Os quilombolas sexagenários de Conceição da Barra, no Norte do Espírito Santo, estão diante do desafio de passar as tradições aos mais jovens e fazer com que eles deem continuidade à luta pela demarcação do território, disputa encampada hoje principalmente pelos moradores mais antigos dos quilombos.
"Os mais jovens não estão muito pensando nisso, não. Eu acho que, na nossa comunidade, vai precisar de a gente fazer um trabalho de formação, não só com os jovens, mas com alguns adultos também, porque a gente luta para ter o território, demarcar, pensando na próxima geração. Para ficar, não acabar", conta Luzinete Serafim Blandino, de 65 anos, moradora do quilombo de São Domingos.
Durante dois dias, a reportagem de A Gazeta percorreu 557 quilômetros e visitou Linharinho, Morro da Onça e São Domingos, três quilombos localizados em Conceição da Barra. As visitas resultaram em uma série de quatro reportagens especiais relacionadas ao Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra.
- Capítulo 1 | Memórias de resistência na formação dos quilombos de Conceição da Barra
- Capítulo 2 | Quilombolas incentivam mais jovens a lutar pela terra em Conceição da Barra
- Capítulo 3 | Quilombolas relatam falta de água potável e luz em Conceição da Barra
- Capítulo 4 | Quilombolas lutam por terra e sonham com posse de territórios em Conceição da Barra
Os quilombos visitados pela reportagem vivem hoje realidades diferentes. Enquanto São Domingos, mais longe da sede do município, enfrenta o desafio de atrair a juventude para o campo e de envolvê-la nas causas da comunidade, Linharinho presencia jovens retornando à comunidade.
"Quem saiu quer voltar, mas teve muito jovem que teve que sair. Os jovens trabalham fora, mas voltam e estão trabalhando no quilombo. Tem jovem que não sai. Vai lá, estuda e volta e diz 'aqui é o meu lugar, é aqui que eu vou criar meus filhos'", conta Elda Maria dos Santos, conhecida como dona Miúda, de 65 anos, moradora de Linharinho.
"Alguns jovens não têm nada da cultura, da tradição, do conhecimento. Eles não têm, não procuram, o que os jovens pensam hoje é só em dinheiro, mas o dinheiro não é tudo na vida. O dinheiro é bom, mas precisa que a gente tenha outros conhecimentos, saberes, porque a gente precisa saber onde vive, quem somos nós", relata Luzinete, com preocupação.
Já em Morro da Onça, um quilombo com população menor que os outros, a situação é estável. "Graças a Deus, a gente consegue trabalhar com esse intuito de continuar resistindo. Porque não é fácil a gente resistir dentro do território. Somos ameaçados a todo momento. Mas os nossos jovens conseguem distinguir que eles têm que dar continuidade a nossa luta. Meu filho mais novo tem 8 anos e é um militante de mão cheia. Ele sabe dar o grito de guerra. Sabe se porque, de fato, esse território precisa ser preservado, precisa ser conquistado, para que, de fato, a gente possa viver", destaca o agricultor Josielson Gomes dos Santos, de 42 anos.
"Nós, enquanto comunidade, enquanto povos tradicionais, só queremos ter o direito de viver no nosso território, continuar vivendo e, realmente, cuidar do nosso território, para que fique para as próximas gerações. Nossos jovens, graças a Deus estão com muito intuito, com muita garra de dar continuidade ao nosso território", reflete Josielson.
Um dos fatores que podem contribuir para os jovens continuarem ligados ao território é a proximidade com a sede do município. Enquanto Linharinho e Morro da Onça estão a 9 km da parte central da cidade, São Domingos está a 22 km de distância.
Dados do Censo 2022 realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que Conceição da Barra tem 4.047 quilombolas, o que equivale a 14,74% da população total do município, que é de 27.458 pessoas. A cidade tem o maior percentual de quilombolas por habitantes do Estado.
Dos 4.047 quilombolas, a maioria (81,37%) vive fora de quilombos. Somente 18,63% estão nos territórios tradicionais.
As informações colhidas no Censo 2022 mostram em números a preocupação relatada por Luzinete e Elza. Em Linharinho, o contingente populacional entre 15 e 39 anos é menor que outras faixas etárias. Já em São Domingos, a população entre 20 e 34 anos também é mais baixa que outros grupos etários, por exemplo.
Morro da Onça, com um total de 32 moradores, tem quase a mesma proporção de pessoas por grupo etário, sendo que o grupo de 25 a 29 anos é o mais populoso. No território, a faixa etária dos residentes não passa dos 69 anos, enquanto em outros pode chegar até a 89 anos.
O objetivo dos quilombolas mais velhos é fazer com que os mais jovens continuem lutando pela demarcação dos territórios. No Estado, há 43 comunidades certificadas autodeclaradas como remanescentes de quilombolas pela Fundação Palmares, sendo que estão em andamento 22 processos para reconhecimento e titulação de territórios, dos quais 16 são de comunidades localizadas em São Mateus e Conceição da Barra.
Território quilombola de São Domingos, em Conceição da Barra, Norte do Espírito Santo
LEIA MAIS
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta.