Seu Manoelzinho, além de produzir e dirigir, também atuava nos filmes
Seu Manoelzinho, além de produzir e dirigir, também atuava nos filmes. Crédito: Divulgação

Seu Manoelzinho: cineasta capixaba terá história contada em documentário

Manoel Loreno morreu em 2018, vítima de um AVC, mas deixou vários filmes e o reconhecimento pela paixão que tinha pelo cinema

Tempo de leitura: 8min
Linhares
Publicado em 05/04/2025 às 09h23

Um garoto com aproximadamente 10 anos, de Mantenópolis, no Noroeste do Espírito Santo, que se apaixonou por filmes de faroeste no final da década de 1960, guardou na imaginação as cenas que lhe inspirariam na vida. Mesmo com recursos limitados, no interior do Estado, alguns dos sonhos de Manoel Loreno, o Seu Manoelzinho, se tornaram realidade. A história do cineasta foi contada para todo o Brasil em programas de televisão, e os filhos dele, junto a uma produtora, querem preservá-la em documentário.

O documentário ‘Manoel Loreno: Improviso e Paixão’, com previsão de ser exibido pela primeira vez no evento Feirart, em Mantenópolis, no dia 6 de junho, deve trazer relatos inéditos do artista, além de imagens de arquivo armazenadas pela família e entrevistas com quem participou diretamente daquelas aventuras, seja na frente ou atrás das câmeras.

Zaqueu Loreno da Silva e Eliza Loreno da Silva, filhos de Seu Manoelzinho, participam da produção da obra, que será realizada pela Utopia Filmes, com recursos da lei de incentivo cultural Paulo Gustavo, via Prefeitura de Mantenópolis. Ao todo, 12 pessoas compõem a equipe.

“Comecei a armazenar muito material que encontrava. Muito arquivo que nunca foi divulgado e será exclusivo do documentário. Vamos fazer uma representação do meu pai quando era criança e se apaixonou pelo cinema”, disse Zaqueu.

Zaqueu Loreno

Filho de Seu Manoelzinho e produtor do filme

Eu sempre quis fazer o filme, para manter vivo o legado do meu pai

Manoel Loreno morreu em 2018, aos 56 anos, após sofrer um acidente vascular cerebral (AVC). Ele estava em casa quando teve uma queda, causada pela doença. Ele foi socorrido e levado para um hospital de Colatina, no Noroeste do Espírito Santo, mas não resistiu.

Seu Manoelzinho prestes a gravar cena de filme
Seu Manoelzinho prestes a gravar cena de filme. Crédito: Divulgação

O começo: produção prolífica

Filho do meio entre três irmãos, Manoel desde cedo era esforçado e se dedicava a ajudar a família. “O pai dele abandonou (a família) quando era criança. Ele teve 3 irmãos, por parte de mãe, e ele era o segundo. Desde quando pequeno ajudava a família, vendendo pães. Sempre foi o chefe”, afirmou Zaqueu.

Entre os trabalhos de Seu Manoelzinho, ainda criança, estava a divulgação de filmes exibidos em uma sala de cinema de Mantenópolis. Como recompensa, ele podia assistir às sessões. Foi quando o encanto começou. “Ele trabalhava em troca de poder assistir”, contou o filho.

Quase 20 anos depois, a ida de um amigo aos Estados Unidos mudou o rumo da vida do servente de pedreiro. “Aqui é interior e a tecnologia demorou para chegar, ninguém conhecia bem como funcionava. Nos anos 1980, um amigo veio de viagem no exterior e trouxe uma câmera VHS. Foi a primeira vez que ele viu e ficou com ela na mente por um tempo”, afirmou.

Aí ele teve a coragem de pedir a câmera emprestada, mas Manoel precisava ainda comprar os rolos de filme para gravação. O desejo era tanto que não mediu esforços para o seu debut, chamado ‘A Vingança de Loreno’, de 1989. “Ele comprou uma passagem de ônibus para Mantena (cidade mineira, vizinha de Mantenópolis)”, relembrou.

Zaqueu Loreno

Filho de Seu Manoelzinho e produtor do filme

Ele conseguiu pagar apenas a ida, mas na volta precisou vir a pé. Lá ele comprou a fita e conseguiu fazer o filme

Depois disso foram inúmeros filmes, tantos que Zaqueu até perdeu as contas. Ao menos 30, mas as produções podem chegar aos 50, de praticamente todos os gêneros. O cineasta continuou o trabalho na construção civil durante a semana e aos fins de semana dedicava o tempo às gravações. Ele aparecia na frente da câmera (era utilizada apenas uma) e também chamava amigos e moradores do município – entre eles, lavradores, pedreiros, donas de casa – para participarem das obras. 

Mais de 30 filmes

Produzidos de 1989 a 2012

Seu Manoelzinho teve a história descoberta e deu entrevistas para Jô Soares e Ana Maria Braga, respectivamente no Programa do Jô e no Mais Você, da TV Globo. No entanto, lamentou que após se tornar "famoso" muitas pessoas queriam receber cachê para participar das películas, cobrando valores fora da realidade.

Seu Manoelzinho no programa Mais Você, com Ana Maria Braga
Seu Manoelzinho no programa Mais Você, com Ana Maria Braga. Crédito: Reprodução

"Ele falava que a fama foi boa, mas depois foi ruim. Os atores que faziam o filme por diversão, começaram a cobrar dele por achar que ele estava rico. Aí, ninguém quis mais fazer. Meu pai não tinha condição de pagar. Os filmes não geravam renda. Ele nunca conquistou muita coisa, sempre foi o mesmo", afirmou o filho. 

Reportagem Motim em filme de 'Seu Manoelzinho'

Matéria do jornal A Gazeta em 8 de agosto de 2004

Alguns filmes produzidos e dirigidos por Manoel Loreno, o Seu Manoelzinho:

  • A Vingança de Loreno
  • Loreno: o Gatilho Mais Rápido do Oeste
  • Loreno Volta Para Matar
  • A Revolta de Loreno
  • Perseguição de Loreno
  • O Duelo de Loreno
  • Natal Sangrento
  • Loreno contra o Espantalho Assassino
  • A Maldição da Caveira Assassina
  • O Morto das Sete Cruz
  • A Busca do Tesouro
  • A Maldição da Casa de Vanirin
  • O Golpe Fatal de Loreno
  • A Caça do Avião Perdido
  • O Golpe Fatal de Loreno 2
  • O Amor Proibido
  • O Rico Pobre
  • A Vingança de um Apaixonado
  • O Meu Revólver é a Lei
  • Na Mira de Loreno
  • Uma Força para Loreno
  • O Homem Sem Lei
  • Rico Pobre 2
  • Turma do Jabuti
  • A Visita do Além
  • 1 Manoelzinho é Bom, 2 é D+
  • A Gripe do Frango
  • Aluguel Assombroso
  • Amor Proibido
Capa dos filmes
Capa dos filmes "Amor Proibido" e "Turma do Jabuti". Crédito: Reprodução

“Era divertido fazer os filmes", diz cinegrafista

Maria José da Silva Perini, a Zezé, de 58 anos, trabalha como cuidadora de idosos em Linhares, no Norte do Espírito Santo. Mas é só falar do cineasta de Mantenópolis que vêm à tona diversas lembranças e lágrimas de saudade. Manoel ia sempre até a locadora de filmes dela. “Desde quando abri a locadora, em 1997, ele sempre ia lá. Assistiu muitos do Mazzaropi”, relembrou.

Fotos de Zezé quando tinha locadora e trabalhava como cinegrafista em Mantenópolis
Fotos de Zezé quando tinha locadora e trabalhava como cinegrafista em Mantenópolis. Crédito: Vinícius Lodi

Até que um dia, em 2000, precisando de alguém para filmar, ele a convidou para ser sua cinegrafista. E Zezé aceitou. “Ele explicou que não tinha condições de me pagar, mas não tinha problema. Bora lá filmar, eu disse. E assim começamos. E eu gostava muito de fazer essas gravações. Era um momento de entretenimento para a gente e era super divertido”, riu.

Analfabeto, Manoel não escrevia roteiros. Quando tinha tempo livre, das gravações e das obras, ele ia até uma árvore, sentava sob a sombra, local de elucubração, onde as ideias surgiam e, assim, criava um filme. Com gravetos, desenhava no chão o desenvolvimento das histórias. “A cabeça dele era incrível”, disse a cinegrafista.

Nem sempre tudo ocorria como o esperado. Quando algum ator esperado não aparecia para gravar, era que vinha a genialidade dele. “Ele colocava na cabeça dele como iria fazer o filme. Chegava no momento de gravar, se as pessoas com quem ele contava para as cenas não iam, dali na hora ele pensava numa solução e fazia as novas cenas. E saia tudo perfeito”, afirmou.

Fã do filme “Assalto ao Trem Pagador”, de 1962, Manoelzinho gostava mesmo era de ‘bang bang’. E aqui vem um segredo de bastidores: nas cenas de tiroteio, o som dos disparos vinham ou de caixas de som, ou de estalinhos.

