Prestes a voltar às atividades, o Restaurante Universitário (RU) da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) em Goiabeiras, Vitória, enfrenta problemas com a rede de esgoto. Documentos mostram que efluentes do local não estão sendo tratados corretamente e que tal prática, caso não seja resolvida, pode configurar crime ambiental.
Atualmente, a Ufes não está ligada à rede pública de esgoto da Capital, gerida pela Companhia Espírito Santense de Saneamento (Cesan). Os resíduos sanitários são depositados em fossas biológicas, que são drenadas. Nesse sistema, o esgoto gerado é filtrado em caixas de brita, deteriorando-se depois. Já no caso do RU, o sistema é de fossa-filtro, que lança os resíduos na lagoa após esse tratamento.
Técnicos da própria universidade, no entanto, emitiram um relatório em 2021 apontando que o sistema do restaurante pode causar lesões na área de manguezal. Um dos ofícios cita ainda que o lençol freático da região se encontra bastante próximo à superfície, o que pode favorecer a uma contaminação desse recurso.
Desde a pandemia da Covid-19, a comida da Ufes vinha sendo servida no esquema de marmitas. Há duas semanas, estudantes denunciaram a presença de larvas em refeições terceirizadas e o contrato entre as duas partes foi rompido no dia 9 deste mês. A retomada do modelo self-service no RU está prevista para acontecer na próxima segunda-feira (23).
A ausência de ligação da cidade universitária à rede de esgoto do município já foi alvo da prefeitura da Capital, que solicitou a Ufes para que realizasse adequações.
Para mitigar a situação, a universidade já está colocando em prática algumas ações, como a instalação de tanques de armazenamento de efluentes do esgotamento da cozinha e a revisão de toda a tubulação que interliga as caixas de filtragem existentes.
Algumas dessas ações foram realizadas nesta semana, após contato da reportagem questionando o sistema de esgotamento e os riscos ambientais. O primeiro contato com a Ufes ocorreu no dia 9 de maio.
O problema começou a ser discutido em junho de 2019, quando um documento foi protocolado pelo Departamento de Gestão dos Restaurantes da Ufes solicitando a aquisição de uma caixa de gordura no campus.
Conforme mostra o ofício, já havia irregularidades no sistema desde 2018, ano em que houve um primeiro reparo na bomba responsável pelo escoamento da água utilizada na produção da comida (pias e ralos).
"Ressaltamos que toda a água da produção é escoada para a caixa de gordura, então é de extrema importância que a bomba esteja funcionando para que o escoamento ocorra da maneira adequada. Sem o devido funcionamento da bomba, a água fica represada, ocasionando mau cheiro e proliferação de insetos, além de poluir a lagoa localizada ao lado do RU, que é para onde a água está sendo drenada sem passar por qualquer tipo de filtragem", acrescenta o documento.
Para estudar a aquisição dessa caixa de gordura, foi necessária uma análise de todo o sistema de tratamento de resíduos do campus. Segundo os resultados, a vala de infiltração (destino final) do RU estava completamente danificada.
O ofício reforçou ainda o fato de que a demanda do restaurante aumentou nos últimos anos, passando de 600 refeições diárias entre 2004 e 2007, para 4 mil refeições por dia em 2019.
"Caso seja realizado a manutenção do sistema de recalque, todo o resíduo será destinado para a caixa de infiltração, o que causará o transbordamento do mesmo, gerando mau cheiro, proliferação de insetos e destinação inadequada do resíduo".
Em outubro de 2020, houve a criação de um Grupo de Trabalho (GT) cujo objetivo foi realizar estudos técnicos para promover a destinação correta dos resíduos gerados. De acordo com os engenheiros responsáveis, a simples substituição da bomba de recalque do restaurante não seria medida suficiente para promover a destinação correta dos efluentes do RU.
O relatório final do GT foi divulgado em fevereiro do ano seguinte, com alegações de que "o sistema fossa-filtro é utilizado de maneira extensiva no campus de Goiabeiras como única solução para o tratamento de efluentes, sem desinfecção e sem qualquer tipo de licença, controle ou monitoramento".
Destacou-se também que "a reabertura do RU sem que a questão da destinação correta dos efluentes seja resolvida resultará no risco de cometimento de crime ambiental, conforme disposto nas Lei Federal nº 9605, de 12 de fevereiro de 1998". O foco dessa lei é na poluição hídrica e atmosférica, ou em condições que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora.
Há uma referência direta ainda à área de manguezal da instituição, já que ela tornaria inviável a execução de qualquer tipo de tratamento próprio, incluindo os sistemas fossa-filtro existentes.
"Podem ser exigidas compensações ambientais da universidade pela utilização desses sistemas, em função da localização do campus (em área de proteção permanente)", aponta o relatório.
Segundo o biólogo Elber Tesch, existe uma série de riscos que podem colocar em risco o mangue da região, assim como a lagoa da Ufes, caso os dejetos sejam despejados sem tratamento. O principal deles é o desequilíbrio do ecossistema, em que vivem diversos seres vivos, como caranguejos, garças e peixes.
"Nessas condições, ocorre um aumento da demanda bioquímica de oxigênio (DBO). Ou seja, quando há a presença de efluentes, existe uma proliferação de microrganismos, e os bichos nativos daquele ambiente ficam sem oxigênio. Isso provoca um desequilíbrio, chamado de eutrofização (induz, por exemplo, o crescimento excessivo de algas e plantas aquáticas)", explica.
Além da morte dos animais nativos, também aumenta o risco do aparecimento de "pragas urbanas", como ratos, urubus e baratas. "É um perigo até para a comunidade acadêmica, pois podem se tornar transmissores de doenças", frisa.
Há quase dez anos, a Cesan doou um projeto à Ufes, no valor de R$ 43.560, para a implantação da coleta de esgoto. Porém, o projeto não foi para frente, "em função dessa opção servir de base de pesquisa para os cursos de graduação e de pós-graduação", conforme pontuou um requerimento contra uma notificação da Secretaria de Meio Ambiente (Semmam) de Vitória, de 2019.
Procurada pela reportagem para comentar o assunto, a companhia explicou que a Ufes solicitou apoio da empresa para implementar o sistema de esgotamento sanitário no campus da Capital em 2013 e que, no ano passado, novas tratativas começaram a ser discutidas.
"Em 2021, a Ufes solicitou um novo apoio da Cesan para revisar/atualizar o projeto, o que foi prontamente autorizado pela direção da companhia em prol da comunidade acadêmica. A Avenida Fernando Ferrari tem rede de esgotamento sanitário e tão logo a obra for concluída pela Ufes a coleta e o tratamento de esgoto passarão ser de responsabilidade da Cesan", apontou, por nota.
Questionada sobre o problema, a Ufes alegou que o projeto de ligação à rede da Cesan foi retomado e que está buscando a liberação de recursos, da ordem de R$ 8 milhões, para a execução da obra. A expectativa é que uma empresa seja contratada até o final deste ano e que a obra fique pronta em 12 meses.
Eles reconheceram ainda que, devido ao aumento do número de refeições (comparando o número de usuários do início dos anos 2000 com a demanda dos anos recentes), o sistema precisa ser reformulado.
"Como medida de manutenção, a Superintendência de Infraestrutura realizou um serviço de inspeção na rede de esgoto do RU de Goiabeiras, com limpeza na caixa de gordura e no sistema de caixas de filtragem de dejetos, além da instalação de tampas de alumínio em todas as caixas. Essas intervenções foram finalizadas em abril", destacou, por nota.
No entanto, mesmo com a detecção desses problemas, o restaurante deverá ser reaberto para alunos e professores no dia 23 maio, conforme afirmou a assessoria da instituição.
"O sistema de esgoto continuará sendo inspecionado e monitorado, com a realização de ações de limpeza na caixa de gordura e no sistema de caixas de filtragem, além de reparos, sempre que necessário, e outras providências técnicas".
Sobre a possibilidade de um crime ambiental, a universidade afirmou apenas que está fazendo "todos os esforços para a realização de um projeto estruturante de todo o sistema de esgoto do campus de Goiabeiras, que possibilitará a ligação do sistema de esgoto do campus à rede da Cesan".
Já a Semmam informou, também por nota, que já notificou a universidade para que efetue a ligação à rede de esgoto. "A Semmam acrescenta que a equipe técnica do órgão está analisando todos os aspectos do caso, conforme a legislação em vigor, para intimar a Ufes a fazer as devidas adequações para sua regularização", reforçou.
PRIMEIRA DEMANDA ENVIADA À UFES
1 - Quando que a Ufes pretende reabrir o RU para a preparação in loco das comidas?
Conforme comunicado publicado no portal da Ufes no dia 3 de maio de 2022, os fornecedores de matéria-prima e de serviços terceirizados já foram contratados e, as equipes, recrutadas. Em seguida, serão realizados os treinamentos e a higienização dos espaços, equipamentos e utensílios. O início da produção própria nos RUs está previsto para o dia 23 de maio. Os RUs do campus de Alegre e da unidade de Jerônimo Monteiro da Ufes retomaram suas atividades com o fornecimento de refeições na segunda-feira, 9.
2 - Por que a obra para ligar à rede de esgoto pública ainda não foi feita?
Segundo informações da Superintendência de Infraestrutura da Ufes, foi necessário reavaliar detalhes do projeto para realizar uma melhor adequação à demanda da Universidade, além da necessidade de buscar recursos para sua execução. Agora o projeto foi retomado e, em paralelo, a Universidade está buscando a liberação de recursos, da ordem de R$ 8 milhões de reais, para a execução da obra. Existe um grupo de trabalho dedicado a essa questão. Como medida de manutenção, a Superintendência de Infraestrutura realizou um serviço de inspeção na rede de esgoto do RU de Goiabeiras, com limpeza na caixa de gordura e no sistema de caixas de filtragem de dejetos, além da instalação de tampas de alumínio em todas as caixas. Essas intervenções foram finalizadas em abril.
3 - Há quanto tempo a universidade enfrenta o problema?
Desde a criação da Ufes é adotado o sistema de fossa com filtro biológico, que é uma solução técnica possível quando não se dispõe de outro sistema de esgotamento sanitário.
4 - Enquanto não há essa ligação, pra onde os dejetos estão indo (ou estavam quando refeições ainda eram servidas lá)?
O sistema atual filtra os dejetos e os resíduos, já tratados, são lançados na lagoa da Ufes. Todo o trabalho de manutenção é feito para minimizar ao máximo o impacto ambiental.
5 - Quais dejetos são esses (sanitários e de cozinha, como de pias e ralos, por exemplo)?
São dejetos oriundos da cozinha do RU. O esgoto dos sanitários é direcionado para outro sistema, que é o de fossa com filtro biológico.
6 - Existe alguma previsão de regularização?
Conforme informado anteriormente, a Universidade está buscando a liberação de recursos, da ordem de R$ 8 milhões, para a execução da obra. A previsão é que a contratação da empresa para a execução da obra seja realizada até o final deste ano.
SEGUNDA DEMANDA ENVIADA À UFES
7 - Como funciona o sistema de esgoto da Ufes atualmente?
No campus de Goiabeiras é adotado o sistema de fossa com filtro biológico. Neste sistema, o esgoto gerado é filtrado em caixas de brita, deteriorando-se depois. Somente a água pluvial é descartada no ambiente.
8 - Durante uma visita feita por engenheiros à bomba de gordura do RU, em 2019, ficou verificado que as tubulações que interligam as caixas de passagem existentes, e consequentemente a vala de infiltração, estavam todas danificadas. Durante o período de funcionamento do restaurante, antes da pandemia, elas foram consertadas, então?
