Foram anos de muitas incertezas sem nunca deixar de acreditar que Cauã conseguiria ter acesso a uma nova medicação, que possibilitaria a este pequeno capixabinha de pouco mais de três anos vislumbrar um futuro promissor e com conquistas diárias. Estas podem parecer simples para qualquer criança, mas não a alguém diagnosticado com a Atrofia Muscular Espinhal (AME). A espera, entretanto, está em vias de acabar ainda este mês.
Esta é a história de Cauã Barbarioli Guimarães, morador de Jardim Camburi, em Vitória. Com apenas quatro meses de vida, os pais dele, o casal Aline Mara Guimarães Muniz e Igor Barbarioli Muniz, receberam o diagnóstico de que o filho apresentava a AME Tipo 1, a variação mais grave das três existentes desta doença genética rara, que afeta diretamente o desenvolvimento dos neurônios motores.
Nos últimos dias, a família recebeu o depósito significativo, de aproximadamente R$ 11 milhões, feito pela União, quantia que já foi totalmente remetida ao laboratório. Na última segunda-feira (7), Aline teve a confirmação do pagamento realizado junto à empresa do Reino Unido, que fará o envio do Zolgensma para o Brasil em breve, para que Cauã receba a nova terapia de dose única até o fim de março.
Cauã receberá o fármaco em um hospital particular da Capital, que já tem uma equipe capacitada para a aplicação. Ele será a primeira pessoa no Estado e um dos primeiros do Brasil a receber o medicamento, que nos estudos apresentou resultados expressivos perto das terapias existentes, o que deixa todos que o cercam animados em relação à evolução física, mental e motora dele.
Aline Mara Guimarães Muniz
Mãe do Cauã
"Para ser sincera, eu ainda nem acredito porque foi um caminho tão difícil e doloroso para a gente"
"Quando acontece efetivamente (disponibilização do recurso), a gente fica incrédulo. Até então, uma medicação experimental lá atrás, que quando teve o diagnóstico eu queria incluir ele em um estudo, fora do Brasil, teria que levá-lo e ele ser aceito. Hoje, saber que esta medicação vai chegar aqui em Vitória e ele poderá recebê-la para poder usufruir dos benefícios, é algo indescritível", conta a mãe, emocionada.
CAMINHO DIFÍCIL
A emoção de Aline é facilmente entendida. Em abril do ano passado, uma decisão judicial proferida pelo juiz Fernando Cesar Baptista Mattos, da 4ª Vara Federal Cível de Vitória, assegurou a Cauã receber o Zolgensma. Parecia ali que o garotinho, então com pouco mais de 2 anos, teria acesso ao novo tratamento, porém a União recorreu e a esperança dos pais em ver o filho receber o medicamento suíço acabou adiada.
"Desde que tivemos o diagnóstico do Cauã, o Zolgensma ainda não era aprovado. Tentei que ele fosse incluído nos estudos fora do país, pois já estavam na fase 3, com resultados excelentes. Mandei e-mails para vários médicos no mundo, mas não conseguimos. Então ele começou o tratamento com o Spinraza, que era a medicação disponível, e foi o que salvou a vida dele até aqui, pois estaciona os efeitos da doença. Depois começou, de fato, a luta pelo Zolgensma. Nesse tempo, o remédio foi aprovado nos EUA e, em agosto de 2020, também foi liberado pela Anvisa. ", lembra a mãe.
Aline Mara Guimarães Muniz
Mãe do Cauã
"Quando aprovaram aqui, nós entramos com uma ação na Justiça pleiteando para o Cauã. Nossa expectativa era de que ele recebesse quando completasse 2 anos. Desde então, foram quase dois anos de luta judicial entre muitas idas e vindas. Obtivemos uma sentença favorável após uma perícia, mas a União recorreu. O processo ficou um ano no Tribunal Regional Federal da 2ª Região sem qualquer resposta definitiva, e finalmente a gente conseguiu uma decisão favorável do STF, via reclamação constitucional, através da ministra Rosa Weber"
Todos os aspectos que envolvem a AME são complexos e caros. O Spinraza, citado por Aline, também obtido via decisão judicial, tem um custo de aproximadamente R$ 400 mil a dose. Não fosse a sentença, apenas com a medicação fornecida pelo SUS, a família teria ultrapassado o valor de R$ 4 milhões com o medicamento - Cauã já foi submetido a mais de 10 aplicações da terapia.
Além dos remédios, o garotinho precisa de uma estrutura de home care (atendimento domiciliar) digna dos melhores hospitais. Ela é determinante para o monitoramento e sobrevivência dele. O menino ainda tem uma equipe diária de fisioterapeutas, fonoaudiólogo e outros profissionais que também são fundamentais para o desenvolvimento dele.
"A fisioterapia tem um papel de suma importância, na verdade, ela é tão importante como qualquer medicação ou até mais. É um trabalho diário de estimulação motora e proteção da parte respiratória. São três horas diárias de fisio, sendo duas pela manhã e outra à noite. Ele também faz fono, musicoterapia, TO (terapia ocupacional) e outras terapias com menor frequência. Não há exceção de final de semana e feriados. Mas é claro que, para ele poder ter uma vida de criança, relativizamos um pouco e diminuímos a fisioterapia aos finais de semana. Só que ela é inegociável", narra Aline.
PREPARAÇÃO E MELHORIAS
Por conta da expectativa para receber o Zolgensma, Cauã precisa de um monitoramento constante do peso. No procedimento aprovado pela Anvisa, a pesagem máxima permitida pela agência reguladora para que uma criança receba o fármaco é de 13,5 quilos, sendo que atualmente o menino é mantido próximo dos 11,7 kg. Na bula europeia do medicamento, o peso é de 21 kg, mas no caso do capixabinha, o procedimento adotado é o padrão brasileiro - alguns no Brasil foram pelo padrão europeu.
Assim que receber a dose única, Cauã será monitorado, seguirá realizando a fisioterapia e gradativamente iniciará os processos de pequenas conquistas diárias, estas citadas como "simples" na apresentação desta reportagem. Uma criança na idade dele (3,7 anos) por exemplo, consegue se manter sentada sem a ajuda de um adulto, enquanto uma pessoa com AME não é capaz. Muito em breve, Aline e Igor esperam ver o filho superando muitas das limitações que a vida o impôs.
"Nós esperamos que nosso pequeno tenha uma melhora na função bulbar (fala, deglutição, movimentação da face), na questão da força de tronco para ele conseguir sentar, permanecer mais tempo sentado e interagindo. O que vier a partir disso, é maravilhoso. O que queremos é oferecer para ele o que tem de melhor", conta a mãe.
13,5 kg
É o peso máximo para poder receber o Zolgensma no Brasil
Quando iniciaram a corrida pelo Zolgensma, o custo com a medicação poderia superar os R$ 12 milhões, o que a tornava a mais cara do mundo para um remédio de dose única. Porém, a isenção do ICMS sancionada no fim de 2021 pelo governo do Estado retirou o imposto estadual do medicamento do laboratório Novartis, fazendo com que o valor final do mesmo saísse levemente abaixo dos R$ 11 milhões, sendo ainda considerada a mais cara do mundo.
Quantia significativa aos cofres públicos, mas que irá possibilitar a Cauã um ganho de qualidade de vida que dinheiro nenhum no mundo é capaz de comprar.
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