaba não tendo uma biodiversidade tão grande quanto aqui no Estado, que é um ambiente biogeograficamente localizado em uma faixa de transição subtropical e tropical, onde há uma gama de animais que poderiam ser de ambientes mais quentes, ou mais frios também"

O coordenador-geral do projeto Amigos da Jubarte concorda. Para Thiago Ferrari, as pessoas, pelos relatos de turistas que vão a Fernando de Noronha, logo pensam que a diversidade ambiental lá encontrada seja maior que em outros locais.

"Porém, no Espírito Santo, por alguns fatores, conseguimos ter mais espécies do que lá. Primeiro porque o litoral é mais extenso, segundo porque aqui incidem duas correntes marinhas, uma do Norte, mais quente, e a outra do Sul, que é gelada. O encontro delas se dá no litoral capixaba e, assim, conseguimos ter animais acostumados com as duas temperaturas", destacou o ambientalista.

Além dos dois fatores, o Estado também conta com uma cadeia submersa de montes, a Vitória-Trindade, rica em vida orgânica, com muito coral e recife, que alimenta outros animais. "Isso sem contar com o banco dos Abrolhos, que se localiza entre o Espírito Santo e a Bahia, muito rico em biodiversidade, em especial para a Baleia-jubarte, que prefere essas águas mais calmas e quentes para a reprodução. Por fim, muitas espécies que temos aqui não existem em Noronha e a maioria das espécies de lá podem ser encontradas aqui. O que falta para que todos saibam disso é o acesso às imagens captadas", finalizou.

jubarte no ES
A bela baleia Jubarte. Crédito: Leonardo Merçon

DRONEMONITORAMENTO DA FAUNA MARINHA CRIADO NO ES

O método de dronemonitoramento de animais marinhos utilizado no Espírito Santo, usado na captura de imagens da Baleia-minke-anã e da Raia-manta, é inédito no Brasil, com garantia de publicações científicas em revistas internacionais (a suíça Drones e a holandesa Science of the total Environment). O trabalho vem sendo desenvolvido em parceria entre o laboratório do projeto Amigos da Jubarte, o Jubarte.lab, e o setor de Nectologia, que estuda os organismos que vivem na coluna d´água, da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). 

Em conjunto, os pesquisadores do Jubarte.lab e da Ufes analisam imagens em alta definição, geradas pelos drones, que permitem a análise do comportamento dos animais e, a partir daí, trabalham na diminuição de riscos à biodiversidade.

O coordenador da pesquisa que levou aos artigos internacionais, Agnaldo Martins, explicou que a expressão "dronemonitoramento" foi criada pelo laboratório de Nectologia da Ufes para definir uma série de metodologias e procedimentos para investigar, de maneira inovadora e sistemática, várias espécies da megafauna marinha (golfinhos, baleias, aves marinhas, tartarugas marinhas), que são, em geral, as espécies mais ameaçadas de extinção.

Agnaldo Martins

Coordenador científico do projeto Jubarte.Lab

"Usando a tecnologia proporcionada pelos drones, podemos entender aspectos da vida dessas espécies fundamentais para promover a conservação e evitar a extinção delas. Podemos saber, por exemplo, quais lugares essas espécies mais frequentam e o que fazem lá, bem como de quais ambientes elas mais dependem. Isso nos dá uma dica das áreas que devemos deixar mais intocadas para garantir a sobrevivência dos animais"

Um exemplo prático disso, segundo o pesquisador, é a Baía dos Golfinhos, em Fernando de Noronha. "É uma área de descanso para mais de 700 golfinhos que passam o dia lá, depois da caçada noturna. Lá eles interagem, copulam e cuidam dos filhotes. Mas, lá em Noronha, foi possível descobrir que era um refúgio da espécie porque a baía é bem cercada de penhascos que permitiram descobrir que havia essa concentração de golfinhos todos os dias", relata.

Em mar aberto, Agnaldo explica que é muito difícil perceber detalhes, mesmo estando com um barco no local, porque as ondas e o campo de visão, a partir da embarcação, é muito restrito para ver o que está acontecendo. "Com o dronemonitoramento, voltamos na mesma área repetidamente e podemos ver de cima tudo o que está acontecendo", acrescentou.

E o processo não é tão simples quanto pode parecer. O coordenador do curso de Oceanografia da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) afirma ainda que a tarefa não consiste apenas em levar um drone, levantar voo e sobrevoar, registrando as imagens.

"Todos os vídeos precisavam ser comparados e tínhamos que voar no mesmo padrão todas as vezes. Aí tivemos que recorrer ao desenvolvimentos na área de mapeamento, fotografia, eletrônica e outros, para desenvolver uma técnica de fazer isso com a maior eficiência e maior rigor científico. Isso resultou na publicação no primeiro artigo científico do mundo sobre o assunto, no qual criamos o termo dronemonitoramento. Mais tarde, fizemos outro artigo com a aplicação dessas técnicas numa situação real", acrescenta.

