Desde o início da pandemia, mães e pais deram uma pausa na vacinação das crianças, expondo-as a uma série de riscos. Com a imunização infantil contra poliomielite, sarampo e catapora em queda no Espírito Santo, existe o perigo de retorno dessas "doenças de antigamente".
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a poliomielite, popularmente conhecida como paralisia infantil, foi erradicada no Brasil em 1994, tendo deixado de afetar milhares de crianças brasileiras após a grande campanha de vacinação em massa.
Contudo, as taxas de imunização contra a doença estão em queda, o que acende um sinal de alerta das autoridades de saúde para o risco de volta da endemia, inclusive porque, em um mundo fortemente interligado, esses patógenos podem atravessar fronteiras geográficas e infectar qualquer pessoa que não esteja protegida.
Um levantamento realizado pela Secretaria de Estado da Saúde (Sesa), a pedido de A Gazeta, apontou que, em 2021, apenas 63,95% das crianças capixabas receberam, por exemplo, a vacina contra o pólio.
Os dados de cobertura vacinal são parciais, pois ainda não constam nos relatórios do Ministério da Saúde as doses aplicadas de outubro a dezembro, contudo, o recorte já evidencia uma queda considerável no percentual de pessoas imunizadas. Comparativamente, em 2020, esse índice alcançava 81,97%, a maior alta desde 2017.
Todavia, não é uma situação observada exclusivamente no Estado. Em março, uma criança de três anos e nove meses foi diagnosticada com poliomielite na moderna Israel, após mais de 30 anos sem registro da doença no país. Já são sete casos na região. E a Organização Panamericana de Saúde (Opas) já afirmou que o Brasil é um país de alto risco para a volta da doença.
"O Brasil quase foi classificado como de altíssimo risco [para o retorno da pólio]. De todos os outros países classificados como de alto risco, ele é o que está mais próximo da categoria de maior risco", afirma Luíza Arlant, presidente da Câmara Técnica de Certificação de Erradicação da Poliomielite no Brasil junto à Opas/OMS.
Segundo ela, existem vários fatores na avaliação feita pela organização, como vigilância sanitária, condições de enfrentamento para um possível novo caso e, principalmente, a cobertura vacinal. Segundo o Ministério da Saúde, a vacinação contra a pólio tem resultados abaixo da meta desde 2016. Em 2021, pior ano recente, só 67% foram atingidos na cobertura vacinal contra a pólio.
Essa mudança de comportamento ocorre também em relação a outros imunizantes. A Tríplice Viral é uma das vacinas obrigatórias na primeira infância e é responsável por ajudar a conter surtos de doenças contagiosas e possivelmente fatais, como o sarampo, a rubéola e a caxumba.
Ainda assim, somente 77,98% das crianças foram imunizadas em território capixaba entre janeiro e setembro de 2021, acompanhando a tendência de queda observada desde 2018.
O doutor em Imunologia e professor de Medicina da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), Daniel Gomes, observa que essas doenças já começam a voltar. O vírus do sarampo, por exemplo, voltou a circular em diversos países.
O Brasil, que chegou a receber da OMS o certificado de eliminação do patógeno, também voltou a registrar casos nos últimos anos, deixando de ser considerado um país livre da doença. Em 2019, foram diagnosticados quatro casos no Espírito Santo, de pessoas que foram infectadas em outros locais.
“Tivemos, recentemente, surtos de sarampo no país. É o exemplo mais recente, mas sabemos que a vacinação é uma ferramente importante de controle não só dessa doença, mas de outras. Quando temos uma queda na adesão da imunização contra alguma doença, temos um aumento de casos.”
Há uma série de fatores que esclarecem a queda na procura pelos imunizantes. Uma das explicações está no próprio sucesso de campanhas de vacinação anteriores, que levaram a um cenário de baixa transmissão desses vírus e, portanto, criaram uma falsa sensação de que as doenças já não eram um problema e a vacina já não era necessária.
Outra causa, conforme explica Gomes, foi a preocupação em relação ao coronavírus, que fez com que as famílias evitassem os postos de saúde.
“A Covid-19 atrapalhou bastante a imunização contra outra doenças, e houve um impacto não só na vacinação infantil, quanto de outros públicos também. As pessoas evitavam postos de saúde. Mas também há outras questões, como a ampla disseminação de informações falsas sobre vacinas.”
O doutor em Imunologia observa que a desinformação não está presente apenas nos grupos de WhatsApp. Há movimentos antivacina bem estruturados, tanto a nível nacional, quanto internacional, que contam inclusive com fontes de financiamento. “É um movimento crescente, que ganhou força com a pandemia, e que vem impactando muito a adesão às vacinas de modo geral.”
Até a vacinação contra doenças mais comuns, como a varicela, também conhecida como catapora, também tem sido prejudicada. O percentual de crianças imunizadas em 2021 (69,78%), a princípio, é o menor desde 2017 (68,59%).
Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE-ES) e relator de um processo que acompanha a vacinação pediátrica contra a Covid-19 em território capixaba, Domingos Taufner avalia que o mesmo movimento de disseminação de informações falsas que levou à baixa procura pelo imunizante contra o coronavírus no Espírito Santo, também teve impacto na adesão a outras vacinas.
“É um problema de saúde pública. As informações falsas sobre a vacina contra a Covid-19 acabaram sendo muito difundidas, mas também caiu a vacinação contra outras doenças, como sarampo, paralisia infantil, doenças consideradas extintas que agora correm o risco de voltar. Inclusive, temos alguns Estados que já identificaram sarampo. E são todas doenças evitáveis.”
*Com informações da Agência FolhaPress
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