Aos 51 anos de idade, a vendedora de bolos Andrea Castro precisa pedir ajuda para conseguir colocar comida na mesa. Mãe solteira de uma adolescente de 15 anos e desempregada desde fevereiro deste ano, ela começou a trabalhar na informalidade para ter renda. Com a pandemia do novo coronavírus, a moradora da Capital capixaba teve que parar de ir às ruas para vender seu produto e esperava contar com o auxílio emergencial do governo federal para conseguir pagar as contas do mês.
Mesmo cumprindo todos os requisitos para receber o valor, que no caso dela seria de R$ 1,2 mil (duas cotas de R$ 600), no aplicativo da Caixa aparece que ela tem emprego formal e é servidora pública, realidade bem distante da que vive. Enquanto o calendário de pagamento da segunda parcela do benefício deve ser comunicado em breve, ela ainda aguarda a primeira parcela. Tudo tem relação com a eleição de 2016 quando a autônoma foi candidata a vereadora.
Por todo o país, milhares de trabalhadores informais e desempregados ainda não foram contemplados pelo auxílio e passam pela mesma situação de Andrea.
Muitos deles foram excluídos sem explicação e agora tentam mudar a situação, correndo de um lugar para o outro em busca de solução, uma verdadeira via-crúcis. As falhas no sistema do governo federal, aliás, são um dos motivos das grandes filas na Caixa. Muitas pessoas acabam indo para as agências para tentar resolver problemas no cadastro.
O auxílio a Andrea foi recusado porque, segundo o aplicativo da Caixa, ela teria um cargo eletivo e estaria vinculada ao RPPS. A sigla significa "Regime Próprio de Previdência Social", que é um sistema de Previdência voltado exclusivamente aos servidores públicos concursados (exceto para servidores de alguns pequenos municípios). Ou seja, para o sistema, ela é uma funcionária pública.
Além disso, devido a um erro nesse sistema alimentado pelo governo federal, o auxílio emergencial está sendo negado a pessoas que se candidataram ao cargo de vereador, mas que não foram eleitas. Segundo a lei, quem tem mandato eletivo ou trabalha na administração pública não pode receber a ajuda federal, de R$ 600 a R$ 1.200 por mês.
O sistema que avalia a concessão do benefício alega que essas pessoas foram eleitas ou que exercem cargo público, como é o caso da Andrea, que se candidatou a vereadora em 2016 pelo PSD e, atualmente, está desempregada. "Nunca trabalhei como servidora pública. A única ligação que tenho com o serviço público foi minha candidatura a vereadora em 2016, mas não ganhei aquela eleição. Eu quero saber que emprego é esse que eles falam que eu tenho", aponta.
Antes, Andrea trabalhou durante 10 anos, até 2012, em uma loja de doces. Quando pediu as contas, ficou com o local como pagamento pelo tempo de casa. Depois, devido à crise, acabou fechando e ficou só vendendo bolo de pote. "De novembro do ano passado até fevereiro deste ano trabalhei de carteira assinada na lanchonete de um primo meu. Quando fui despedida, voltei a vender bolo de pote na rua para ter renda", relata.
Andrea conta ainda que está revoltada com a situação que ela e muitos outros brasileiros estão passando. "Tem muitas pessoas que precisam do dinheiro, mas tem gente usando para fazer festa e churrasco. Vi pessoas com carteira assinada que receberam o auxílio e isso me revolta. Tem pessoas com carteira assinada, que conheço, que receberam R$ 1,2 mil por ser mãe chefe de família", revela.
Andrea e a filha moram de aluguel, que está atrasado, assim como o condomínio e a luz. O dinheiro do auxílio emergencial seria usado para comprar comida e pagar essas despesas. "Sei o que estou passando. Não tive direito de receber a cesta básica da prefeitura porque não sou cadastrada no Cadastro Único (CadÚnico). Mas é só quem está cadastrado que passa fome?", questiona.
