Grupo de venezuelanos foi deixado perto da Rodoviária de Vitória por ônibus fretado pela Prefeitura de Teixeira de Freitas
Grupo de venezuelanos foi deixado perto da Rodoviária de Vitória por ônibus fretado pela Prefeitura de Teixeira de Freitas. Crédito: Vitor Jubini

Refugiados venezuelanos trazidos da BA ao ES: o que deve ser feito?

Grupo foi deixado por ônibus de prefeitura baiana em terreno de Vitória. Venezuelanos passaram a madrugada até o fim do dia em situação de rua, sem saber o que aconteceria

Tempo de leitura: 3min
Vitória
Publicado em 17/08/2022 às 18h39

Na madrugada de terça-feira (16), um grupo de 25 venezuelanos da etnia indígena Warao foi deixado em Vitória, capital do Espírito Santo, após viagem de ônibus custeada pelo município de Teixeira de Freitas, na Bahia. Os integrantes — incluindo mulheres, crianças e pessoas acima dos 60 anos — foram deixados em um terreno próximo à rodoviária, e ficaram em situação de rua.

O cenário permaneceu o mesmo por horas. Só no final da tarde, após um jogo de "empurra-empurra" e de intervenções da Defensoria Pública do Espírito Santo (DPES) e do Ministério Público Federal (MPF/ES), a Prefeitura de Vitória levou o grupo para um abrigo temporário, onde foram ofertados cuidados médicos e alimentação.

Embora a imigração de indígenas venezuelanos possa parecer novidade para muitos capixabas, a vinda deles para o Brasil e o deslocamento pelo país já é realidade há anos. Ainda assim, falta conhecimento sobre quais são os direitos desse povo em solo brasileiro e o que deve ser feito em casos como o desta semana em Vitória.

Para poder esclarecer as dúvidas, a reportagem de A Gazeta entrevistou Silvia Sander, uma das coordenadoras de proteção do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur) — a agência da Organização das Nações Unidas (ONU) que atua na defesa dos direitos das pessoas em situação de refúgio.

Silvia Sander, coordenadora de proteção do escritório de São Paulo do Acnur, agência que tem foco na defesa dos direitos de refugiados
Silvia Sander, coordenadora de proteção do escritório de São Paulo do Acnur. Crédito: Divulgação | Acnur

Quando a imigração de venezuelanos da etnia Warao começou no Brasil e no Espírito Santo?

Venezuelanos começam a entrar no Brasil em 2014. Em 2016, esse movimento foi intensificado e, a partir de 2017, tem a chegada mais vultuosa. Como parte desse movimento, cerca de 8 mil são indígenas, de cinco etnias principais, das quais a maioria (78%) é Warao. Desse total da etnia Warao, 70% continuam concentrados na Região Norte do país, sobretudo em RoraimaAmazonas e Pará. Os demais estão espalhados em mais de 30 municípios brasileiros. Em 2018, começam a ter os primeiros grupos no Sudeste, em Estados como São Paulo e Minas Gerais. No Espírito Santo, essa chegada aconteceu no ano passado.

Quantos venezuelanos Warao vivem atualmente no ES e onde estão?

Em abril do ano passado, um primeiro grupo de 30 pessoas chegou ao Espírito Santo, transitou em diferentes cidades, ficou um tempo, mas entendeu que não tinha as condições esperadas e retornou para a Bahia. Pelo o que sabemos, um grupo em Teixeira de Freitas manifestou que havia sido melhor acolhido no Espírito Santo e que tinha vontade de voltar. Agora sabemos que há esse grupo de 25 pessoas em Vitória — com a previsão que outro chegue nos próximos dias — e um grupo menor, de 12 pessoas, em Conceição do Castelo.

Venezuelanos desembarcam em área próximo à rodoviária de Vitória
Grupo ficou em terreno perto de rodoviária desde a madrugada de terça-feira (16) até que receberam abrigo da Prefeitura de Vitória no fim da tarde. Crédito: Vitor Jubini

É comum os venezuelanos da etnia Warao serem levados de um município para o outro? Qual dinâmica vocês observaram ao longo do tempo no país?

A ida de um município para outro é algo que tem feito parte da rotina. De modo geral, a saída de uma cidade para outra tem acontecido de forma espontânea, em busca de mais possibilidades, maior integração local e geração de renda. O que temos observado é que, muitas vezes, esse trânsito é facilitado por uma rede local, com custeio de ônibus — embora o custeio com recursos próprios desse povo seja o mais comum. A gente sabe que, pelo nível de complexidade do acolhimento, existem relatos de famílias que se sentiram pressionadas a sair, mas eu diria que não isso não acontece na maioria dos casos.

Apesar dessa imigração ocorrer há anos, ainda falta conhecimento por parte do Poder Público de como agir nesse tipo de situação?

Com certeza. Esses grupos estão presentes em quase todos os Estados brasileiros, mas, com muita frequência, o grupo de venezuelanos Warao chega como "uma novidade" porque os municípios nunca tinham trabalhado de perto com indígenas, muito menos com indígenas refugiados.

De quem é a responsabilidade por esse processo de integração de refugiados indígenas?

São vários entes. A responsabilidade é compartilhada entre o Governo Federal, os Estados e os municípios. O sistema de Justiça e o Ministério Público têm sido importantes. As universidades também têm tido um papel-chave no engajamento para complementar o trabalho do Poder Público. A sociedade civil também deve atuar nessa lógica de complementariedade. Como esse processo diz muito sobre a geração de renda, as empresas também devem se mobilizar para aumentar essa possibilidade de integração ao mercado de trabalho.

Venezuelanos desembarcam em área próximo à rodoviária de Vitória
Placa com pedido de comida, roupas e dinheiro. Crédito: Vitor Jubini

O que deve ser feito quando um grupo, como esse que foi deixado em Vitória, chega em determinado município ou Estado?

Na chegada, por causa da dinâmica de trânsito, eles ficam em situação de rua. Portanto, a primeira demanda, normalmente, é o abrigo. Eles não podem ficar em situação de rua e há uma dificuldade em achar abrigos que tenham a estrutura adequada para receber famílias indígenas, que ficam inteiramente juntas e dormem juntas. A segunda demanda diz respeito à segurança e à saúde. Com frequência, esses grupos chegam com problemas de saúde e é importante ser feito um atendimento inicial para entender quais são eles.

Depois dessas ações iniciais, o que deve ser feito?

A partir disso, começa o processo para elaborar estratégias de médio e longo prazo, considerando o que pretendem fazer e as possibilidades de geração de renda e integração à rede local. O plano de ação que propomos inclui a criação de um comitê ou conselho municipal para lidar com o tema e garantir que haja uma conversa entre as partes. É preciso fazer o mapeamento da família e um levantamento dos documentos para saber se essas pessoas precisam ser encaminhadas à Polícia Federal. Também é necessário mapear as questões de saúde ou de proteção, assim como estabelecer um canal de consulta para construção desse plano de médio e longo prazo.

Quais os direitos que esses povos têm no Brasil?

Primeiro é importante saber que essas pessoas têm o direito ao livre trânsito e podem escolher se estabelecer em qualquer cidade. Ou seja, têm direito de estarem onde estão. Além disso, elas têm direito à documentação no Brasil — processo que é feito pela Polícia Federal — e a toda assistência no âmbito do Sistema Único de Assistência Social (Suas). Isso significa que elas podem fazer parte do CadÚnico, podem ser inscritas no Auxílio Brasil, receber o atendimento em todo o Sistema Único de Saúde (SUS), matricular as crianças em escolas e trabalhar de maneira formal, seja como empreendedoras ou contratadas. Assim como são incluídas em proteções previstas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e pela Lei Maria da Penha, por exemplo.

Venezuelanos desembarcam em área próximo à rodoviária de Vitória
Pessoas acima dos 60 anos também estão em grupo deixado em Vitória. Crédito: Vitor Jubini

WARAO: TRADIÇÃO E MIGRAÇÃO

Conforme cartilha publicada pelo Acnur, estudos antropológicos apontam que o povo Warao é o mais antigo da Venezuela, "habitando o delta do Rio Orinoco há pelo menos 8 mil anos". No país, o grupo constitui a segunda etnia mais populosa, com cerca de 49 mil indivíduos, e tem o warao como idioma oficial.

Assim como outros venezuelanos, os Warao começaram a sair do país de origem em decorrência da crise, que gerou "desabastecimento de produtos básicos, hiperinflação e aumento da violência". Em 2014, eram cerca de 40 indivíduos no Brasil. Em 2020, esse número já havia subido para 3,3 mil.

"O atendimento a eles deve observar a intersecção de direitos de indígenas e refugiados ou migrantes. Assim sendo, são assegurados o respeito a tradições, costumes e modos de vida diferenciados, bem como o direito de consulta prévia diante de quaisquer ações a eles direcionadas", aponta o Acnur.

Em geral, os núcleos familiares são bastante numerosos — às vezes, compostos por dezenas de pessoas — e se formam em torno de uma figura feminina. Obrigados a deixar o local de origem, eles se veem obrigados encontrar outras formas de subsistência, em detrimento da pesca e da caça.

Entre as principais dificuldades relatadas pela população indígena refugiada estão:

  1. As graves condições de saúde derivadas da falta de acesso a serviços básicos
  2. A dificuldade em acessar o mercado formal de trabalho
  3. As barreiras linguísticas
  4. Xenofobia
  5. Racismo

VENEZUELANOS DEIXADOS EM VITÓRIA: ENTENDA O CASO

Durante a madrugada de terça-feira (16), um grupo composto por 25 venezuelanos da etnia indígena Warao foi deixado perto da Rodoviária de Vitória. Antes de chegarem ao Espírito Santo, eles estavam em Teixeira de Freitas, cidade do interior da Bahia, que fretou o ônibus para a Capital capixaba.

Cacique da tribo, Ruben Mata, de 37 anos, contou que a chegada ao Brasil se deu por Roraima há cerca de um ano. Desde então, o grupo percorre diversos municípios no país. Em território baiano, ele disse ter recebido a orientação para que viajassem a Vitória, onde as condições de vida seriam melhores.

No entanto, chegando ao Espírito Santo, o grupo ficou em situação de rua durante o restante da madrugada, toda a manhã e parte da tarde — quando acabou transportado para um abrigo provisório cedido pela Prefeitura de Vitória, onde receberam alimentos e cuidados médicos iniciais.

Antes disso, porém, houve uma série de posicionamentos — que não apontavam a adoção de uma solução efetiva – por parte da Secretaria Estadual de Trabalho, Assistência e Desenvolvimento Social (Setades), da Polícia Federal e do próprio município.

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