> >
Erro tira auxílio de R$ 600 a ex-candidatos ao cargo de vereador

Erro tira auxílio de R$ 600 a ex-candidatos ao cargo de vereador

Pessoas que concorreram na eleição de 2016 tiveram benefício negado por constar como agente público e agora tentam mudar a situação correndo de um lugar para o outro em busca de uma solução para garantir o sustento da família

Publicado em 12 de maio de 2020 às 06:00

Ícone - Tempo de Leitura 0min de leitura
Data: 11/05/2020 - ES - Vila Velha - Fila para entrar na Caixa da Glória, em Vila Velha - Editoria: Cidades - Foto: Ricardo Medeiros - GZ
Fila para entrar na Caixa da Glória, em Vila Velha. (Ricardo Medeiros)

Aos 51 anos de idade, a vendedora de bolos Andrea Castro precisa pedir ajuda para conseguir colocar comida na mesa. Mãe solteira de uma adolescente de 15 anos e desempregada desde fevereiro deste ano, ela começou a trabalhar na informalidade para ter renda. Com a pandemia do novo coronavírus, a moradora da Capital capixaba teve que parar de ir às ruas para vender seu produto e esperava contar com o auxílio emergencial do governo federal para conseguir pagar as contas do mês. 

Mesmo cumprindo todos os requisitos para receber o valor, que no caso dela seria de R$ 1,2 mil (duas cotas de R$ 600), no aplicativo da Caixa aparece que ela tem emprego formal e é servidora pública, realidade bem distante da que vive. Enquanto o calendário de pagamento da segunda parcela do benefício deve ser comunicado em breve, ela ainda aguarda a primeira parcela. Tudo tem relação com a eleição de 2016 quando a autônoma foi candidata a vereadora.

Por todo o país, milhares de trabalhadores informais e desempregados ainda não foram contemplados pelo auxílio e passam pela mesma situação de Andrea.

Muitos deles foram excluídos sem explicação e agora tentam mudar a situação, correndo de um lugar para o outro em busca de solução, uma verdadeira via-crúcis. As falhas no sistema do governo federal, aliás, são um dos motivos das grandes filas na Caixa. Muitas pessoas acabam indo para as agências para tentar resolver problemas no cadastro. 

 07/05/2020 - Pessoas na fila da Caixa, em Jardim América, Cariacica  (Ricardo Medeiros)

O auxílio a Andrea foi recusado porque, segundo o aplicativo da Caixa, ela teria um cargo eletivo e estaria vinculada ao RPPS. A sigla significa "Regime Próprio de Previdência Social", que é um sistema de Previdência voltado exclusivamente aos servidores públicos concursados (exceto para servidores de alguns pequenos municípios). Ou seja, para o sistema, ela é uma funcionária pública.

Além disso, devido a um erro nesse sistema alimentado pelo governo federal, o auxílio emergencial está sendo negado a pessoas que se candidataram ao cargo de vereador, mas que não foram eleitas. Segundo a lei, quem tem mandato eletivo ou trabalha na administração pública não pode receber a ajuda federal, de R$ 600 a R$ 1.200 por mês.

O sistema que avalia a concessão do benefício alega que essas pessoas foram eleitas ou que exercem cargo público, como é o caso da Andrea, que se candidatou a vereadora em 2016 pelo PSD e, atualmente, está desempregada. "Nunca trabalhei como servidora pública. A única ligação que tenho com o serviço público foi minha candidatura a vereadora em 2016, mas não ganhei aquela eleição. Eu quero saber que emprego é esse que eles falam que eu tenho", aponta.

Tela do aplicativo para realizar o cadastro do recebimento do auxílio emergencial
Tela do aplicativo para realizar o cadastro do recebimento do auxílio emergencial . (Reprodução )

Antes, Andrea trabalhou durante 10 anos, até 2012, em uma loja de doces. Quando pediu as contas, ficou com o local como pagamento pelo tempo de casa. Depois, devido à crise, acabou fechando e ficou só vendendo bolo de pote. "De novembro do ano passado até fevereiro deste ano trabalhei de carteira assinada na lanchonete de um primo meu. Quando fui despedida, voltei a vender bolo de pote na rua para ter renda", relata.

Andrea conta ainda que está revoltada com a situação que ela e muitos outros brasileiros estão passando. "Tem muitas pessoas que precisam do dinheiro, mas tem gente usando para fazer festa e churrasco. Vi pessoas com carteira assinada que receberam o auxílio e isso me revolta. Tem pessoas com carteira assinada, que conheço, que receberam R$ 1,2 mil por ser mãe chefe de família", revela.

Aspas de citação

Estou contando com a ajuda das pessoas que não me conhecem. Elas mandaram alimentos, que eu pego e divido com outras pessoas que também precisam. Fico dependendo da ajuda das pessoas. Às vezes, quando falta, tenho que pedir, mesmo tendo muita vergonha dessa situação

Andrea Castro
vendedora de bolos
Aspas de citação

Andrea e a filha moram de aluguel, que está atrasado, assim como o condomínio e a luz. O dinheiro do auxílio emergencial seria usado para comprar comida e pagar essas despesas. "Sei o que estou passando. Não tive direito de receber a cesta básica da prefeitura porque não sou cadastrada no Cadastro Único (CadÚnico). Mas é só quem está cadastrado que passa fome?", questiona.

Aspas de citação

Sou mãe solteira de uma menina de 15 anos. Ela sempre estudou em escola pública e com muito esforço passou em segundo lugar em eletrotécnica no Ifes. Ela estava muito feliz por começar a estudar lá, mas agora está triste em casa vendo a situação em que estamos

Andrea Castro
vendedora de bolos
Aspas de citação

No dia 8 de maio, a Associação Visibilidade Feminina, entidade sem fins lucrativos, questionou o Tribunal Superior Eleitoral o motivo de ex-candidatas terem os seus pedidos para receber o auxílio emergencial negados e se há algum convênio de compartilhamento de dados com a Receita Federal ou outro órgão para a concessão do auxílio.

Segundo a petição entregue ao órgão, os auxílios estão sendo negados sob alegação de que exercem mandato eletivo e estarem vinculadas ao Regime Próprio de Previdência Social. 

"São mulheres que se candidataram nas eleições municipais de 2016 e gerais de 2018, mas não ocupam mandatos eletivos. São suplentes e não recebem remuneração, de forma que nos causou grande estranheza constatar que a simples condição de suplência possa ter impedido o acesso ao benefício do Auxílio Emergencial", diz a nota.

MÚSICO TEVE AUXÍLIO NEGADO POR "SER" SERVIDOR PÚBLICO

Quem está com o mesmo problema da Andrea é o músico William Santana Bezerra, 43 anos. Sem poder fazer eventos devido à pandemia, viu sua renda minguar nos últimos meses. Para tentar compensar as perdas, o morador da Serra virou motorista de aplicativo, porém, a baixa demanda não ajudou muito. 

William Santana Bezerra, 43 anos, músico
William Santana Bezerra, 43 anos, músico. (Arquivo pessoal)

Ele fez o cadastro logo que o aplicativo do auxílio emergencial foi lançado. Acompanhava com frequência o sistema para saber se foi aprovado, porém, depois de algum tempo parou de receber o código que permitia acompanhar o andamento do benefício.  Por inúmeras vezes, foi pessoalmente até a agência da Caixa de Jardim Camburi, em Vitória, mas não conseguiu resolver o problema.

Uma amiga da namorada dele, que é funcionária da Caixa no Rio de Janeiro, vendo a situação em que ele estava tentou ajudar. "Ela, com meu CPF, acessou os dados e viu que fui reprovado por eu estar trabalhando formalmente e por ser funcionário público, o que não é verdade", conta. 

Tela do aplicativo para realizar o cadastro do recebimento do auxílio emergencial
Tela do site para realizar o cadastro do recebimento do auxílio emergencial . (Reprodução )

Segundo ele, a última vez que trabalhou com carteira assinada foi como auxiliar técnico de planejamento, emprego do qual se desligou em setembro do ano passado.