No dia 8 de maio, a Associação Visibilidade Feminina, entidade sem fins lucrativos, questionou o Tribunal Superior Eleitoral o motivo de ex-candidatas terem os seus pedidos para receber o auxílio emergencial negados e se há algum convênio de compartilhamento de dados com a Receita Federal ou outro órgão para a concessão do auxílio.
Segundo a petição entregue ao órgão, os auxílios estão sendo negados sob alegação de que exercem mandato eletivo e estarem vinculadas ao Regime Próprio de Previdência Social.
"São mulheres que se candidataram nas eleições municipais de 2016 e gerais de 2018, mas não ocupam mandatos eletivos. São suplentes e não recebem remuneração, de forma que nos causou grande estranheza constatar que a simples condição de suplência possa ter impedido o acesso ao benefício do Auxílio Emergencial", diz a nota.
Quem está com o mesmo problema da Andrea é o músico William Santana Bezerra, 43 anos. Sem poder fazer eventos devido à pandemia, viu sua renda minguar nos últimos meses. Para tentar compensar as perdas, o morador da Serra virou motorista de aplicativo, porém, a baixa demanda não ajudou muito.
Ele fez o cadastro logo que o aplicativo do auxílio emergencial foi lançado. Acompanhava com frequência o sistema para saber se foi aprovado, porém, depois de algum tempo parou de receber o código que permitia acompanhar o andamento do benefício. Por inúmeras vezes, foi pessoalmente até a agência da Caixa de Jardim Camburi, em Vitória, mas não conseguiu resolver o problema.
Uma amiga da namorada dele, que é funcionária da Caixa no Rio de Janeiro, vendo a situação em que ele estava tentou ajudar. "Ela, com meu CPF, acessou os dados e viu que fui reprovado por eu estar trabalhando formalmente e por ser funcionário público, o que não é verdade", conta.
Segundo ele, a última vez que trabalhou com carteira assinada foi como auxiliar técnico de planejamento, emprego do qual se desligou em setembro do ano passado.
O outro motivo de negativa para o auxílio é de que ele seria agente público. De acordo com William, em 2016, enquanto morava no Maranhão, ele foi candidato a vereador pelo (PSD), mas não se elegeu. A não compatibilidade dos dados com a realidade das pessoas vem fazendo com inúmeros desempregados e informais não consigam ter acesso ao benefício que têm direito.
A reportagem demandou o Ministério da Cidadania e o Tribunal Superior Eleitoral sobre os erros envolvendo candidatos às eleições de 2016 e 2018, mas até a publicação esta reportagem, às 17 horas desta quarta-feira (13), última atualização da matéria, não recebeu resposta.
Nesta, quarta-feira (13), o Tribunal Superior Eleitoral, respondeu, por nota, que o questionamento deveria ser direcionado ao Ministério da Cidadania, que operacionaliza a concessão do auxílio emergencial.
"Após ter conhecimento de situações como a relatada, o TSE formalizou questionamento à Diretoria de Programa da Secretaria Executiva do Ministério da Cidadania, que informou que os dados estavam sendo extraídos pela empresa Dataprev de informações disponíveis no site do TSE sobre candidatos eleitos, sem diferenciar, no entanto, os suplentes. Também informou aquela diretoria que ainda ontem (12 de maio) foi determinada a alteração da regra, para não mais considerar os suplentes, pelo só fato de terem sido eleitos, como inelegíveis para a concessão do benefício", disse.
No caso de informações incorretas declaradas na Rais ou no Caged, o cidadão deve procurar a empresa ou órgão responsável pela prestação da informação e solicitar a retificação via sistema. Além disso, ele também pode iniciar um processo administrativo via Portal gov.br, mediante apresentação da documentação exigida, que será devidamente analisada pela Secretaria de Trabalho.
Para solicitar vínculos empregatícios ou solicitação de endereço do empregador relativo ao vínculo mais recente declarado Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) ou na Relação Anual de Informações Sociais (Rais).
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