O que seria jogado no lixo por grande parte da população vira peças de artesanato nas mãos talentosas de artistas no Espírito Santo. Produtos que normalmente são descartados por não terem mais serventia viram fonte de renda para muitas famílias e são vendidos até em lojas de decoração e fora do Estado.
Nesse caso, estão flores, porta-guardanapo e colares produzidos pela artesã Cristina Lauteman com escamas de peixes e conchas. Só para se ter uma ideia, em oito meses de trabalho, ela fez cerca de 5.200 dúzias de flores de escama de peixe para a loja Tok & Stok. Ela ainda decorou o casamento da filha com os itens.
O processo de trabalho é bem demorado e requer muita dedicação e paciência. Tudo começa quando é retirada a escama da pele do peixe, o que leva em média três dias, em um montante de 50 quilos. Após essa fase, são mais sete dias de limpeza com água, cloro e clareador, para depois passar por três dias de secagem. Os palitos utilizados vêm das folhas de coqueiro, que também precisam ser limpas. Todo o processo leva cerca de 30 dias até começar a montagem das flores. Cada flor leva nove pétalas de escamas.
Cristina é contadora de formação e ficou viúva muito cedo. Ao caminhar em uma praia de Anchieta, em um momento de luto, ela teve a ideia de fazer flores de concha. Isso foi há 36 anos. Tempos depois, passou também a usar escamas de peixe.
“Criei a minha própria técnica de limpeza do material e hoje participo de feiras em todo o Brasil. Cheguei até a exportar por um tempo, mas minha meta agora é atender apenas o mercado interno. Conto com vários colaboradores que vão desde as catadoras de conchas até os pescadores. Amo o que faço. Não tem sábado, domingo ou problema que atrapalhe o meu trabalho. Tudo é feito cm muito amor e carinho”, comenta a artesã.
Filtros de café e chapas de raio X que iriam para o lixo também se transformam em itens decorativos nas mãos de artesãos de Aracruz. Cada peça de um jogo americano, por exemplo, leva 14 filtros de café usados. O trabalho é desenvolvido pela Associação de Artesãos da Orla de Aracruz (Assaoara).
Segundo a secretária da entidade, Priscila Codá, também são feitos quadros decorativos com restos de madeiras descartados por fábricas de móveis.
“Fazemos a limpeza dos filtros de café, dos acetatos de radiografia, da madeira e até da borra de café, que são doados pelos moradores da região. Tudo é aproveitado. Todos os projetos foram desenvolvidos pela associação e os produtos vendidos na lojinha aberta em parceria com a prefeitura”, ressalta Priscila.
No caso dos filtros, ela conta que a comunidade entrega do jeito que tirou da cafeteira. O material é separado, secado e rasgado manualmente. “Os rasgos ficam visíveis, dando um efeito muito bonito”, comenta.
A borra de café também passa por um processo de limpeza para depois ser usada para fazer desenhos que remetem ao Estado, como a panela de barro e o Convento da Penha.
“Também são feitos sousplat, fruteiras, vasos de flores, trilho de mesa, luminárias, entre outras peças. Quando se juntam mulheres criativas e artesãs, o céu é o limite”, destaca Priscila.
Outro trabalho desenvolvido com material que iria para o lixo é feito por Ângela Noma, de Itaúnas, em Conceição da Barra. Ela cria joias e bijuterias com câmaras de pneu de carro, moto e bicicleta, além de aço cirúrgico. Na mesma pegada da reutilização de materiais, a artesã confecciona móbiles a partir de retalho de tecidos.
“Faço os recortes na mão, elaboro os desenhos, tudo bem artesanal. Já são 10 anos com esta produção. Vendo em Itaúnas e tenho uma amiga que mora nos Estados Unidos e leva as peças para vender por lá", conta.
A Agência de Desenvolvimento das Micro e Pequenas Empresas e do Empreendedorismo (Aderes) é uma grande parceira de quem trabalha com artesanato, com a organização de feiras e a manutenção de uma loja no Hortomercado, em Vitória.
O diretor-presidente da autarquia, Alberto Farias Gavini Filho, comenta que apoiar os profissionais é uma forma de valorizar os talentos que temos no Espírito Santo.
“Transformar câmara de bicicleta em bijuterias, escamas de peixe em flores e filtros de café em utensílios de decoração são trabalhos que chamam a atenção. A criatividade é usada para usar uma coisa que iria ser jogada fora em algo com valor agregado. Cuidamos desses talentos para que esse tipo de iniciativa vire uma ação empreendedora. Oferecemos cursos, consultoria de gestão, espaço em feiras artesanais e possibilidade de fazer negócios futuros”, ressalta.
Gavini estima que cerca de 30 mil famílias no Espírito Santo vivem na economia solidária e criativa.
Do lixo ao luxo: artesãos usam material descartável para empreender
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