O ano era 2002 quando o mercado de chocolates se deparou com a maior transação da sua história. Naquele ano, a gigante suíça Nestlé fechou acordo para comprar a capixaba Garoto, fundada pelo imigrante alemão Heinrich Meyerfreund em Vila Velha, em 1929. No entanto, 21 anos depois da notícia, o negócio ainda não está 100% sacramentado.
O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), que é responsável por analisar e aprovar transações do tipo para evitar alta concentração ou monopólio de mercado, nunca deu aval para a compra. O órgão barrou a conclusão da venda em 2004, e o caso foi parar na Justiça.
De lá pra cá, a operação da fábrica no Espírito Santo foi assumida pela Nestlé e acordos até foram firmados para que o negócio fosse concluído, mas não foram para frente. Até que a Justiça mandou o Cade reabrir o caso e julgar novamente a venda, o que está marcado para esta quarta-feira (7). Só que, desta vez, a expectativa é de aprovação da transação, com a continuidade de marcas tradicionais.
Em maio, a Nestlé anunciou um investimento de R$ 430 milhões na fábrica da Garoto. Na oportunidade, o vice-presidente Jurídico da Nestlé, Gustavo Bastos, afirmou que o investimento é mais uma prova da confiança da companhia suíça na concretização do processo de compra da Garoto. Ele ainda disse acreditar em uma solução definitiva e benéfica para empresa e o Estado.
A solução almejada pelo grupo suíço era uma aprovação sem vetos ou exigências, como a venda de marcas. Em 2017, Cade e Nestlé firmaram um acordo que previa a venda de um pacote de dez marcas, como Serenata de Amor, Chokito, Lollo e Sensação. A Nestlé, no entanto, não cumpriu o compromisso e as marcas não foram vendidas.
Agora, o Conselho deve dar seu aval para conclusão da operação sem exigir a venda de marcas, segundo informações apuradas pelo colunista Lauro Jardim, do jornal O Globo. Isso vai garantir a continuidade de marcas tradicionais das duas empresas, como os famosos Talento, KitKat, Caribe, Batom e Galak.
Ainda de acordo com o colunista, uma exigência que deve ser imposta para a aguardada aprovação do Cade é que a Nestlé mantenha a fábrica no Espírito Santo em pleno funcionamento e que os investimentos na unidade sejam mantidos por um prazo mínimo de sete anos.
A Nestlé, porém, nunca manifestou interesse em fechar a unidade de Vila Velha. Nos últimos anos, o grupo fez sucessivos investimentos em modernização e ampliação da fábrica que ampliaram a sua eficiência. Atualmente, por exemplo, todos os ovos de Páscoa do grupo Nestlé são produzidos na fábrica da Garoto.
Por fim, o Conselho deve proibir a Nestlé de comprar qualquer concorrente que possua mais do que 5% de participação no mercado de chocolates nacional, visando a evitar uma concentração ainda maior, conforme também destacou Lauro Jardim.
O próprio presidente do Cade, Alexandre Cordeiro, admitiu que em 21 anos tudo mudou. "Estamos analisando o caso hoje com as condições do mercado completamente diferentes daquela época", disse na última quinta-feira (1º), ao anunciar a data do julgamento pela Corte.
Em 2002, a Nestlé tinha 34% do mercado varejista de chocolate do país — ao comprar a Garoto, chegou a 58%, contra 33% da Lacta. Na área de chocolate por atacado, a concentração era ainda maior: somadas, Nestlé e Garoto na época chegaram a 80% de participação, enquanto hoje esse percentual fica na casa dos 30%.
Em entrevista para A Gazeta em 2018, o então diretor da Garoto, Liberato Milo, que hoje responde pelo segmento global de chocolates da Nestlé na Suíça, avaliou que os motivos que levaram o Cade a barrar o negócio em 2004 já não existem mais, uma vez que a concentração se diluiu entre outros players.
"O mercado brasileiro nesse tempo revolucionou muito, e as premissas que tínhamos lá atrás perderam a razão de ser. O caso esvaziou, evidentemente, porque o mercado caminhou. Hoje, tem butiques de chocolates, como a Cacau Show; novos jogadores de chocolate no Brasil, como a Amma; e mais concorrentes, por exemplo, a Ferrero. Todos eles hoje competem no Brasil", afirmou na época.
Caso o Cade autorize a fusão, isso vai significar o fim de uma longa disputa. Isso porque, dentro do próprio conselho, nunca houve uma unanimidade sobre a questão, o que fez o caso permanecer durante anos como o maior e mais longevo imbróglio da história da autarquia.
A proporção do caso provocou inclusive mudanças na legislação antitruste brasileira. Na época da compra, em 2002, as regras determinavam que as empresas poderiam fazer fusões e aquisições e apenas informar o Cade 15 dias depois. O Cade, por sua vez, tinha dois anos para dar sua decisão.
Depois da briga judicial, a legislação concorrencial mudou em 2012. Desde então, a concretização dos negócios entre empresas passou a depender da autorização do Cade para empresas com faturamento acima de R$ 700 milhões, sob risco de multa de R$ 60 milhões.
A Nestlé comprou a Garoto em 2002, mas a fusão acabou vetada pelo Cade, dois anos mais tarde.
Após ação da Nestlé na Justiça, a decisão do Cade acabou suspensa, em 2005, e a operação foi autorizada.
Essa decisão foi anulada em 2009, sendo determinado que o Cade fizesse nova análise sobre o negócio entre as empresas.
Para tentar encerrar a disputa, em 2016, o Cade chegou a aprovar um conjunto de diretrizes que a Nestlé deveria executar, entre elas a venda de marcas como o Serenata de Amor. Com isso, se essas propostas fossem viabilizadas a contento do tribunal do órgão, abriria um caminho jurídico para consolidar a aquisição. Porém isso não foi para a frente.
Em 2018, houve a confirmação do TRF (Tribunal Regional Federal) da 1ª Região de que o Cade deveria reabrir o processo.
Em 2021, a reabertura do caso foi determinada pelo então presidente do Cade, Alexandre Barreto de Souza, com nova instrução
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