Com a chegada do coronavírus, as escolas precisaram suspender as aulas para evitar aglomeração e que a doença se espalhasse entre os alunos. Em meio a esse cenário de incertezas surgem muitas dúvidas sobre a continuidade do pagamento das mensalidades, do transporte escolar e até a suspensão do contrato.
Para esclarecer essas e outras questões, a presidente da Associação Nacional do Ministério Público do Consumidor (MPCON) e promotora de Justiça do Ministério Público do Estado do Espírito Santo (MPES), Sandra Lengruber da Silva, participou de uma transmissão ao vivo no Instagram e no portal de A Gazeta. Confira abaixo as respostas da promotora para as principais dúvidas sobre os serviços de escolas, faculdades e transporte escolar.
Estamos no período que tem uma excepcionalidade extrema e absoluta, então é um período totalmente diferente do que nós já tenhamos vivido. Diante disso, temos que interpretar alguns princípios do Código do Consumidor que vão nortear as decisões que são: do equilíbrio, da harmonia, da boa-fé objetiva e da lealdade das partes.
No caso das instituições particulares de ensino, é importantíssimo que o consumidor possa compreender qual é o contrato que ele celebrou. Quando falamos qual é a periodicidade desses contratos que foram celebrados, temos visto contrato cuja periodicidade é anual ou semestral.
Por que é importante falar isso? Porque quando é questionado se deve pagar a mensalidade ou não, temos que verificar que o contrato é anual, em regra, quando falamos de ensino educação infantil, Ensino Fundamental e Médio e que, sendo um contrato anual, eu não consigo afirmar agora, ainda no início do ano, se o contrato foi cumprido ou não.
Então, tem alguns pontos que podemos acompanhar, mas nós não podemos ainda ser conclusivos, por conta dessa observação inicial.
Até então, o que há é uma autorização do MEC quanto às aulas a distância para o ensino superior. Então, no que tange ao Ensino Fundamental e Médio, as aulas a distância ainda são compreendidas como de uma forma complementar e não com o que seria o principal. Não podemos afirmar que vai continuar assim porque as normas estão mudando a todo tempo. Para nós podermos ter uma ideia, o próprio período dos dias letivos, que até então eram 200 dias, agora já há uma Medida Provisória, que estabelece que esse número de dias pode ser diminuído, desde que não tenha alteração da carga horária.
Temos percebido uma carência de informação enorme dos consumidores. Temos colocado que é além do dever legal das instituições elas informarem. Ele pode ser dividido em dois aspectos, o pedagógico e o financeiro.
Os consumidores têm muitas dúvidas com relação à parte pedagógica, se está tendo qualidade, se pode ser só uma aula durante o dia, se as aulas têm que ser simultâneas, se podem ser gravadas, etc. Ao mesmo tempo, vêm as perguntas que são os questionamentos financeiros, como se a unidade de ensino tem que reduzir o valor da mensalidade ou não.
Então, percebe-se essas duas dúvidas e o que temos colocado, inclusive através de notificação recomendatória e ofícios que foram expedidos um desses ofícios em conjunto com o Procon Estadual e a notificação recomendatória pela Promotoria Regional do Consumidor do Ministério Público do Espírito Santo ao Sinepe, no sentido de que oriente as instituições de ensino para que compram esse dever de passar informações aos consumidores.
Primeiro que é muito difícil se compreender uma aula a distância de uma criança de 3 anos. Até então, a gente não tem conseguido compreender essa possibilidade e aceitar essa possibilidade. Nessa condição, o que a gente coloca e qual o dever das instituições? A gente pede também que os consumidores e os pais possam se empoderar desse conhecimento para exigir das instituições.
Qual seria o dever de informação: se terá compensação das aulas ou não, se haverá mudança no calendário de férias e de aulas, se está havendo alguma alteração nas despesas ordinárias e, consequentemente, em havendo uma redução dessas despesas, que seja repassado um desconto para o consumidor.
Aqui ficam algumas questões. Primeiro, a educação infantil é caracterizada muito menos pelo conteúdo e muito mais pela socialização. Então, aí fica essa questão de ser uma educação a distância pelo tamanho e pela idade, enfim. Segundo: os consumidores pagam também alimentação. Dessa forma, fica mais difícil para instituição alegar que estaria tendo custos com a tecnologia. Então, o que a gente tem colocado e pedido é que seja cumprido esse dever que seja informado ao consumidor.
As próprias instituições de educação infantil possam avaliar sua redução de custos. Se pode abrir uma eventual suspensão de contrato de alguns trabalhadores, de seus colaboradores e que, a partir daí, em se obtendo essa redução das despesas, que ela possar ser repassada com abatimento para os consumidores.