Aspas de citação

O dinheiro do auxílio seria para pagar aluguel e ajudar nas duas pensões alimentícias dos meus dois filhos, um de 10 anos e outro de 9 anos, que moram no Rio de Janeiro

William Santana Bezerra
músico
Aspas de citação

O outro motivo de negativa para o auxílio é de que ele seria agente público. De acordo com William, em 2016, enquanto morava no Maranhão, ele foi candidato a vereador pelo (PSD), mas não se elegeu. A não compatibilidade dos dados com a realidade das pessoas vem fazendo com inúmeros desempregados e informais não consigam ter acesso ao benefício que têm direito.

Aspas de citação

Fui na Caixa, desinstalei o aplicativo, tentei refazer o meu cadastro, mas nada deu certo

William Santana Bezerra
músico
Aspas de citação

O OUTRO LADO

A reportagem demandou o Ministério da Cidadania e o Tribunal Superior Eleitoral sobre os erros envolvendo candidatos às eleições de 2016 e 2018, mas até a publicação esta reportagem, às 17 horas desta quarta-feira (13), última atualização da matéria, não recebeu resposta.

Nesta, quarta-feira (13), o Tribunal Superior Eleitoral, respondeu, por nota, que o questionamento deveria ser direcionado ao Ministério da Cidadania, que operacionaliza a concessão do auxílio emergencial.

"Após ter conhecimento de situações como a relatada, o TSE formalizou questionamento à Diretoria de Programa da Secretaria Executiva do Ministério da Cidadania, que informou que os dados estavam sendo extraídos pela empresa Dataprev de informações disponíveis no site do TSE sobre candidatos eleitos, sem diferenciar, no entanto, os suplentes. Também informou aquela diretoria que ainda ontem (12 de maio) foi determinada a alteração da regra, para não mais considerar os suplentes, pelo só fato de terem sido eleitos, como inelegíveis para a concessão do benefício", disse.

VEJA O PASSO A PASSO DAS ORIENTAÇÕES

No caso de informações incorretas declaradas na Rais ou no Caged, o cidadão deve procurar a empresa ou órgão responsável pela prestação da informação e solicitar a retificação via sistema. Além disso, ele também pode iniciar um processo administrativo via Portal gov.br, mediante apresentação da documentação exigida, que será devidamente analisada pela Secretaria de Trabalho.

Solicitar vínculos empregatícios do Caged e da Rais

Para solicitar vínculos empregatícios ou solicitação de endereço do empregador relativo ao vínculo mais recente declarado Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) ou na Relação Anual de Informações Sociais (Rais).

Esse serviço é destinado a: 

  • Trabalhador ou trabalhadora que desejar obter os seus vínculos formais celetistas declarados ao Caged ou Rais 
  • Tribunais de Justiça por intermédio de servidores da Varas ou Secretarias ou Defensoria Pública

Solicitar alteração no banco de dados do Caged

  • Já para solicitar inclusão, alteração ou exclusão de vínculos dos trabalhadores (as) e empresas ou alterações nos dados cadastrais do trabalhador (a) ou das empresas no Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) ou na Relação Anual de Informações Sociais (Rais). 
  • Caged: clique aqui 
  • Rais: clique aqui 

Esse serviço é destinado a:

  • Tribunais de Justiça ou Defensoria Pública, por intermédio de servidor da Vara ou da Secretaria 
  • Pessoa Jurídica (Tribunais de Justiça e Defensoria) - Ofício ou Despacho da Justiça, com CPF ou PIS/PASEP do trabalhador (a), data de admissão, código CBO, remunerações e data de desligamento (se houver) 
  • Cópia da Sentença (se houver) 
  • Trabalhador ou trabalhadora que desejar alterar informações cadastrais ou seus vínculos formais celetistas declarados ao Caged, por processo Administrativo

Este vídeo pode te interessar

Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem

Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta

A Gazeta integra o

The Trust Project
Saiba mais