Os quilombolas de Conceição da Barra ainda lutam pela terra e sonham em ter a posse de seus territórios no município localizado no Norte do Espírito Santo. Entre os povos tradicionais, esse processo é popularmente conhecido como demarcação, mas o que garante, de fato, o registro definitivo das propriedades é a titulação.
Segundo o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), enquanto a demarcação se refere à definição dos limites do território a ser titulado, o que ocorre durante a elaboração do Relatório Técnico de Identificação e Demarcação (RTID), a titulação, é o registro definitivo da propriedade do imóvel em nome da associação que representa a comunidade quilombola.
A titulação dos territórios passa por três fases principais: a publicação do RTID, a publicação da portaria de reconhecimento do território e a publicação do decreto presidencial, mas ao todo tem 11 etapas:
- Reconhecimento da Fundação Cultural Palmares
- Requerimento de titulação ao Incra
- Elaboração e publicação do RTID
- Fase de recursos
- Publicação da portaria de reconhecimento
- Elaboração de cadeia nominal (levantamento feito pelo Incra, em todas as matrículas dos imóveis que serão desapropriados)
- Publicação do decreto presencial
- Avaliação dos imóveis
- Ajuizamento de ações de desapropriação
- Fase judicial
- Titulação da área em favor da comunidade
Durante dois dias, a reportagem de A Gazeta percorreu 557 quilômetros e visitou Linharinho, Morro da Onça e São Domingos, três quilombos localizados em Conceição da Barra. As visitas resultaram em uma série de quatro reportagens especiais relacionadas ao Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra.
- Capítulo 1 | Memórias de resistência na formação dos quilombos de Conceição da Barra
- Capítulo 2 | Quilombolas incentivam mais jovens a lutar pela terra em Conceição da Barra
- Capítulo 3 | Quilombolas relatam falta de água potável e luz em Conceição da Barra
- Capítulo 4 | Quilombolas lutam por terra e sonham com posse de territórios em Conceição da Barra
A partir de um cruzamento de informações obtidas com a Fundação Cultural Palmares e com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e de dados de georreferenciamento disponibilizados em plataformas como o Google Maps e levantados pela iniciativa iPatrimônio, a reportagem de A Gazeta conseguiu catalogar a localização de cada quilombo certificado no Espírito Santo.
No infográfico acima, os municípios com a cor mais forte são aqueles com o maior contingente populacional de quilombolas. Já os pontos em vermelho mostram onde estão situados os quilombos de cada localidade, nos quais os maiores representam aqueles territórios que já tiveram suas populações catalogadas pelo IBGE no Censo 2022.
No Estado há 43 comunidades certificadas autodeclaradas como remanescentes de quilombolas distribuídas em: Conceição da Barra (16), Cachoeiro do Itapemirim (1), Santa Leopoldina (1), Presidente Kennedy (1), Fundão, Ibiraçu e Santa Teresa (1), São Mateus (12), Jaguaré (1), Vargem Alta (1), Itapemirim (1), Guarapari (3), Jerônimo Monteiro (1), Linhares (2), Montanha (1) e Guaçuí (1).
Cabe à Fundação Cultural Palmares emitir essas certidões de autodefinição e, após essa etapa, as comunidades quilombolas podem pedir a titulação do território ao Incra.
Em 22 das 43 comunidades há processo para reconhecimento e titulação dos territórios, dos quais 16 são de comunidades localizadas em São Mateus e em Conceição da Barra.
Estão incluídos nesse número os quilombos de Linharinho, Morro da Onça e São Domingos, visitados pela reportagem e que estão em processos diferentes de demarcação.
Em Linharinho, a situação está mais avançada e falta agora o decreto presidencial. "Nossa portaria foi assinada, uma luta… lutamos, lutamos e agora nós queremos que Lula e o governo do Estado entreguem o que é nosso, que deem a canetada para entregar o que é nosso. Esperamos que eles assinem essa demarcação agora!", diz Elda Maria dos Santos, conhecida como dona Miúda, de 65 anos.
Para o território foram publicadas duas portarias, a nº. 495, de 15 de maio de 2024, que reconhece e declara 3.507 hectares do local como terras da comunidade remanescente de quilombo, e a nº. 558, de 8 de julho de 2024, que dá acesso às 259 famílias residentes às políticas do Programa Nacional de Reforma Agrária (PNRA)
Portaria nº 558, de 8 de julho de 2024
Reconhece famílias quilombolas da Comunidade Quilombola Linharinho, situada no município de Conceição da Barra, estado do Espírito Santo, para dar acesso às políticas do Programa Nacional de Reforma Agrária - PNRA.
Portaria nº 495, de 15 de maio de 2024
Reconhece e declara como terras da Comunidade Remanescente de Quilombo de Linharinho, localizada no município Conceição da Barra, no estado do Espírito Santo.
"Estamos aqui não é de agora, nós somos povos guerreiros, povos de luta, povos de resistência, povos que precisam criar seus filhos e também colocar comida na mesa para a cidade", manifesta Elda, uma das sexagenárias de Linharinho.
São Domingos, por sua vez, também teve a portaria de reconhecimento publicada, mas vai precisar refazer o RTID, porque um entendimento de que deve ocorrer a separação da comunidade de Coxi, segundo o Incra.
"Primeiro a gente pediu o reconhecimento para saber se realmente a gente era da comunidade. Depois, quando recebemos o certificado de reconhecimento, pedimos o Incra para abrir o processo. Aí o Incra abriu o processo da comunidade e depois fez o relatório com todas as famílias, fez o cadastro de todas as famílias. Aí fez o relatório, e depois do relatório veio fazer a medição", conta a quilombola Luzinete Serafim Blandino, de 65 anos.
"Eu falo para eles que o relatório do São Domingos não é só um relatório, é a história do Sapê do Norte, porque é um livro muito grande, com muitas famílias que a gente nem chegou a conhecer. E temos um outro relatório, que é o de conflito", reflete Luzinete, que não tem esperanças de ver a titulação antes de morrer.
Luzinete Serafim Blandino
Quilombola
"Nós estamos na luta, porque a gente tem que lutar, porque o que a gente faz hoje não é para nós. A gente tem que pensar nas gerações que vêm, nas próximas gerações"
Em Morro da Onça, a situação é a mais embrionária, uma vez que o RTID ainda não foi concluído, como conta o quilombola Josielson Gomes dos Santos, de 42 anos.
"Nós aqui da comunidade quilombola Morro da Onça, nossa família entrou num processo de regulação do território da comunidade em 2015. O processo está em fase de publicação da RTID, o relatório feito pelo Incra. A gente está aguardando os próximos passos e a gente espera que, de fato, a titulação do território chegue o quanto antes para garantir a soberania e a existência das nossas famílias dentro desse território".
No Estado, apenas os quilombos de Serraria e São Cristóvão, em São Mateus; de Retiro, em Santa Leopoldina; e de São Pedro, em Ibiraçu, concluíram todas as etapas e tiveram a terra titulada. Após a titulação, inicia-se a fase de desapropriação de construções que não pertencem aos quilombolas e foram colocadas sobre seu território, para garantir o uso exclusivo da terra a eles.
Serraria e São Cristóvão aguardam agora a atualização das avaliações de imóveis para ingresso com as ações judiciais para iniciar as desapropriações. Em Retiro, essa fase está em andamento.
São Pedro, por sua vez, aguarda a imissão de posse e emissão de contrato de concessão em favor da comunidade em dois imóveis.
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