Atendimento psicológico por telefone 24 horas, palestras, incentivo ao autocuidado e avaliação de riscos psicossociais já fazem parte da rotina de várias empresas sediadas no Espírito Santo. As iniciativas têm como objetivo evitar que os trabalhadores adoeçam, uma vez que a saúde mental no ambiente de trabalho ganhou destaque nos últimos anos, se tornando essencial para o bem-estar dos colaboradores.
Conforme dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), transtornos como ansiedade e depressão estão entre as principais causas de afastamento no trabalho.
E a preocupação com o bem-estar dentro das organizações provocou mudanças significativas na promoção de ambientes corporativos mais saudáveis e seguros. A partir de 26 de maio de 2025, passa a vigorar no Brasil uma atualização da Norma Regulamentadora 1 (NR-1), aprovada pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), e que passa a fazer parte dos processos de Gestão de Segurança e Saúde no Trabalho (SST).
Com isso, as empresas serão obrigadas a implementar planos de saúde mental e avaliar riscos psicossociais dos seus trabalhadores, como estresse, assédio e carga mental excessiva, entre outros pontos. A norma determina que os riscos psicossociais passam a ser identificados como risco ocupacional.
No Espírito Santo, algumas empresas já têm a preocupação com a saúde mental de seus colabores e já estão prontas para cumprir a nova regra. É o caso da Suzano que conta com o Tele Faz Bem, programa de apoio emocional, psicológico, físico, nutricional, jurídico e social, por meio de um 0800.
Além disso, a organização conta com campanhas de saúde e nutrição, monitoramento de atestados, grupos de corrida e ciclismo, prevenção de doenças ocupacionais, entre outras medidas.
Para a coordenadora de qualidade de vida e ergonomia da Suzano, Denise Napolitano Alegrette, o bem-estar e a saúde integral dos colaboradores é fundamental para a construção de um ambiente de trabalho saudável, produtivo e seguro.
“A empresa se preocupa em oferecer iniciativas que promovam a saúde física, mental, social, preventiva e na ergonomia da nossa equipe. Temos programas, campanhas e ações de saúde e qualidade de vida que incluem acompanhamento médico, psicológico, nutricional, plataforma de atividade física, plataforma de terapia online, promovemos corridas e caminhadas em várias cidades onde a empresa atua, temos iniciativas voltadas para a ergonomia, entre outros e sempre nos atentamos em incentivar e engajar hábitos saudáveis, para que todos mantenham equilíbrio entre vida pessoal e profissional”, afirma.
Na Viação Águia Branca, as ações fazem parte da rotina da empresa muitos anos antes da alteração da norma. Entre as resoluções estão a avaliação de riscos psicossociais e a promoção da saúde mental no ambiente corporativo.
“Sabemos que um colaborador saudável e equilibrado reflete diretamente na qualidade do serviço prestado. Por isso, investimos em programas de acolhimento, prevenção e suporte contínuo, incluindo um psicólogo dedicado e uma equipe multidisciplinar focada no bem-estar dos nossos profissionais.", destaca a gerente de pessoas e processos da Viação Águia Branca, Fernanda Peroba.
Também fazem parte das atividades, campanhas permanentes sobre ansiedade, estresse e aceitação de vulnerabilidades; palestra; e incentivo à prática esportiva, entre outras ações. Desde 2024 também, a companhia conta com uma área de acolhimento psicossocial, proporcionando suporte não apenas aos funcionários, mas também a seus familiares.
Fernanda Peroba destaca que, para atender às diretrizes da NR 01, a empresa está desenvolvendo um inventário de riscos psicossociais, que permitirá identificar e mitigar fatores que possam impactar a saúde mental dos colaboradores.
A Unimed Sul Capixaba que aposta em iniciativas como o Núcleo de Assistência Integrada ao Colaborador (Naice), que oferece suporte emocional e psicológico para os funcionários.
Segundo o diretor-presidente da cooperativa, Fernando Lemgruber Prado Costa, a ação traz uma positiva para a organização, afirmando que ações como esta são essenciais e refletem na produtividade, inclusive com o reconhecimento do GPTW como uma das melhores empresas para se trabalhar.
“Estamos convencidos de que esse cuidado com a saúde mental resulta em ambientes de trabalho mais saudáveis e empresas mais eficazes. Temos certeza que, com a recente atualização da NR-1, a adoção de práticas que priorizam esse olhar serão realidade dia após dia, afinal cuidar da saúde mental no ambiente de trabalho é fundamental”, comenta.
Nas Óticas Paris, os colaboradores costumam participar de palestras e workshops com diferentes profissionais que abordam o tema em várias perspectivas e se coloca sempre pronta para ouvir os colaboradores e direcionar para a ajuda adequada. Além disso, é feito acompanhamento mensal com todo o time.
A diretora-executiva da empresa, Ana Luiza Azevedo, sabe sobre a responsabilidade social da empresa em cuidar da saúde mental de seus colaboradores. Ela acredita que quanto maior o bem-estar do funcionário, melhor o seu desempenho.
“Estamos avaliando medidas que sejam benéficas para a equipe e de fato promovam bem-estar. Vamos focar em atendimento psicológico para o time e nos cuidados com relação a ergonomia, que são um dos vieses da saúde mental”, comenta.
Aumento de casos motivou mudança
O vice-presidente da Associação Brasileira de Recursos Humanos, seccional Espírito Santo (ABRH-ES), Cosme Peres, aponta que o Ministério do Trabalho percebeu um aumento de afastamentos de colaboradores relacionados à questão de saúde mental.
"Uma das principais causas deste aumento está relacionado a ansiedade, que é um fator natural do ser humano, mas algo não está bem quando essa emoção se torna algo patológico. Um bom indicativo é quando isso passa a interferir no trabalho”, comenta.
Peres aponta que podem caracterizar como fator de risco: carga horária excessiva, prazos irreais, distribuição de tarefas de forma desequilibrada, sobrecarga de trabalho, clima organizacional, entre outros fatores.
Para a psicóloga e diretora de Liderança, Cultura e Diversidade do Ibef-ES, Gisélia Freitas, a atualização da nome marca um passo significativo para a saúde mental no ambiente de trabalho. Segundo ela, a exigência reflete uma crescente preocupação com o bem-estar e a compreensão dos efeitos que a empresa pode ter no emocional das pessoas.
Gisélia Freita
Psicóloga
Os benefícios para as empresas são diversos e abrangem tanto o aumento da produtividade quanto a redução do absenteísmo. As empresas devem criar um ambiente corporativo mais saudável, o que, por sua vez, potencializa a motivação e o engajamento da equipe
A psicóloga aponta que, com as avaliações periódicas sobre os riscos psicossociais, os trabalhadores poderão contar com uma identificação mais precisa dos problemas antes que se tornem ameaças significativas à sua saúde.
A médica psiquiatra, Janine Moscon, explica que algumas situações específicas podem gerar adoecimento no trabalho. Como exemplo, ela cita o excesso de cobrança que pode gerar uma sensação de incapacidade, especialmente quando há estabelecimento de metas irreais, prazos muito curtos ou expectativas desproporcionais de resultado.
Essas situações também podem levar a casos de assédio moral, em que uma pessoa de hierarquia superior constrange um funcionário, segundo a médica. A prorrogação do expediente de trabalho para além do horário estabelecido é outro fator preocupante.
Na opinião da médica, a saúde mental dos trabalhadores tem sido negligenciada por muito tempo e ter um programa estruturado para evitar esses fatores de adoecimento é essencial, tanto para prevenção quanto para o tratamento daqueles que já apresentam sinais de sofrimento.
“Muitas vezes, quando falamos em problemas relacionados ao trabalho, pensamos apenas no burnout — o esgotamento extremo causado pelo excesso de demandas. No entanto, também há casos de depressão, ansiedade, distúrbios do sono, dificuldades de relacionamento, irritabilidade e queda na produtividade. O que muitas empresas não percebem é que o excesso de cobrança pode, ironicamente, reduzir o desempenho dos funcionários, algo bastante comum”, salienta.
A advogada trabalhista especialista em gestão de riscos e compliance, Larissa Stiba, avalia que a saúde mental não é apenas uma questão individual, pois impacta diretamente a dinâmica de equipes e o desempenho empresarial.
“A atualização da norma vem transformar os ambientes, com o objetivo de garantir trabalhadores saudáveis, mental e emocionalmente, o que consequentemente pode ser traduzido em pessoas mais engajadas, criativas e produtivas. O contrário pode significar expor as organizações a altos índices de absenteísmo, rotatividade e até custos judiciais, além do prejuízo humano”, comenta.
A advogada diz ainda que a inclusão dos riscos psicossociais na norma reguladora demonstra que as empresas, mais do que uma obrigação legal, terão que cuidar da saúde mental do trabalhador, investindo em resultados sustentáveis e em uma cultura organizacional.
“Essa norma tem o potencial de transformar a maneira como empresas e colaboradores se relacionam, estimulando um ambiente mais equilibrado. Acredito que essas mudanças são um reflexo da evolução das relações de trabalho e da sociedade, que hoje reconhecem a importância do bem-estar integral do indivíduo”, complementa.
Por fim, a advogada afirma que empresas que implementarem de forma responsável os novos requisitos colherão benefícios duradouros, como maior retenção de talentos, aumento da produtividade e, acima de tudo, a construção de uma imagem corporativa alinhada com valores éticos e sociais.
As normas regulamentadoras são editadas pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) em complemento aos comandos normativos previstos no Capítulo V da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), como explica o advogado especialista em Direito Trabalhista no escritório Finamore Simoni Advogados, Rafael Azevedo.
A implantação das alterações demandará a realização de atualizações no Programa de Gerenciamento de Riscos, o que pode ocorrer com o auxílio de profissionais que atuam na área da saúde e segurança do trabalho.
“O descumprimento da norma tende a sujeitar o empregador a penalidades no âmbito administrativo, com o pagamento de multas, destacando que no âmbito judicial, o desrespeito à norma tende a resultar na responsabilização da empresa pela ocorrência de acidentes de trabalho, o que abrange as doenças ocupacionais, tendo como consequência o pagamento de indenizações e outros créditos trabalhistas”, pontua.
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