A Superintendência de Infraestrutura informa que foi realizada a manutenção do sistema de esgoto do RU, com limpeza na caixa de gordura e no sistema de caixas de filtragem de dejetos, além da instalação de tampas de alumínio em todas as caixas. Essas intervenções tiveram início em 2021 e foram finalizadas em abril deste ano.
9 - Além disso, nos últimos anos, a Ufes passou a servir de 600 refeições diárias a 4.000 refeições por dia, no RU. O sistema atual de esgoto, por fossas, comporta essa quantidade da mesma forma?
Com o aumento do número de refeições (comparando o número de usuários do início dos anos 2000 com a demanda dos anos recentes), a Superintendência de Infraestrutura tem ciência de que o sistema precisa ser reformulado. Por este motivo, a Ufes está investindo em um projeto estruturante de todo o sistema de esgoto do campus de Goiabeiras, com a execução de um projeto que vai ligar o sistema de esgoto do campus à rede da Cesan.
10 - A conclusão do grupo de trabalho responsável pelo caso também destacou que "o sistema fossa-filtro é utilizado de maneira extensiva no campus de Goiabeiras como única solução para o tratamento de efluentes, sem desinfecção e sem qualquer tipo de licença, controle ou monitoramento" e que "os mesmos problemas possivelmente ocorrem nas demais edificações do campus". Eles também frisaram que todo o sistema de fossa está condenado.
Desde a criação da Ufes é adotado na Universidade o sistema de fossa com filtro biológico, que é uma solução técnica possível quando não se dispõe de outro sistema de esgotamento sanitário. Esse sistema é monitorado continuamente, sendo realizadas ações periódicas de limpeza e reparo.
11 - A Cesan disse que entrou em tratativas com vocês para a ligação à rede pública. É aquele mesmo projeto de 2013? Há alguma previsão de início e finalização?
Sim, é o mesmo projeto, mas que precisa de ajustes para ser atualizado às condições atuais. Conforme informado anteriormente, a previsão da Superintendência de Infraestrutura é que a etapa de ajustes do projeto seja concluída este ano, juntamente com a contratação da empresa para a execução da obra. A obra está prevista para ser executada em 12 meses.
12 - Até a finalização das obras, com o retorno do RU no dia 23 deste mês, o que será feito?
O sistema de esgoto do RU continuará sendo inspecionado e monitorado, com a realização de ações de limpeza na caixa de gordura e no sistema de caixas de filtragem, além de reparos, sempre que necessário, e outras providências técnicas.
13 - E quanto ao questionamento do relatório do GT, que fala que se as atividades do RU voltarem, a Ufes estaria praticando um crime ambiental? O problema seria a contaminação do lençol freático da área de manguezal? Qual o posicionamento da Ufes?
A Ufes está envidando todos os esforços para a realização de um projeto estruturante de todo o sistema de esgoto do campus de Goiabeiras, que possibilitará a ligação do sistema de esgoto do campus à rede da Cesan.
TERCEIRA NOTA ENVIADA PELA UFES
Técnicos da Superintendência de Infraestrutura (SI) realizaram a revisão de toda a tubulação que interliga as caixas de filtragem existentes. Esta revisão se soma às outras ações que havíamos informado anteriormente: manutenção do sistema de esgoto do RU, com limpeza na caixa de gordura e no sistema de caixas de filtragem de dejetos, além da instalação de tampas de alumínio em todas as caixas (iniciadas em 2021 e finalizadas em abril desde ano).
A SI também realizou a instalação de dois tanques de armazenamento (foto) de efluentes do esgotamento da cozinha do restaurante, com capacidade de 10 mil litros cada um, que complementa o sistema de tratamento por meio dos filtros que existem atualmente. O esgoto oriundo da cozinha será direcionado para esses tanques e recolhido periodicamente por caminhões. Essa medida tem o objetivo de evitar que os resíduos sejam lançados na lagoa.
QUARTA NOTA ENVIADA PELA UFES
A Superintendência de Infraestrutura explica que não há interferência porque as caixas de filtragem são suspensas e não há contato do esgoto com o lençol freático.
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