Desde quando se começou a falar sobre a pandemia do novo coronavírus no Brasil, a curva de crescimento da contaminação vem sendo desenhada e discutida por epidemiologistas, governantes, gestores da saúde e pesquisadores da área. No Espírito Santo, apesar do aumento constante dos casos confirmados de contaminados pelo vírus, especialistas ouvidos por A Gazeta garantem que ainda não atingimos o pico e apontam motivos diferentes para que isso não tenha acontecido.
A curva epidêmica mostra o número de casos no tempo e permite conhecer a evolução da contaminação do vírus. Ela colabora com o planejamento de ações para tentar conter o avanço da doença, oportunizar tratamento aos doentes, evitar perda de vidas e minimizar os danos em diversos setores da sociedade. O Espírito Santo até esta segunda-feira (18) tem 6.744 casos notificados de pessoas que foram contaminadas pelo novo coronavírus. Desse total, 285 morreram.
Na análise dos especialistas, embora a curva tenha parado de subir rapidamente, como nas semanas anteriores, não significa que tenha atingido o pico. Um dos fatores que levam a essa conclusão é a taxa de mortalidade no Espírito Santo, que é de 2,8%, enquanto no Brasil é de 4,2%, explica Ethel Maciel, epidemiologista, professora e coordenadora do Laboratório de Epidemiologia da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes).
A epidemiologista participa de estudos sobre a disseminação do coronavírus na Grande Vitória, onde há mais registros de infectados por coronavírus. Outro fator que impediu a chegada rápida ao topo da curva, segundo Ethel, foi a adoção de medidas de isolamento desde o primeiro caso da doença no Estado. "Mudanças na interação entre as pessoas alteram as projeções. A abertura do comércios, por exemplo, já influencia as perspectivas da taxa de transmissão", observou.
Ela explica que a taxa de transmissão é a velocidade com que o vírus se espalha pela população. "Em 16 de março, quando fizemos o primeiro cálculo, a propagação da doença, era de 3, 1%, ou seja, uma pessoa infectava cerca de outras três pessoas. Já em 04 de maio, a taxa caiu para 1, 7 %, de acordo com os dados da pesquisa".
Essa queda se deve à redução do contato entre as pessoas. "Quanto mais próximo de 1% estiver essa taxa, significa que estamos controlando a doença", explicou Ethel.
O infectologista Lauro Ferreira reforça que o ritmo da curva está lento devido à restrição de contato entre a população. "Se liberar todo mundo para se abraçar, o pico da curva é alcançado rapidamente. Mas a consequência disso, é um alto número de mortes, já que muitos vão precisar de assistência médica, e a rede de saúde não terá condições de suportar. Se o quadro atualmente é este, se ainda não batemos no topo, é porque as pessoas não foram expostas de uma só vez ao vírus", afirma
Outro indicativo de que o Espírito Santo não alcançou o ápice da transmissão do vírus é a parcela ainda pequena da população contaminada. Isso, porém, não é positivo, explica Lauro Ferreira. "Não é positivo ainda não termos atingido o pico. Temos um percentual pequeno de população contaminada, que não chega a 4%, então ainda vamos continuar subindo essa ladeira. Só tem um jeito de a gente passar por isso sem um colapso: um isolamento agressivo para diminuir as cadeias de transmissão. Estamos subindo devagar essa ladeira, mas, com a abertura recente de bares, comércios, as cadeias de transmissão vão aumentar e vamos ter sobrecarga grave do serviço de saúde brevemente", pontua.
A preocupação do médico se baseia no fato de que, mesmo longe do pico da curva, o Estado já está com quase 80% dos leitos destinados a tratamento da Covid-19 ocupados. "Vamos assistir a gripe lotando os hospitais. Infelizmente, é isso que vai acontecer. Estamos longe do alto da curva, mas perto da ameaça de colapso do sistema", pontuou Ferreira.
Por isso, o conceito de imunidade de rebanho, defendido por alguns como forma de combate ao coronavírus, é duramente criticado pelo infectologista Lauro Ferreira. Este modelo prega uma exposição maciça da população ao vírus como forma de imunização coletiva, quando a maior parte do grupo já foi infectada.
"Quando se tem mais de 60 % da população de um local com a imunidade adquirida, isso impede que o vírus circule, pois a doença deixa de ser desconhecida pelo o organismo. Porém, com essa taxa pequena de contaminação que temos e com a alta de ocupação de leitos, esse método não se aplica. Teremos apenas hospitais lotados, congestionados, no pico da doença", projeta o infectologista.
A falta de testes em larga escala também é um empecilho para a composição de um cenário mais realista, aponta Ethel Maciel. "Infelizmente, pela ausência de testes, não conhecemos todo o universo de infectados. Segundo cálculo da USP, para cada caso confirmado, a estimativa é de que existam outros nove casos subnotificados. Ou seja, os casos confirmados representam um número importante", explicou a professora.
Porém, quando comparada à média brasileira, a dinâmica de testes no Espírito Santo está bem melhor, destaca o diretor-presidente do Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN), Pablo Lira. Segundo ele, enquanto a taxa de testagem no Brasil é de 3 mil testes para um milhão de habitantes, no Espírito Santo o índice é duas vezes maior, de 6 mil testes para um milhão de habitantes. "Isso se reflete na curva com um retrato mais próximo da realidade. A gente torce e o Estado toma medidas para que o pico da curva seja achatado, os esforços são neste sentido", pondera Lira.
Diante das medidas adotadas, acrescenta Lira, o alcance do pico da curva será lento, porém as ações governamentais não determinam isoladamente se o ápice será catastrófico ou não. "Depende de uma responsabilidade compartilhada. O Estado não é suficiente, apesar de primordial, para garantir o funcionamento da rede de saúde nesta crise, que é mundial. O cidadão também tem um papel muito importante ao aprender a viver nesse novo normal, seguindo as normas, cumprindo o isolamento", frisou.
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta