Recém-empossado como reitor da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), o professor Eustáquio Vinicius Ribeiro de Castro mostra-se entusiasmado com os projetos que planeja para a instituição durante a sua gestão, cujo mandato está previsto até 2028. Entre as iniciativas, um centro de desenvolvimento de vacinas e medicamentos e teste com canabidiol (substância extraída da cannabis — maconha), em parcerias. Por outro lado, ele também reconhece os inúmeros desafios que terá pela frente, com orçamento reduzido, mas com muitas demandas por atender.
Eustáquio de Castro lembra que, do ponto de vista de remuneração de servidores técnicos e docentes, não cabe à universidade propor reajustes, como o que está sendo revindicado durante a greve, porém há planos de valorização em andamento. Também em planejamento estão a criação de uma agência de inovação, estratégias para permanência dos estudantes na Ufes, sobretudo os que apresentam dificuldades por falta de dinheiro, retomada e conclusão de obras de prédios e ações que aproximem mais a instituição da comunidade.
Pós-doutor em Química pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e professor associado do Departamento de Química da Ufes desde 1992, o novo reitor ressalta, em entrevista para A Gazeta, a qualidade da instituição consolidada nestes 70 anos, celebrados no dia 5 de maio, e as várias conquistas ao longo desse período, mas também a necessidade de se aprimorar e continuar sendo relevante para a sociedade nas próximas décadas. Confira alguns destaques da conversa com Eustáquio de Castro:
Centro de Desenvolvimento
O Hucam (Hospital Universitário Cassiano Antônio de Moraes) foi incorporado pela Ebserh (Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares), um órgão de gestão de hospitais universitários, a partir de 2014. O hospital é da universidade, isso tem que deixar claro, tanto é que forma os nossos estudantes. O Hucam não é só de atendimento ao público, SUS, é de formação de estudantes. Ele atende a ponta, a comunidade, mas ele é de formação, tanto a graduação quanto a pós-graduação.
A gente pretende investir muito, com a Ebserh, captando, junto ao Ministério da Saúde e outros órgãos, recursos para poder fortalecer, inclusive, o desenvolvimento científico e tecnológico. De repente, pensarmos em um centro desenvolvimento de vacina, de desenvolvimento de medicamentos. Tem um projeto que a gente está pensando em começar, que é o teste com CBD (canabidiol). Teste de qualificação e especificação do canabidiol. Hoje, o canabidiol adquirido não é certificado.
A ideia é você fazer uma parceria interdisciplinar que envolveria médicos, o pessoal da área psicológica, psiquiátrica, com o pessoal de química e de certificação, porque hoje esses medicamentos não têm certificação e as pessoas não sabem o que estão utilizando.
Pós-graduação: avanço nas notas
Em 1978, foi criado o primeiro programa de pós-graduação, o mestrado em educação e, coincidentemente, o nosso primeiro programa nota 6 na Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal).
Hoje, temos biotecnologia, serviço social e educação com nota 6 — são cursos de nível internacional. Alguns outros cursos nota 5 já estão caminhando também para nota 6. E uma das metas nossas é a nota 7, que é o topo, nível de excelência. Não temos nenhum no Estado ainda. Acho que, até o final do nosso mandato, a gente vai conseguir.
Tem uma série de fatores para alcançar a nota. Primeiro, um bom projeto. E ainda tem que ter nível internacional, força política e recurso. Quando sobe de 5 para 6, o ‘gap’ financeiro do programa muda. Por isso que é difícil sair do 5 para o 6. Passa a receber um fundo de apoio, tipo assim, de R$ 100 mil passa para R$ 1,5 milhão. Isso impacta no orçamento. Então, tem uma questão financeira, tem uma questão política e tem a questão da própria qualidade. Nota 6 já é nível internacional, mas, para você chegar ao 7, tem que estar consolidado nessa rede internacional, parceria com várias universidades, do Brasil e internacionais também. Lógico, e a produção científica do estudante de mestrado, doutorado, pós-doutorado.
Fuga de cérebros
O Brasil vive uma fuga de cérebros. Nossos pesquisadores estão nas universidades, mas não temos recursos para contratar todo mundo. Fica difícil para a União e para os Estados bancar esses pesquisadores. No Brasil, não temos a cultura das empresas contratarem pesquisadores, infelizmente. O governo federal está para lançar um programa de retorno de cérebros para o Brasil, é um incentivo.
Aqui na universidade a gente consegue segurar algumas pessoas pelas parcerias com instituições públicas, por exemplo, fomento através da Fapes, recurso da Finep, recurso do CNPq, bolsas de pós-doutorado; outros através de projetos também com entidades públicas, como a Embrapa, e privadas. A gente tem vários projetos com a Petrobras, por exemplo. E muitos estudantes de doutorado, de mestrado, de pós-doutorado e que depois acabam sendo absorvidos nas próprias empresas.
Isolamento
Foi criada uma espécie de bolha na universidade. Ela manteve a excelência, tanto a graduação quanto a pós-graduação, mas nós não nos comunicamos muito com a sociedade. Do ponto de vista macro, a universidade tem que ser mais cúmplice do Estado, dos municípios, da sociedade.
Estou fazendo autocrítica. Acho que tem hora que a gente tem que falar certas coisas, para provocar mesmo esse debate. Mostrar também que a Ufes sozinha não consegue, não adianta querer cobrar, se as entidades não vêm também. Aquilo que é desenvolvido às vezes até ultrapassa os limites do país, mas a comunidade acaba não tendo acesso.
Permanência
Tem uma série de coisas que podemos fazer para manter o estudante aqui, especialmente o de baixa renda, porque ele precisa trabalhar. Nós temos que adequar os nossos cursos, criar cursos que facilitem para que o estudante que precisa trabalhar faça o seu curso. Aí, passa por mexer na estrutura do curso, criar cursos talvez mais alinhados com a realidade local, do que estamos precisando aqui no Estado para dar perspectiva. Não adianta nada ser formado numa área que você sabe que não vai ter emprego.
Desafio
O grande desafio da universidade ao longo do tempo é justificar a existência dela. Ficamos muito vulneráveis nos últimos anos. De 2016 para cá, passando pelo governo anterior. A defesa está na mudança de conceito, fazendo a sociedade enxergar a nossa importância. E a sociedade defende a universidade.
Se você olhar na pandemia, o que a Ufes fez aqui de acolhimento, de fornecimento de material, produzimos sabão, álcool em gel, medicamento, máscaras, conserto de material hospitalar... A gente tem que mostrar isso, que somos importantes. Hoje, o atendimento que temos no Hucam, o Ioufes, que é o Instituto de Odontologia, são clínicas de referência. Temos um papel e a gente tem que fazer a sociedade enxergar isso. Que desenvolvemos as pesquisas de ponta, profissionais de alta qualidade.
Quando eu penso na Ufes daqui a 70 anos, é como uma referência internacional em algumas áreas e em alguns princípios também. Um dos princípios é o atendimento à sociedade de uma forma mais eficaz, usando de recursos que vêm de fora e ela desenvolvendo seus mecanismos.
Falta de financiamento
A universidade vem sofrendo, de 10 anos para cá, com a questão orçamentária. Olhando do ponto de vista nacional, a gente tem as contas em dia. Ela é uma universidade que consegue sobreviver bem, mas no limite. A gente faz porque tem os contratos muito justos, muito econômicos, os nossos contratos não têm exagero, não têm gordura. Alguma coisa ou outra precisa ser melhorada, até do ponto de vista da manutenção em prédio mesmo, algumas obras para terminar, mas isso tudo depende do orçamento.
Arrecadação
A Ufes vem crescendo muito na arrecadação própria. Aquele dinheiro que não vem de Brasília, mas por meio de convênio. Todo o convênio que a gente firma, 13% vêm para a administração da universidade como receita própria. Parte fica para executar o projeto.
Só que, com essa restrição orçamentária, a gente arrecada, mas não tem orçamento. Então, a gente dá para o governo. Na verdade, a gente empresta o dinheiro para o governo. De 2023 para cá, com o governo Lula, ele devolve isso para nós. Vai como superávit e, no ano passado, ele devolveu. Porque, no governo anterior e no outro (Jair Bolsonaro e Michel Temer), a gente arrecadava e o dinheiro ia, provavelmente, para emendas parlamentares. A gente não viu o dinheiro voltar.
Agora, a gente arrecada, entrega para o governo e, no ano passado, ele devolveu e dizem que vão devolver esse ano também. É uma aposta nossa para manter o orçamento mais ou menos equilibrado e a gente acredita agora que, com esse governo, com o governo Lula, haverá a recomposição do orçamento nosso, que está bastante defasado.
Servidores
Há cargos na universidade que têm natureza técnica e são ocupados com docentes. Então, a gente acha que haverá maior efetividade se forem ocupados por técnicos administrativos. Vamos investir na formação de técnicos também, pegar o nosso corpo técnico e qualificá-lo mais ainda, favorecendo a formação em nível de especialização, participação em programa de mestrado e em programa de doutorado.
Outra coisa é o diálogo com os técnicos. Já falei para vários representantes do sindicato que a reitoria está aberta.
E a valorização, fazendo com que ocupem posições na universidade. Os nossos conselhos hoje são compostos 70% de professores, 15% técnicos e estudantes. Então, hoje nós não podemos ter mais do que um pró-reitor técnico porque, se ele é técnico e passa a representar em algum conselho, mexe na configuração do conselho. A gente vai tentar exatamente trabalhar nessa proporção.
Do ponto de vista de sustentação salarial, não temos como mexer na matriz, porque isso é Brasília, mas podemos permitir que participem de projetos, e aí eles podem ter remuneração com bolsa. Então, o técnico vai trabalhar na área dele, produzir na área dele e, tendo uma bolsa, desenvolve um projeto que pode ser interessante para a sociedade e, ao mesmo tempo, tem a remuneração.
Professores
Paras docentes, queremos ajudar no fomento, na captação de recursos. Hoje, a universidade tem uma forma de tramitação que evoluiu muito, mas tem que evoluir mais ainda.
Primeiro, é dar as condições para os professores desenvolverem uma boa aula, tem que dar infraestrutura, incentivá-los a fazer capacitação. Não é porque é doutor, pós-doutor que não precisa atualizar. Não só permitir, fomentar que façam isso. Mesmo que não seja na área de formação, que seja uma capacitação de relação interpessoal, novos métodos pedagógicos.
Agência de inovação
Estamos criando uma agência de inovação. Isso é uma dos nossos grandes projetos. Estamos querendo facilitar para o docente. Vamos fazer a inovação na área de educação, por exemplo, de direitos humanos. Aí entra patente, proteção intelectual, tudo que você imaginar que é dentro do sistema da inovação vai ser feito nessa agência. Já tem, inclusive, a superintendente.
Já existem algumas agências no Brasil. A gente vai fazer uma visita para ver como funciona e criar adaptada às nossas realidades e necessidades.
Legado
Os professores também devem ter esse compromisso. Esse negócio de cumprir com aquela função pacotinho que está ali: dar as 8h, 12 horas de aula, tem um projetinho de pesquisa, e é isso. Não, vamos transformar. O Lab Petro foi feito em parceria, roda projeto com a Polícia Federal, com a Polícia Civil, com o Ministério Públic. Temos parceria do café com a Embrapa, com a Petrobras, e agora um grande projeto relacionado ao desastre de Mariana.
São 40 universidades penduradas na gente. São 550 pessoas trabalhando no projeto, 200 e poucos pós-doutores nesse projeto de monitoramento do desastre de Mariana e a coordenação funciona dentro do Lab Petro.
A Justiça estendeu a indenização (na semana passada). Você sabe por quê? Por causa dos nossos resultados. Lá, tem metal pesado, o peixe está contaminado. O juiz viu aquilo ali e decidiu ‘tenho que indenizar esse povo’. Nós detectamos traço da lama em Abrolhos (BA).
Então, essa transformação aconteceu com o Lab Petro, ou no Núcleo de Doenças Infecciosas, que hoje é referência internacional em kits para detecção de tuberculose de Aids. Tem o museu de ciências da vida, do professor Athelson (Bittencourt); o projeto Viana Vacinada; vacina da dengue, começamos as pesquisas aqui. Isso é o legado.
Nossos docentes têm que entender a importância deles nesse contexto. É fomentar, trazê-los para dentro do processo. Criar essa cultura, facilitar. O recurso muito vezes existe, só que não cai no seu colo. Só não podemos dar salário.
Ações afirmativas
Temos um projeto na área de ações afirmativas e de inclusão. Está sendo criada, agora, a Secretaria de Ações Afirmativas. Existe um departamento em uma pró-reitoria; nós estamos tirando de lá e criando essa secretaria.
Obras
A gente já deve começar algumas obras este ano, com previsão de conclusão ano que vem. O governo federal está com o PAC das universidades, e nós estamos nesse PAC. Então, nós temos aí esse prédio do Centro de Artes para terminar, que é o teatro. Tem o prédio do básico três, lá de Maruípe.
Prédio da Odontologia, lá no Ioufes, prédio da Engenharia Ambiental, reforma de alguns prédios, um em São Mateus, e o administrativo de Alegre. Todos são obras novas, com recursos do PAC. Não depende da gente. Deve sair o cronograma (esta semana). Depende das liberações de Brasília, mas a perspectiva nesta gestão a gente consiga finalizar.
E uma grande obra, que deve começar este ano, é nossa rede de esgoto, de saneamento da universidade. Já temos o dinheiro, o projeto, agora é contratar. Eu estou querendo aguardar um pouquinho para ver se a gente faz a outra rede (pluvial) junto para não ter que fazer dois trabalhos.
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