O Secretário de Estado da Saúde, Nésio Fernandes, em entrevista virtual
O Secretário de Estado da Saúde, Nésio Fernandes, em entrevista virtual
Nésio Fernandes

"Podemos aplicar as duas doses da vacina em todos os adultos do ES em 6 meses"

Secretário estadual da Saúde faz uma análise dos nove meses de pandemia no Espírito Santo e traça projeções para 2021, com expectativas sobre a vacinação

O Secretário de Estado da Saúde, Nésio Fernandes, em entrevista virtual
Vitória
Publicado em 20/12/2020 às 06h00

Já se passaram 10 meses desde o primeiro registro do novo coronavírus no Espírito Santo, em 11 de fevereiro, e nove meses desde que a pandemia foi decretada no mundo. Ao longo de 2020, a doença teve altos e baixos no Estado. Atingiu um pico de contaminação entre o final de junho e início de julho, apresentou queda nos indicadores na sequência e atualmente vivencia uma nova fase de aceleração de casos e mortes provocadas pela Covid-19, com projeções ainda preocupantes para o final deste ano e início de 2021

Em entrevista para A Gazeta, concedida no início de dezembro, o secretário estadual da Saúde, Nésio Fernandes, fez um balanço sobre a pandemia: as maiores dificuldades no enfrentamento da doença, obstáculos que ainda precisam ser superados e as conquistas obtidas, mesmo em um cenário tão desafiador. 

Ele também ressalta a necessidade da população manter o isolamento social, principalmente nas festa de fim de ano, e fala sobre as expectativas em relação à vacinação que, além de proteger à população, poderá garantir a retomada total das atividades. "Temos condições de aplicar as duas doses em toda a população adulta do Estado em seis meses", afirma. 

O sistema de saúde do Espírito Santo não colapsou, como em outros Estados, mas estivemos próximos desse quadro? Qual foi o momento mais crítico da pandemia?

Tivemos inúmeros dilemas. Quando iniciou a pandemia, havia uma tensão muito grande sobre as medidas que precisavam ser adotadas como, por exemplo, fechar ou não fechar as escolas. Quando identificamos os primeiros casos, havia dúvidas na condução política; a comunidade científica se questionava se conseguiria responder tão rapidamente, como a China. Vivíamos a expectativa do desconhecido, de como a doença poderia avançar. Por isso, foi muito acertada a orientação da Organização Mundial de Saúde (OMS), e o alinhamento de prefeitos e governadores, para adoção de medidas de distanciamento, possibilitando o achatamento da curva (de contaminação) e o atraso na expansão da doença.  

Também não foi simples enfrentar a falta de insumos, medicamentos e a procura pelos ventiladores (respiradores) no mundo inteiro. Vencemos essa etapa porque conseguimos comprar os equipamentos da Itália. O Jayme (hospital Dr. Jayme Santos Neves), por meio da Abes (Associação Evangélica Beneficente Espírito-Santense - Organização Social que administra a unidade), conseguiu comprar e responder de maneira muito adequada à demanda. O Jayme, a propósito, é o segundo em atendimento de Covid na América Latina. Imagine a concentração de experiência! 

Da última semana de maio até a primeira quinzena de julho, foi o limiar do que éramos capazes de resistir no enfrentamento da pandemia. Havia diversos Estados colapsando, onde pessoas estavam morrendo sem diagnóstico, fora dos hospitais, e conseguimos suportar esse momento de muita pressão e não colapsar. Tivemos uma corrida de aprendizagem grande do ponto de vista epidemiológico e de gestão, e esse momento tem suas tensões também.

E, depois de nove meses da pandemia, como estão as equipes?

Existe um cansaço nas equipes assistenciais, um cansaço nas equipes de vigilância, nos gestores, na sociedade. Então, esse esgotamento que existe precisa ser trabalhado. Imagine as equipes médicas, de enfermagem, com dois, três, quatro vínculos de assistência e, neste momento, voltando a atender outras doenças, além do aumento de casos de Covid. Precisamos administrar da melhor maneira, cuidar também de quem cuida. Criamos encontros e estamos fazendo a revisão de todos os protocolos assistenciais praticados na rede privada e na rede pública - compartilhamos muitos profissionais - buscando oportunidades de melhoria. Trabalhamos também na humanização do manejo dos pacientes, com as famílias. Percebemos que, o que já era conhecido em outros tratamentos, também responde muito bem na Covid. Quando o paciente, mesmo não podendo ter contato, recebe videochamada, cartas, mensagens, áudios, o vínculo afetivo favorece uma resposta imunológica mais adequada. Vamos revisar todos os detalhes do cuidado da pessoa atingida pelo coronavírus, e também trabalhamos na expectativa de dar conta da dimensão do cuidado com o profissional.

Qual avaliação o senhor faz do momento atual?

Precisamos entender que a pandemia tem uma solução. As doenças infectocontagiosas são conhecidas pela comunidade científica há séculos. Temos aí o desenvolvimento de vacinas, que estão sendo produzidas, outras prontas. É muito mais barato, e tem muito mais efetividade, uma vacinação ampla da população brasileira, com redução radical de óbitos e a possibilidade de voltar integralmente às atividades sociais e econômicas.  

No entanto, a pior tensão do momento, é a ameaça de não se ter uma coordenação nacional no menor espaço de tempo possível, e a disponibilidade imediata de todas as vacinas. O dilema da compra das vacinas se tornou uma chacota na comunidade internacional e um desprestígio do nosso país. Quando o presidente da República afirma que não aceita ser vacinado, isso se torna um problema. Algumas opiniões, quando somos gestores públicos, devem estar reservadas à vida pessoal porque possuem repercussão em práticas sociais que vão submeter o país a risco, caso as pessoas não se vacinem.  

De fato, vivemos um novo momento de tensão; aquilo que vemos nos contextos de guerra prolongada, em que se esgotam os recursos do país e se tem o cansaço da população. Podemos viver algo semelhante, se não houver comando nacional. Não basta só dar dinheiro para Estados e municípios. Acredito que o Espírito Santo conseguiu um desempenho satisfatório, dado o contexto do país, em preservar muito o povo capixaba. Não duvidamos da necessidade de implementação de recursos para ampliar o funcionamento do SUS; fortalecemos diálogo com as prefeituras, de oposição, de situação, neutras; adotamos medidas aceitáveis e reconhecidas do ponto de vista científico, evitando o charlatanismo; tratamos de, ao longo de toda a evolução da doença, buscar a coesão da população e das instituições. 

O desafio da solução definitiva, e aquilo que de fato vai ser a ‘bala de prata’, é a disponibilidade de diversas vacinas e diversas tecnologias, para que o país consiga vencer de maneira adequada a pandemia. Outro ponto é que, sem proatividade para resolver a situação, secretários, governadores e prefeitos precisam administrar a ausência de agenda econômica capaz de enfrentar o problema do setor de eventos e entretenimento, por exemplo, que não teve política específica da União, e com a possibilidade de aumento da tensão neste período de final de ano. Corremos o risco de ter o “Covidão Natalino”, com grandes explosões de aglomeração e, em vez de comemorar o novo ano que está chegando, ter o mês de janeiro e fevereiro vivendo luto da perda de muitas pessoas queridas. Existe uma resposta da pandemia que é conhecida: aglomerou, pegou. Tivemos diversas expressões disso, como o que aconteceu na campanha eleitoral, por exemplo. Não precisamos duvidar do que já conhecemos.

A vacina da Pfizer é uma das opções para imunização da população, mas exige armazenamento a temperatura inferior a 70 graus. O Estado tem condições de receber esse imunizante?

Está superado o dilema do armazenamento da Pfizer. A empresa tem capacidade de logística e consegue disponibilizar a vacina de maneira escalonada, fracionada, com quantidades suficientes para vacinação em até 15 dias, em caixas de gelo seco. É necessário superar o dilema, e esse não pode ser argumento para não adquirir. É uma vacina moderna, eficaz, segura e que pode salvar vidas. Não é adequado dar tanto peso ao armazenamento se a própria indústria já apresentou uma solução. Nós, no Espírito Santo, teríamos condições plenas de ir a todos os rincões com esta vacina. A negociação com eles permanece, e também estabelecemos contato com outras vacinas. Já vivemos no Espírito Santo uma experiência de vacinar um milhão de pessoas por mês. Então, com a vacina, temos condições de aplicar as duas doses em toda a população adulta do Estado em seis meses, ou seja, cerca de 3 milhões de capixabas.

Qual foi o pior momento da pandemia para o senhor como secretário, mas também como cidadão que estava em meio à pandemia? O senhor sentiu medo?

É claro que o medo existe, é um sentimento protetor da vida. O pior que pode haver para um gestor, para um líder, é o excesso de confiança; isso é uma temeridade. É preciso reconhecer o fenômeno e a dimensão dele. A desvantagem que temos em relação a um adversário invisível e que, quando se torna visível, é porque já alcançou o seu alvo, já afetou as pessoas, contaminou, fez muitas perderem a vida. Apesar de estarmos um passo à frente na assistência - abrindo leitos, ampliando a testagem - era assustador perceber que, a cada passo, o vírus pegava no calcanhar de novo, e isso se colocou como um enorme desafio.  

Mas, ao lidar com a Ciência, com boas práticas de gestão, o Estado foi capaz de construir metodologias de matriz de risco, uma liderança em condições de conversar com todo mundo, que nos dá segurança para o enfrentamento. De fato, o pior momento foi no período do final de maio até a primeira quinzena de julho. Naquela época, tínhamos o seguinte movimento: três dias de explosão de casos, remoção de pacientes para hospitais e, de repente, três dias de tranquilidade. Também é sempre ruim ver pessoas próximas perderem a vida. Lembro quando o Jayme (hospital) perdeu o primeiro trabalhador. Uma situação difícil, mas fiz questão de ir até lá.

