Houve um tempo em que as roupas eram feitas em casa pelas mãos talentosas das mães ou das avós, com técnicas que eram passadas de geração para geração. Hoje, as costureiras continuam na ativa fazendo pequenos reparos em oficinas de costura domésticas, mas também passaram a ser essenciais na indústria de confecções. Essas profissionais, já que mulheres são maioria no ofício, são indispensáveis para a existência das fábricas e, sem elas, as peças do vestuário não chegariam até o consumidor.
Com a chegada do novo coronavírus, muitas costureiras autônomas e fábricas de roupas precisaram interromper suas atividades, ficando sem saber o que fazer para sobreviver durante esse período de pandemia. Com a proliferação da doença, as máscaras passaram a fazer parte do guarda-roupa dos capixabas, voltando a movimentar a cadeia de confecções. Mesmo diante das incertezas, a situação incentivou profissionais e empresas a se reinventarem.
Mesmo com o pior da crise do coronavírus passando, os dados da Pesquisa Mensal do Comércio mostram que o setor de vestuário e têxtil é um dos mais impactados. Menos gente saindo de casa derrubou a busca por roupas. O que o setor de confecções precisou fazer foi adotar essa nova roupagem para os negócios, fabricando os itens de proteção individual, que devem permanecer na vida dos brasileiros por um bom tempo.
Foi então que as peças, como máscaras, cada vez mais estilosas, passaram a ser fabricadas pelas costureiras em casa e na indústria. Empresas como a Suzano e a Petrobras fizeram grandes pedidos para ajudar a impedir que alguns negócios fechassem as portas.
A fabricante de celulose comprou 46 mil máscaras de tecido de costureiras e artesãos de Aracruz para doar a famílias de colaboradores que estão trabalhando presencialmente nas unidades e para grupos considerados prioritários, por conta do maior risco de exposição ao novo coronavírus, nas regiões em que a empresa atua.
De acordo com a companhia, a iniciativa conta com a participação de aproximadamente 80 profissionais dos municípios de Aracruz, São Mateus, Conceição da Barra e Pedro Canário, dentre eles, costureiras de famílias apoiadas pelos projetos sociais da Suzano e artesãos de associações independentes do município.
Máscaras de tecido também foram adquiridas pela Petrobras. Ao todo, a estatal comprou 2,5 mil peças que foram produzidas pelo Projeto Tamar, em Regência, Linhares. A ideia foi ajudar o projeto que teve uma redução drástica nas vendas das lojas dos centros de visitação do Tamar. Os artigos foram distribuídos aos funcionários da estatal no Espírito Santo.
Quem faz costuras como forma de ganhar a vida também aproveitou a oportunidade criada em tempos de coronavírus para garantir um dinheiro extra. Uma delas foi a aposentada Maria Zandonadi Mattedi, a Zinha, de 71 anos, que tem o ofício de costureira há mais de 50 anos. Ela chegou a fazer 1.200 peças em três meses. Os artigos feitos por ela foram doados a diversos projetos sociais da Grande Vitória.
Quando fui contratada para fazer as máscaras, a minha aposentadoria ainda não tinha sido liberada pelo INSS e essa foi a solução para conseguir uma renda extra. Fiquei muito grata com esta oportunidade, pois nunca tinha feito essas peças. Já entreguei todo o material, mas alguns vizinhos ainda me fazem encomendas , conta Zinha.
Durante sua carreira de costureira, ela comenta que atuou com a confecção de uniformes, roupas de festas, entre outras peças. Um cômodo da casa dela foi transformado em um pequeno ateliê para receber as clientes. Formei minhas filhas costurando, mas mesmo aposentada continuo fazendo o que eu gosto, com muita criatividade, ressalta.
Com duas lojas em shoppings da Grande Vitória e uma pequena fábrica de roupas, Cezarina Maria Lameira Ramos, mais conhecida como Duda das máscaras, de 41 anos, começou a fabricar as peças por acaso. Ela conta que, na segunda semana de pandemia, precisava comprar o artigo para a sogra que estava doente, mas não conseguiram encontrar o produto nas farmácias.
Com as lojas fechadas desde 25 de março, precisei afastar todos os funcionários. Na segunda semana, minha sogra apresentou problemas de saúde, mas não achávamos máscaras para comprar. Mesmo antes das autoridades orientarem o uso do artigo em tecido, passamos a fazer a peça por sugestão da minha cunhada, conta.
Duda relata que as primeiras vendas foram feitas em grupos de WhatsApp da igreja e dos colegas do filho. Quando anunciei, todo mundo quis. Cheguei a receber mais de 200 mensagens por dia. Com a crise, o jeito foi se reinventar para manter a renda. Além de pagar as contas, consegui manter alguns funcionários e ajudar muita gente, diz.
Segundo Duda, os pedidos foram aumentando e agora ela precisa entregar 2.700 máscaras para uma escola estadual. Meu marido desenha, eu corto o tecido e as costureiras finalizam as peças. São entre 700 e mil máscaras produzidas por semana. Ao todo, foram mais de 30 mil artigos feitos por nós desde o início da pandemia, calcula.
A pedagoga Sandra Rouver de Oliveira Amaral, de 45 anos, está desempregada há alguns meses e também usou seu conhecimento com a máquina de costura para produzir máscaras e ganhar dinheiro. Ela conta que recebeu muitas encomendas, o que ajudou a pagar as contas.
Comecei a fazer as máscaras e, aos poucos, os pedidos foram aumentando, inclusive com encomendas grandes para pessoas que passaram a revender as peças. Cheguei a fazer de 40 a 70 máscaras por dia no primeiro mês de pandemia. O dinheiro ajudou a salvar as despesas do mês, relata Sandra.
O analista do Sebrae Carlos Perrin destaca que aumentou, e muito, a procura de micro e pequenas empresas interessadas em investir na confecção de máscaras e equipamentos de segurança, como aventais. O microempreendedor, segundo ele, buscava informações sobre compra de mercadoria e capital de giro.
De acordo com o Portal do Empreendedor, do Sebrae, 3.480 pessoas estão registradas no Estado como costureiras de peças do vestuário, incluindo a confecção de roupas íntimas.
As costureiras que trabalham em casa com pequenos reparos e ajuste de peças conseguiram driblar um pouco a crise e o diferencial delas ficou com as temáticas personalizadas, uma vez que o artigo passou a fazer parte do guarda-roupa de muita gente. Elas aproveitaram um nicho de mercado e os clientes acabam comprando muita variedade para facilitar o dia a dia, ressalta.
Perrin comenta que as micro e pequenas empresas chegaram a produzir até 400 máscaras por dia. Conforme o analista, a utilização de máscaras deve se manter por um bom tempo. Ele afirma que em países orientais, como o Japão, já há tradição para o uso do artigo no cotidiano.
"Mesmo que haja redução na produção, a atividade deve permanecer por um bom tempo", finaliza.
A empresária Fernanda Cipriano enxergou na pandemia uma oportunidades de exercer a solidariedade e nada melhor do que fazer doação de máscaras. Para isso, ela contou com a ajuda de várias amigas, entre elas Rachel Pires, a Keka, que doou os tecidos. Depois disso, a empresária conseguiu recursos para contratar costureiras para confeccionar as peças.
Algumas atuaram de maneira voluntária e outras receberam pelo serviço. Ao todo, foram produzidas mais de 3.600 máscaras, entre elas as confeccionadas pela Zinha.
Os artigos foram doados para comunidades carentes da Grande Vitória e para pessoas que chegavam a hospitais e não tinham condições de comprar uma máscara
As mulheres são maioria também na indústria de confecções. De acordo com levantamento do Ideies, 64% dos trabalhadores das fábricas de roupas são mulheres e 36% são homens.
A indústria têxtil e de confecções foi fortemente impactada pela crise provocada pela pandemia do novo coronavírus. E para dar a volta por cima e driblar a redução da atividade econômica, o setor se uniu para produzir grandes volumes de equipamentos de proteção individual.
De acordo com o empresário e conselheiro da Câmara do Vestuário, Paulo Vieira, o projeto, batizado como Safe, tem como objetivo unir as empresas do segmento para uma atuação conjunta na produção e comercialização de EPIs, como máscaras, toucas, jalecos e aventais.
A iniciativa envolveu cerca de 20 indústrias capixabas do setor de vestuário e vai atender às demandas do governo do Estado, de farmácias, lojas, clínica odontológica e grandes empresas. A maior parte dessas fábricas são de pequenos e médios empresários.
O projeto vai ajudar a minimizar os efeitos da crise que foi motivada pela paralisação das atividades. De uma hora para outra, houve uma queda em 94% dessas indústrias. As empresas foram treinadas para produzir esses equipamentos. Esse é um mercado novo para o ramo, não supre todas as necessidades nem substitui a produção, mas vai ajudar muito, comenta Vieira.
O empresário lembra que a pandemia chegou no momento em que as fábricas iriam entregar as coleções de inverno e que os lojistas não quiseram receber essas encomendas, causando um prejuízo ainda maior para o setor.
Ainda está difícil. A estimativa é que a queda de faturamento de março a dezembro fique em torno de 50% em relação ao mesmo período de anos anteriores. Acreditamos que o setor só vai voltar à normalidade no inverno de 2021, comenta.
A Câmara Setorial do Vestuário da Findes é composta por seis sindicatos empresariais do Espírito Santo. As entidades representam mais de 1.000 empresas que, de forma direta e indireta, empregam cerca de 30 mil profissionais.
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta