A expressão "Covid longa" tem ganhado espaço no vocabulário e no cotidiano dos brasileiros. O quadro classifica aquelas pessoas que continuam com sintomas da doença mesmo após curadas. Efeitos comuns são a perda de memória e a redução das chamadas habilidades atencionais. As condições são capazes de afetar negativamente o Quociente de Inteligência, conhecido como QI.
Médicos neurologistas, psicólogos e psiquiatras consultados por A Gazeta apontam que a infecção por Covid tem mexido com a rotina dos pacientes, afetando o desempenho em tarefas diárias e deixando funções com algum nível de comprometimento.
Para o médico psiquiatra Luan Pogian, o cenário reforça a hipótese de atuação do coronavírus no sistema nervoso central, provocando danos neurológicos. É como se um infectado pelo coronavírus, mesmo curado e de volta à rotina, não tivesse a mesma saúde que apresentava antes daquela infecção.
O médico explica que não é possível definir critérios para o surgimento de déficits cognitivos ou transtornos psiquiátricos. Portanto, os infectados pela Covid estão expostos ao risco de sofrerem com queda na memória e na produtividade. Isso porque, de acordo com Luan Pogian, as reclamações de pacientes costumam ser relacionadas ao aspecto cognitivo.
A infecção por Covid pode gerar, imediatamente, dores no corpo, na garganta e na cabeça, além de tosse, cansaço e até falta de ar. Mas a preocupação agora também está voltada para o que pode ocorrer após o paciente receber alta hospitalar ou concluir o período de isolamento em casa.
Em entrevista à reportagem de A Gazeta, o médico Luan Pogian reforçou a percepção de perda de memória como um fator predominante. Segundo o psiquiatra, há vários níveis de "declínio cognitivo" entre os pacientes, mas é possível classificar que a infecção por Covid é responsável por afetar a produtividade.
"Pacientes geralmente reclamam de perda de memória. Cientificamente, falamos em declínio cognitivo. Há alteração da atenção, de funções executivas, uma tarefa diária, um exercício comum. [A infecção por Covid] afeta muito a produtividade. Às vezes pode ser um paciente que já tinha declínio, o que ficou ainda mais grave após a exposição ao vírus", detalha.
A mesma tendência pode ser percebida no Quociente de Inteligência, também conhecido como QI. O fator mede a inteligência das pessoas com base em testes específicos.
O PhD em neurociência, formado em neuropsicologia e biólogo Fabiano de Abreu ressalta que o coronavírus afeta parte dos neurônios. O especialista explica que o vírus também é capaz de alterar o funcionamento dos astrócitos, que são células importantes para o funcionamento do cérebro. A infecção pelo vírus pode comprometer a rapidez na tomada de decisão das pessoas, por exemplo.
A tendência de estacionar ou regredir no QI também é observada pela neuropsicóloga Leninha Wagner. Ela explica que os sintomas neurológicos após a Covid são de longo prazo, permanecendo mesmo depois de o paciente ter se curado. As principais alegações dos pacientes são: dificuldade em manter o foco, troca de palavras, problemas de memória e lentidão na aprendizagem.
Os especialistas consultados por A Gazeta concordam que o QI tem tendência de crescimento ao longo dos anos da vida de uma pessoa. Porém, a infecção por Covid é capaz de prejudicar as funções e habilidades que são consideradas em um teste de QI, por exemplo. Isso quer dizer que a queda no quociente é uma consequência do coronavírus. Não há estudos que mostrem o tamanho do risco para os infectados pela Covid. Também não é possível apontar quantos infectados sofrerão com a queda no QI.
Um estudo feito por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) com 425 pacientes que se curaram de quadros moderado e grave da Covid mostrou alta prevalência de déficits cognitivos e transtornos psiquiátricos. O maior percentual é daqueles que relataram perda de memória após a infecção: 51,1%.
- 51,1% dos pacientes relataram ter percebido declínio da memória
- 13,6% desenvolveram transtorno de estresse pós-traumático
- 15,5% foram diagnosticados com transtorno de ansiedade generalizada - em 8,14% deles o problema surgiu após a doença
- 8% dos pacientes receberam o diagnóstico de depressão - em 2,5% somente após o quadro de Covid
O estudo foi feito com 425 pacientes que se recuperaram das formas moderada e grave da Covid-19. Elaborado por pesquisadores da Universidade de São Paulo, com avaliações feitas no Hospital das Clínicas entre seis e nove meses após a alta hospitalar.
Esse não é o primeiro estudo que direciona atenção para o pós-Covid, mas os dados coletados no Hospital das Clínicas, em São Paulo, evidenciam um comportamento semelhante entre pacientes curados.
A médica neurologista e professora da Emescam Mariana Lacerda afirma que as reclamações sobre perda de memória e dificuldade de concentração têm sido comuns no cotidiano dos médicos.
"Na prática, o que vemos hoje são várias pessoas, mesmo depois de curadas, relatando sintomas persistentes. Isso também é observado em outras infecções, mas parece que a Covid, por ter sido um grande número de infectados, observamos com maior frequência. Notamos muitas queixas psiquiátricas. Acredito que não sejam casos isolados. Vejo que o número de pacientes aumentou, há mais procura [por atendimento com sintomas pós-Covid]", comenta a médica.
O médico psiquiatra Luan Pogian compartilha a ideia de que os dados da USP mostram uma realidade vivida por inúmeros pacientes ao redor do Brasil.
Aqueles que permanecem com sintomas mesmo depois de curados sabem por experiência própria que não há pílula mágica para volta da vida ao que era antes. A infecção por Covid, como explicado pelos especialistas, pode representar uma interrupção na evolução cognitiva.
Na tentativa de impedir que o coronavírus afete ainda mais o organismo, médicos sugerem algumas mudanças na vida das pessoas, sobretudo em relação aos hábitos saudáveis.
Em caso de sintomas mais graves, é necessário que o indivíduo procure um médico especializado. Ignorar os sinais, segundo especialistas, não é uma opção recomendada.
O médico infectologista e professor da Emescam Lauro Ferreira Pinto explica que a classificação depende do tempo de duração dos sintomas. "Tratamos covid longa quando há mais de três meses de sintomas. Para considerar Covid longa, não é pouco tempo, mas é uma definição formal. A Covid longa é algo semelhante à síndrome da fadiga crônica, quando as pessoas têm dificuldade de executar tarefas simples, problemas com a memória, dificuldade de concentração, além de dor de cabeça. Pode acontecer em qualquer faixa etária. O que tem saído são trabalhos de descrição, são coisas novas. Sintomas mais relatados são dificuldades de concentração, fraqueza, insônia, dor de cabeça e perda de memória", detalha.
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