Qual o maior avanço e o maior retrocesso constatados nesses meses de pandemia?

O maior avanço é a construção de uma nova unanimidade: defender o SUS e a vida. Essa pauta foi retomada com muita força na sociedade. São expressões civilizatórias que demonstram que um país avançado, moderno, desenvolvido precisa ter, como característica, a garantia de universalidade e integralidade de atendimento em saúde para toda a população. Toda estratégia de privatização, de redução do papel do Estado, tem sido criticada. É só ver a resposta que houve àquela proposta que autorizava o segmento de privatização do Ministério da Economia a receber manifestação de interesse para entregar os prontos atendimentos à iniciativa privada. O próprio monitoramento do governo federal nas redes sociais percebeu um movimento contrário muito forte, e recuaram. Então, isso é muito importante. 

Nesse mesmo contexto, conseguimos que toda a expressão de antipolítica, antissistema, que elegeu Bolsonaro (presidente da República), perdesse força. O negacionismo perdeu força, e o resultados das eleições foi uma derrota expressiva a esse segmento. O retrocesso, por outro lado, é ver que ainda não foi derrotado por completo, perceber que há quem não reconheça o trabalho científico, a Ciência, a resposta das vacinas, constatar que isso ainda está presente na sociedade.

Hoje a chance de um paciente hospitalizado com Covid sobreviver é maior? Por quê?

O que conseguimos aprender ao longo desse período é que o aumento do tempo médio dos pacientes nos hospitais conseguiu salvá-los com frequência maior. No início, o paciente chegava muito grave na rede pública e, na rede privada, chegava com internação precoce. Hoje, com a prescrição dos famosos kits Covid, muitas pessoas ficam em casa acreditando que vão ser curadas com kits falastrões e estão chegando grave na rede privada também. Há um reconhecimento na rede privada que os pacientes estão internando agora com características mais graves, e tardiamente, por conta da adesão a kits falastrões. O ideal será tratar o paciente com medicamento específico (que ainda não existe) e ter vacina para que, caso desenvolva a doença, seja nas formas mais leves e menos graves.

As pessoas contaminadas atualmente estão apresentando sintomas mais leves da doença? Mudou algo na medicação?

Aumentou a contaminação da população jovem, que costuma ter uma evolução com quadros clínicos menos graves. Também estamos conseguindo fazer algumas coisas diferentes, como deixar de aplicar medicamentos que não davam resultado, fazendo uso mais equilibrado nos antibióticos, e os corticoides de maneira mais oportuna.

Qual a orientação para as festas de final de ano?

Existe uma regra que todas as famílias deveriam seguir: quanto menos pessoas se reunirem, menos chance de transmissão e de perder pessoas queridas. É fundamental evitar grandes reuniões com familiares, reunir idosos e pessoas de grupo de risco. Não adianta também organizar para uma avó receber a visita de 20 netos, numa programação ao longo de todo um dia. Neste ano, não se deve fazer encontros fora de seus núcleos familiares (quem divide a mesma casa). Nos eventos e festas de família grandes, o risco é proporcional.

O senhor acredita que a troca de gestão das prefeituras pode ser um dificultador na condução da pandemia no ano que vem? De que modo deve ser conduzida a transição para evitar o retrocesso no combate à doença?

Eu me reuni com os secretários municipais de saúde (com 60 deles, no início do mês) por quase três horas, e explicitamente orientamos que incorporassem ao longo de dezembro a equipe de transição, se houver, com toda a atualização. Para não deixarem nenhuma situação de risco para o início de 2021. A pandemia não tem temporalidade do ano fiscal, ela é contínua. Pode ser muito catastrófico para o Estado, se for constatada, só no início de uma nova gestão, carência de EPIs (Equipamentos de Proteção Individual), por exemplo. A eleição passou e todo mundo precisa colocar na mesa a verdade e tratar a pandemia com a seriedade que ela exige.

O que podemos esperar para o próximo ano? Quais as projeções?

O risco do pior cenário sempre existe, e tratamos de desenhar o pior cenário para poder enfrentá-lo, mas não acreditamos que vamos viver um momento crítico como o primeiro. Temos hoje uma curva de aprendizagem no manejo e a rede assistencial com capacidade de atendimento. Adotamos a estratégia da expansão do “Leito para Todos”, estamos na iminência de ter diversas vacinas, então conseguimos ter uma expectativa muito positiva para 2021.  

Quais as maiores lições da pandemia na área da Saúde?

Até agora, o legado é extraordinário. O incremento do financiamento do SUS, a melhora da cultura da população, com domínio sobre questões de saúde e doenças infecciosas. A história vai julgar os que adotaram as melhores práticas e os que negaram a Ciência. Estaremos entre os que optaram pelas medidas mais avançadas, com as melhores práticas para garantir a saúde da população.

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