O coordenador técnico do Jubarte.lab, Jonathas Barreto, reafirma: a principal diferença do método utilizado no Espírito Santo para o método tradicional usado para estudo dos animais marinhos é que, com o drone, é possível observar o animal por muito mais tempo. "Quando antes a observação era limitada a poucos segundos a partir do barco, em uma mesma perspectiva que o observador, agora temos outra perspectiva visual, por muito mais tempo - conseguimos ver o animal de cima e conseguimos monitorar por mais tempo", diz.

Ele explica que, com o uso de drone, a qualidade de informação é mais aprofundada. "É possível ter informações sobre o tamanho do animal, lesões que podem ter, condição corporal dele - trazer medidas dele e saber se está saudável ou não; e, principalmente, sobre o comportamento - interações entre os indivíduos da mesma e de outras espécies, alimentação, entre outros aspectos. Também dá para observar em laboratório, refinando, dando zoom, colocando em câmera lenta", finaliza.

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White-rumped Sandpiper (Calidris fuscicollis) . Crédito: Leonardo Merçon

QUAL É EXATAMENTE O MÉTODO UTILIZADO NO ES?

Para o coordenador-geral do Amigos da Jubarte, Thiago Ferrari, o drone assume importância científica fundamental, em especial no método utilizado no Estado. "Nossa metodologia usa como critérios técnicos uma área de monitoramento de 3.319 km², com 70 km entre as margens paralelas e 40km como distância mais longa em direção à quebra da plataforma continental. As imagens passam por análise laboratorial e assim observamos padrões de comportamento nos animais", iniciou.

Entre os parâmetros obtidos, os pesquisadores obtêm informações de quantidade de animais por grupo, composições sociais, peso correto, entre outras, em detalhes. "Este monitoramento serve como ferramenta tecnológica, integrado também a outros métodos, como o MAP, que é o monitoramento acústico passivo, em que gravamos com microfone a vocalização das baleias e dos golfinhos", acrescentou o ambientalista.

Além do drone-monitoramento feito a partir do lançamento do equipamento por pesquisadores embarcados, os drones também são usados por estudiosos que ficam nas praias, para observar melhor os animais que ficam próximos à areia, cujo método é chamado de "ponto-fixo".

Thiago Ferrari

Coordenador-geral do Amigos da Jubarte

"Com o método específico que desenvolvemos aqui somos os únicos a fazer dronemonitoramento de animais marinhos. Foi criado aqui, com várias peculiaridades e processos: desde quanto tempo fica no ar, qual a distância que vai, qual a altura. Um dos pontos positivos, em relação à observação tradicional, é que a pesquisa não fica refém do que o olho humano consegue ver, com influência do barco balançando, por exemplo"

Segundo Ferrari, com o drone, o protagonista deixa de ser o pesquisador e passa a ser o objeto, que faz a varredura e filmagem, o que não descarta o especialista, que, depois, com tranquilidade e em laboratório, faz a análise das imagens. "Na linha de visão do barco, o pesquisador não vê os animais abaixo da lâmina d'água, ou seja, com cerca de 3 metros ou mais de profundidade. Mas o drone consegue visualizar até 8 metros. Com isso, animais que a olho nu não seriam vistos, o drone vê", ressaltou.

A segurança que o drone garante é crucial: às vezes o animal aparece rapidamente, não consegue sem fotografado nem ter certeza de que espécie é. "Com o drone dá para aproximar a imagem em detalhe e ter mais certeza. No método tradicional, enxerga-se mais o que está na superfície e isso pode levar a diferenças de dados, por exemplo: no tradicional o estudioso vê cinco golfinhos na superfície, já o drone mostra que mais a fundo há mais 10 golfinhos", explicou Thiago Ferrari.

Para o oceanógrafo e pesquisador do Jubarte.Lab, Luan Amaral, que faz observação em alto-mar, o drone é uma ferramenta que permite um estudo comportamental dos organismos de uma forma menos invasiva. "Ou seja, é possível observar sem que isso cause alterações no próprio comportamento deles. A nossa presença no barco pode causar mudança de comportamento, já o drone não, por ser pequeno e não fazer tanto barulho. Pelo ar conseguimos registrar o habitat-natural, a composição do grupo. O drone permite que a gente conheça mais de como se comportam naturalmente", disse.

Luan Amaral

Oceanógrafo

"Os drones também são ferramentas que são utilizadas em diversas pesquisas com os animais, tornando possível obter várias informações, como o tamanho do grupo. a olho nu não dá pra definir com precisão o número de animais correto, bater o martelo sobre a qtd de indivíduos. com imagem dá. quantos há, quantos são filhotes. a claridade da água é boa aqui também. dá pra aferir tamanho, é uma ferramenta muito boa. o nosso estudo é comportamental. é uma ferramenta muito importante pra entender e registrar a dinâmica"

INEDITISMO

Para garantir o ineditismo da metodologia empregada no Estado, Agnaldo Martins, afirmou que há respaldo internacional. "Pode ter gente fazendo saídas para monitorar a fauna marinha em outros lugares. Mas o que temos de diferente é ter desenvolvido uma metodologia e termos publicado em duas revistas internacionais. Ou seja, da forma como fazemos é inédito. Ao termos publicado artigos primeiro, isso nos coloca em uma vanguarda, mesmo que outros façam monitoramento, introduzimos o termo dronemonitoramento no mundo", destacou.

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