Emilia Frasson na festa de formatura como primeira engenheira da Ufes
Emilia Frasson na festa de formatura como primeira engenheira da Ufes. Crédito: Vitor Jubini

Ufes 70 anos: a história da 1ª mulher formada em área dominada por homens

Aos 94 anos, Emilia Frasson Manhães relembra os desafios e as alegrias do período em que passou pela universidade; veja vídeo

Tempo de leitura: 5min
Vitória
Publicado em 05/05/2024 às 08h22

De origem simples no município de Castelo, no Sul do Espírito Santo, Emilia Frasson Manhães, de 94 anos, construiu uma história de sucesso profissional. Mas o início dessa trajetória não foi fácil, tanto pela conjuntura social e econômica do período de sua juventude quanto pela ousadia de suas ambições. Na década de 1950, ela decidiu fazer Engenharia Civil, área dominada por homens. Mesmo com os desafios com os quais se deparou, foi a primeira mulher a se formar no curso na Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), que, neste domingo (5), completa 70 anos de existência. Veja detalhes desta história no vídeo acima.

Muitas vezes chamada de "mulher-homem" porque optou por usar calça comprida durante o curso, algo incomum naquela época, Emilia Frasson lidava com o deboche de muitos colegas de turma e até a repreensão de um professor, que exigia o uso de saia em suas aulas. Mas, tendo que subir em pedras e realizar outras atividades que a deixavam exposta, a engenheira aposentada resistiu durante os cinco anos de curso com a roupa considerada inadequada. 

"Sabe o que aconteceu no primeiro ano? Tinha uma matéria que chamava topografia e, na lateral do nosso prédio, tinha uma pedra alta e a gente até escorregava para subir nos nossos trabalhos práticos. Então, eu subia naquela pedra e eles (colegas da turma) queriam sempre que eu fosse na frente porque, quando eu virava, meu vestido subia e eles viam a minha calcinha. Eu passei a botar a minha calça comprida todos os dias."

Alguns estudantes também consideravam que ela, por ser mulher, não se encaixava naquele ambiente universitário. "Tinha os colegas que eu adorava, que me tratavam bem, me tratavam como igual, mas tinha os que ficavam debochando, fazendo bullying", conta. 

Emilia Frasson ingressou na Ufes em janeiro de 1956 e concluiu o curso no final de 1960, isto é, dentro do tempo regular de formação em Engenharia Civil. As dificuldades que enfrentou eram, majoritariamente, por ser mulher naquela área, e não pelos conteúdos. Ao contrário, segundo afirma, houve vezes em que foi bastante elogiada por professores por seu desempenho acadêmico. "Eu era muito esforçada."

O início de tudo

O esforço sempre foi da natureza da engenheira. De uma família de oito filhos, com poucos recursos financeiros, Emilia Frasson acabou sendo criada pela avó, a quem chamava de "mama", pela descendência italiana. Na cidade, em sua época, as crianças estudavam até o ginasial (equivalente ao ensino fundamental) porque não havia escola para fazer o chamado científico — hoje ensino médio. 

“Tinha curso de professora, mas eu me neguei a fazer.  Eu disse que não queria ser porque professora vai para a roça. Não queria ir para a roça. Queria ir para Vitória, para o Rio de Janeiro", relembra. 

Então, a avó lhe conseguiu um trabalho na loja de tecidos de um vizinho. O primeiro de uma série de atividades que realizou em Castelo. De tudo o que fazia, guardava o dinheiro. Até que a avó decidiu viajar para Minas Gerais para visitar familiares e levou a neta junto. A viagem, estimada para um mês, teve estada na casa de tios de Emilia por um ano. Por lá, também precisou trabalhar. 

"Meu tio Alfredo disse: 'Vou levar Emilia na prefeitura. Tem uma vaga e vou botar ela para trabalhar.' A mama perguntou: 'Por que você não bota seus três filhos para trabalhar?' E ele respondeu: 'Meus filhos não precisam trabalhar porque o pai deles é rico. Filho de pobre tem mais é que trabalhar!' Eles me consideravam pobre porque eu morava com a mama."

Emilia Frasson, primeira engenheira formada pela UFES
Emilia Frasson lembra os obstáculos superados durante a trajetória na Ufes. Crédito: Vitor Jubini

Da construção de bolos a prédios erguidos

Voltando dessa longa viagem, ao parar em Vitória, Emilia Frasson soube que um primo iria se casar e se ofereceu para fazer o bolo do casamento. Ao preparar as camadas e estruturar aquele presente aos noivos, despertou para o amor à construção. 

Depois da primeira experiência, Emilia retornou a Castelo e passou a oferecer seus serviços como confeiteira na cidade. A cada bolo erguido, uma surpresa com as "obras" realizadas.

Nesse período, o município finalmente ganhou uma turma de científico e Emilia foi a primeira a se inscrever para voltar a estudar. Depois, com o dinheiro que guardou, se mudou para Vitória.

Emilia Frasson, primeira engenheira formada pela UFES
Emilia saiu de Castelo para morar em pensionato em Vitória, antes de estudar na Ufes. Crédito: Vitor Jubini

Emilia foi morar em um pensionato de freiras no Parque Moscoso e, para se manter na Capital, começou a trabalhar como secretária no curso de Odontologia da Ufes. Mas ela queria chegar à Engenharia e guardava na memória uma conversa com o primo que se casou e para quem fez o primeiro bolo.

"Quando o meu primo falou que ia abrir o curso de Engenharia, eu ainda não tinha feito científico, não sabia nada. Perguntei o que engenheiro fazia e ele disse que constrói casa, faz isso, faz aquilo. Ele era advogado, mas tinha conhecimento, morava na Capital. Ele me perguntou se eu gostava de matemática e falei que adorava. Então, disse: 'Você devia fazer Engenharia'. E eu fui para casa com aquilo na cabeça. Comecei fazendo uma catedral (no bolo), uma boneca.  Foi aí que começou a Engenharia."

Já em Vitória, Emilia fez o vestibular e foi aprovada. Outras duas jovens também passaram na seleção, mas não se mantiveram no curso, que era ofertado em um prédio na região de Maruípe, onde atualmente funciona a Casa do Cidadão, e cujo bairro hoje é chamado "Engenharia".  O campus de Goiabeiras, o primeiro a ser implementado pela Ufes, ainda não existia. 

Mesmo com os contratempos impostos, a engenheira aposentada não tem dúvidas: "Foi maravilhoso". Foi a época em que eu mais vivi feliz!"

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