“Como nunca foi usado arma de fogo, a gente usava bombinhas, aquelas bombinhas de tec-tec, como fundo sonoro. Ou uma pessoa ficava com um gravador nas minhas costas e com fita cassete e dava o play na hora dos tiros. A pessoa soltava o play e dava os tiros, e ele fazia a encenação, fazendo de conta que estava dando os tiros. Era super interessante e engraçado”, afirmou a cinegrafista.

Zezé também fazia a montagem dos filmes do cineasta. “A gente terminava a gravação, No outro dia ele ia lá pra casa, na minha sala. Eu, como não tinha muitos recursos, me virava com o que eu tinha. Pegava trechos de uma fita, de uma gravação para a outra e ele ficava sentado ao meu lado. Depois passava na televisão a filmagem que eu tinha feito e ele via o que queria”, comentou.

Inspiração para a nova geração

Seu Manoelzinho durante a gravação de um filme
Seu Manoelzinho durante a gravação de um filme. Crédito: Reprodução/Instagram

A direção de ‘Manoel Loreno: Improviso e Paixão’ terá a assinatura do cineasta Enzo Rodrigues. Ele conta que a ideia surgiu durante um trabalho acadêmico da faculdade, na Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). A história de Seu Manoelzinho foi uma inspiração desde o primeiro contato, pela inventividade, a capacidade de improviso.

“Sou da Serra, mas tenho familiares em Mantenópolis. Eu adolescente falava que queria fazer cinema e contavam a história dele. Seu Manoelzinho sempre foi uma inspiração. Ele representa um cineasta bastante criativo. Apresentei a ideia ao Zaqueu e ele topou”, comentou.

O diretor junto com a equipe tem trabalhado com os arquivos e na realização do processo de captação de entrevistas, ouvindo pessoas que estiveram ao lado de Seu Manoelzinho, como atores, atrizes, cinegrafistas, entre outros. "Entrevistamos a família, amigos e conhecidos que trabalharam nos filmes. Depoimentos muito precisos, que agora ganham forma no documentário. Está ficando um resultado bem bonito, fazendo jus a memória do Manoelzinho", afirmou.

Diversas passagens da vida de Manoel são memoráveis. A preferida de Rodrigues é justamente a do encanto do menino pelo cinema, que muito pequeno trabalhava para entrar nas sessões. “Eu gosto da história de como ele se apaixona pelo cinema, quando entregava cartazes dos filmes e depois podia assistir aos filmes de graça”, afirmou.

Enzo Rodrigues

Cineasta e diretor do filme

Em síntese, a gente espera que a memória dele fique guardada e que mais pessoas conheçam essa história poderosa. Ele tem uma história única.

Intuitividade como marca

Para a produtora cultural e diretora do Festival de Cinema de Vitória, Lucia Caus, Manoelzinho é a imagem do brasileiro. “(Ele) representa, através do audiovisual, a essência do brasileiro: ter coragem e determinação para realizar seus sonhos. Com seu jeito simples, realizou mais de 40 de produções, em meio aos seus afazeres como pedreiro. Ele era fã de faroeste, se inspirava no gênero, e colocou Mantenópolis no mapa do cinema nacional”, afirmou.

Lúcia Caus

Produtora cultural e diretora do Festival de Cinema de Vitória

A intuição é uma característica que se destaca no trabalho de Seu Manoelzinho. Ele criava seu storyboard à sombra das árvores, com graveto, e desta forma desenhava os roteiros dos seus filmes. Isso é a prova do seu talento e do seu olhar cinematográfico autodidata

O exemplo do cineasta amador é um a ser seguido, conforme Caus. “É fundamental que a memória de Manoelzinho seja preservada e que cada vez mais as pessoas saibam quem ele foi. São histórias como a dele que fazem as pessoas acreditarem no seu potencial, mesmo com limitações geográficas ou financeiras”, comentou.

Seu Manoelzinho durante o processo criativo para um filme
Seu Manoelzinho durante o processo criativo para um filme. Crédito: Divulgação

Lançamento do filme

A expectativa é que o lançamento ocorra ainda em 2025. A primeira exibição acontecerá na Praça Central de Mantenópolis e depois a expectativa é de que esteja em cartaz no Cine Metrópolis, na Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), e também nas salas de outros cinemas em Vitória. Os realizadores têm a intenção ainda de levar a produção para festivais de cinema.

“A gente tem um marco inicial, a gente vai exibir na praça de Mantenópolis. Temos uma rede de contatos aqui que pretendemos levar para cinemas de Vitória. Festivais nacionais e internacionais, queremos levar essa história para o mundo”, disse o diretor do filme.

Que a criatividade de Seu Manoelzinho, mesmo com poucos recursos, sirva de inspiração para as futuras gerações.

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