Araceli com a mãe e o irmão
Araceli com a mãe e o irmão. Crédito: Montagem/Geraldo Neto

Professora de Araceli sofreu ameaças de prisão, tortura emocional e atentado

Durante as investigações, ainda em 1973, Marlene conta ter sido coagida, em depoimento à polícia, para denunciar possíveis suspeitos do crime

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Marlene Stefanon era a professora de Araceli Cabrera Crespo na escola São Pedro, na Praia do Suá, em Vitória, na época do desaparecimento e do assassinato da menina de 8 anos, em 1973. Ela esteve envolvida nas investigações do crime que completou 50 anos na condição de testemunha e, segundo a professora, chegou a sofrer ameaças da polícia nos depoimentos que prestou sobre o caso. 

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Araceli, em 1973, foi sequestrada, abusada sexualmente e morta. E o que teria acontecido entre o desaparecimento da menina, ao sair da escola em 18 de maio daquele ano, e o encontro do cadáver, seis dias depois,  permanece um mistério.

Durante as investigações, ainda em 1973, Marlene conta ter sofrido ameaça de prisão, em depoimento à polícia, para denunciar possíveis suspeitos do crime. "Eu só via as pessoas ligando: 'Prepara uma cela, que a professora da Araceli vai ficar aí. Aí era choro, era muito choro", relembra a professora, emocionada.

Antes do desaparecimento da menina, Marlene já havia denunciado a algumas colegas da escola ter visto um Volkswagen amarelo rondando o local. E era essa a informação que os policiais pareciam querer dela.

"Colocaram um livro, com uma porção de foto de adolescentes, para eu indicar quem estava no carro. Não era nenhum daqueles, eu falava. Eu não conhecia o nome deles, eu não podia dizer "é fulano", eu não sabia de nada. Então ele disse: 'Pensa bem, nós vamos mostrar outro livro para você, se não disser quem foi que fez isso, nós vamos vamos levar você lá para a Penitenciária de Vila Velha'. Mas eu não matei ninguém, como é que vou para lá?", perguntou a professora aos policiais.

Caso Araceli
Marlene Stefanon, professora da Araceli, conta ter sido ameaçada durante as investigações. Crédito: Vitor Jubini

Após muita insistência, os policiais deram novo ultimato. "Já que a senhora não quer falar quem é, então a senhora vai para a delegacia, senhora vai lá para Vila Velha com os presos", ameaçaram.  "Aí me puseram em um fusca com três homens, ficaram rodando comigo de noite, de madrugada, por Vila Velha. Aí me levaram para a porta da delegacia, e eu gritava, eu chorava. Eu estava sozinha, não tinha ninguém comigo. E isso nunca foi falado."

"Eu só vi o carro, eu não vi as pessoas", alegou Marlene aos policiais.

A intransigência policial na época tem explicação histórica. O caso Araceli ocorreu em um dos períodos de mais repressão da ditadura militar. "Os agentes do Estado, os membros do aparato repressivo, os membros da polícia, sobretudo da Polícia Civil, agiam livremente e não sofriam consequências nenhuma”, relembra Pedro Ernesto Fagundes, professor de História e ex-coordenador da Comissão da Verdade da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes).

Professora foi baleada

Foi no ano de 1975, dois anos após a morte de Araceli, que a vida da professora esteve por um triz. Marlene acredita que, em julho daquele ano, sofreu um atentado em função da proximidade com o caso.  Na escadaria que liga a Avenida Jerônimo Monteiro à Rua Wilson Freitas, no Centro de Vitória, ela foi alvo de tiros.

"Um engenheiro da Marinha me chamou para ir a um aniversário na Ilha de Santa Maria. Na volta, eu disse que ele podia me deixar ali, pois subindo a escadaria eu já estava dentro de casa. E ele me deixou. Mas só que tinha um vigia na frente, que disse que tinha um homem lá todo de preto desde cedo, atrás de um poste. Quando estou subindo, a escadaria, ele atira na minha boca, eu perdi os dentes", relembra.

"Um outro vigia gritou 'pega ladrão!'. Eles não sabiam de nada", conta Marlene, que diz que correu, ensanguentada, para o Hotel São José, onde acabou passando a madrugada. "Foi um trauma, fiquei muito tempo sem conseguir falar com ninguém. Aí que eu passei a não sair de casa para nada".

O Ministério Público, à época do assassinato de Araceli, indicou algumas mortes ocorridas no decorrer das investigações como suspeitas, como a do Sargento Homero, que investigava o caso. É nesse contexto de desmandos e de má atuação policial que Marlene acredita ter escapado de um homicídio pela sua participação como testemunha do caso. "Eu fui a única que falou a verdade. Então é por isso que, graças a Deus, estou viva até hoje".

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