Em regra, o contrato é um contrato de adesão que é disponibilizado pela instituição e é anual. Então, vai depender realmente dessa negociação dela com a instituição de ensino.
Temos que tentar trazer esse raciocínio para qualquer outro contrato que a gente vá analisar. A questão é que no contrato de transporte escolar seria possível a compensação. Tudo que norteia a nossa interpretação dos contratos é pela preservação e manutenção dos contratos e, ao mesmo tempo, para as pessoas entenderem, todas as normas que estão surgindo, as Medidas Provisórias, elas estão vindo no sentido de garantir um fluxo de caixa para instituições. É isso que nós temos percebido. Verificamos isso na Medida Provisória das aéreas e na dos eventos.
Quando vamos analisar o contrato de transporte escolar, tem que ser negociado diretamente com o prestador se haverá, em algum momento, uma compensação desses dias que não foram utilizados. Temos percebido que dificilmente haverá uma compensação absoluta e integral desses dias, ainda que seja dada aula nos sábados, em feriados e nas férias.
Então, como a gente não pode agora dizer qual vai ser o final, não sabe o final, a gente não sabe se eles voltam em maio se eles voltam em junho. A gente também sugere, nesse caso, que haja a possibilidade de desconto dessas mensalidades.
Nós temos que fazer a seguinte análise, que vai além da Promotoria do Consumidor e da Defesa do Consumidor como um todo. A criança, a partir do primeiro ano do Ensino Fundamental, não pode ser retirada da escola. Então, na verdade, se ela rescinde um contrato ela tem que matricular a criança na outra escola. Não é simplesmente a rescisão de um contrato, porque existe uma obrigação, até dos pais, dessa educação dos filhos.
Diversamente é quando falamos da Educação Infantil, que não é obrigatória. Já temos percebido há um movimento dos pais no sentido de rescisão desses contratos. Nesse caso, entendo que é muito mais aceitável uma eventual rescisão no caso da Educação Infantil do que a do Ensino Fundamental em diante.
O que se prega e se orienta é pela preservação dos contratos. Mas, para que isso ocorra, as duas partes têm que ter flexibilidade.
O raciocínio da Educação Infantil se aplica para os demais níveis de ensino. A diferença entre os três é que, primeiro, a Educação Infantil não tem esse gasto com tecnologia, as aulas estão totalmente suspensas, então tem que ser dada uma atenção ao consumidor de forma imediata. Quando falamos da Ensino Fundamental e Médio, o contrato, em geral, é de um ano. Quando se fala de ensino superior, é um contrato de 6 meses e que demanda uma atenção mais rápida de fornecedor.
Quando colocamos que agora, durante a pandemia, não se consegue verificar ao certo qual o valor que poderia ser abatido para o consumidor. Essa é a nossa orientação de que seja feito um levantamento de quais foram os custos que não foram realizados no período da pandemia e que isso possa ser repassado nas mensalidades a seguir do contrato e, sendo possível, que já esteja dado um desconto imediato, caso as despesas sejam inferiores.
No Ensino Superior, o contrato é semestral. Então, essa conta toda, essa planilha, essa informação tem que ser mais rápida ainda.
A nossa orientação não é da rescisão. Nós já recebemos a demanda, por exemplo, em relação ao curso de inglês em que foi contratado presencialmente e está sendo oferecido a distância. Então, nós temos que entender a total impossibilidade de prestação do serviço de forma presencial. A gente tem normas restritivas públicas que têm que ser cumpridas. É importante nós termos isso em conta, porque não é um descumprimento que seja intencional. Não tem como agora se exigir o cumprimento das aulas presenciais.
Quando a gente fala os cursos de inglês, considerando a preservação dos contratos, considerando a criatividade para prestação alternativa, se for possível a educação a distância, por aulas, enfim, das formas de se conseguir, devem ser aceitadas essas aulas. Agora, nesse caso, o que pode ser feito também é o consumidor pedir uma suspensão deste contrato e, neste semestre, ficar suspenso para ele retornar no semestre seguinte, que a gente acredita que as coisas já vão estar normalizadas.
Da mesma forma, se houver alguma redução de despesas, cabe à instituição, ainda que seja de inglês, o repasse de redução dos custos. E deve ser dada essa informação sobre a possibilidade de compensação dessas aulas.
Eu percebi um movimento grande, no final do mês de março para o início desse mês de abril, das instituições se comunicando com os consumidores, no sentido de que iriam compensar essas aulas de março e abril, por isso, as mensalidades continuassem a ser pagas. Eu não consigo agora entender como isso vai ficar de abril para maio, porque temos um período um pouco mais extenso.
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