Nas esquinas as filas dão voltas e as pessoas esperam debaixo do sol intenso suas senhas serem chamadas para entrarem no banco. Assim, talvez, elas consigam voltar para casa com aquilo que será o sustento do mês.
Num momento em que as famílias precisam se isolar, a ineficiência do governo federal para pagar o auxílio emergencial de R$ 600, ou R$ 1,2 mil no caso de mães que são chefes de família, tem provocado aglomerações, colocando essas pessoas já fragilizadas em situação de vulnerabilidade diante da pandemia do coronavírus.
A renda emergencial que virou um alívio para quem precisa também é fonte de muita preocupação. Nas filas, há pessoas em busca de recursos para sobrevivência, que não conseguem ter acesso ao dinheiro pelos canais digitais oferecidos pelo governo. Elas também vão para tirar dúvidas, sacar o benefício ou apenas para saber se têm direito ao valor.
Nos últimos dias, os fotógrafos de A Gazeta registraram diversas cenas de aglomeração ao redor de agências da Caixa no Espírito Santo. Nelas, muitas vezes, as pessoas não respeitam o distanciamento pedido, além de não usarem máscaras, como mostrado no vídeo abaixo.
Entre as barreiras encontradas por quem precisa do dinheiro está a tecnológica. Para se cadastrar e saber se pode receber o auxílio emergencial do governo o processo é inteiramente digital, por meio dos aplicativos Auxílio Emergencial e Caixa Tem, criados pela Caixa. O problema é que eles funcionam apenas em smartphone e muitos contemplados não têm um aparelho com internet capaz de permitir esse acesso, como aponta o economista Juliano César Gomes.
"Esse grupo de pessoas que está excluído do acesso tecnológico me preocupa. Foi um projeto baseado em tecnologia, mas nem todos têm acesso a ela. Nesse momento, a maneira mais eficaz de chegar até quem não tem condições é por meio das secretarias de assistência social dos municípios. No Estado, já temos algumas iniciativas como essa, onde os servidores vão ao encontro de quem mais precisa dessa ajuda", comenta.
O especialista lembra ainda que, na prática, a execução do pagamento do auxílio foi caótica, porque a massa de beneficiários era bem maior do que a projetada pelo governo. Quanto mais humilde a pessoa for, mais dificuldades ela vai encontrar para ter acesso a essa compensação.
"Vimos um descasamento com a realidade da população mais necessitada. Não é questão de compaixão, mas de controle de renda mínima das famílias. E, com isso, o governo também garante que haja o mínimo de circulação de dinheiro dentro da economia", afirma.
O número de inscrições para receber o benefício chegou a 51,1 milhões, nesta terça-feira (5), segundo a Caixa. Desse total, mais de 50 milhões foram pagos. O Ministério da Cidadania estima que 70 milhões de brasileiros receberão o auxílio emergencial.
De acordo com o economista Mário Vasconcelos, uma das formas de reduzir as filas seria, por exemplo, o governo pulverizar o atendimento das pessoas em outros bancos. "Está tudo concentrado nas agências da Caixa. Se outros bancos também realizassem esse trabalho de atendimento à população, as filas seriam reduzidas", comenta.
Um outro grupo de pessoas que acaba parando na porta da Caixa é formado por quem fez o cadastro, mas que a resposta continua “em análise”. O cadastro para receber o benefício precisa ser feito pelo aplicativo ou pelo site da Caixa, assim como o seu acompanhamento. As informações coletadas por estes canais são enviadas à Dataprev para avaliação dos requisitos previstos na lei.
De acordo com as notas publicadas pelo banco, a aprovação ou não do cadastro do auxílio emergencial tem sido um questionamento recorrente entre os solicitantes, que permanecem com o status do cadastro “em análise”.
"O banco informa que o cidadão deve aguardar o resultado da avaliação efetuada pela Dataprev, instituição do governo federal responsável por verificar se o trabalhador cumpre todas as exigências previstas na lei. A liberação dos recursos será efetuada após o recebimento das informações, para os cidadãos que tiverem o direito ao benefício reconhecido", disse a Caixa, em nota.
No caso da estudante e pintora Ana Caroliny da Costa Carvalho Nunes, 31 anos, o cadastro foi feito no dia 7 de abril e, desde então, está em análise. Ela tem dois filhos, um de 5 e outro de 11 anos. Na hora do cadastro, não conseguiu incluir o filho, pois o CPF já estava cadastrado, de acordo com o aplicativo da Caixa. No dia 23 de abril, ela fez o recadastro, que também está em análise. Ela relatou o drama em um vídeo (veja abaixo).
Um terceiro grupo de pessoas que vai ao banco é formado por quem tem direito, mas o pedido do auxílio é negado por algum motivo ou até mesmo sem justificativa. Entre as justificativas para recusa que aparecem no acompanhamento estão o não atendimento de algum critério, como: não estar empregado com carteira assinada, não receber aposentadoria ou benefícios similares e não ter tido renda anual em 2019 superior a R$ 28.559,70.
Na última segunda-feira (5), o Ministério Público Federal (MPF) deu um prazo de cinco dias para que o Ministério da Cidadania esclareça as “dificuldades” na liberação do auxílio emergencial de R$ 600 para o enfrentamento da pandemia do novo coronavírus.
A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, em ofício, pediu explicações sobre a data de referência utilizada pelo governo federal para o exame do vínculo formal de emprego de quem recebeu a primeira parcela, em abril. O problema é que algumas pessoas que estão desempregadas, quando solicitam o benefício, têm ele recusado por constarem no sistema como empregadas.
O economista Mário Vasconcelos explica que exite uma falha na atualização das bases de dados usadas como referência para conceder o benefício. "Você tem vários bancos de informações. O problema está na frequência de atualização deles. Pode demorar muito tempo entre a empresa remeter esses dados para o Ministério da Economia e o repasse dessas informações para outros bancos de dados. Isso pode ocasionar um certo atraso", explica.
Esse descompasso poderia ser muito menor, segundo o especialista. Com o avanço da tecnologia, a atualização da contratação e dos desligamentos de empregados/servidores em empresas e órgãos públicos deveria ser simultânea.
Esse é o caso da vendedora ambulante Kellen Peres Carlos, 37 anos. Ela tem uma barraquinha de cachorro-quente, em Cariacica. Até fevereiro de 2019, ela trabalhou por três anos na Câmara de Vereadores do município.
"Já faz mais de um ano que estou desempregada. Não tenho vínculo nenhum com nenhuma empresa. Sou mãe sozinha, não recebo benefício nenhum do governo. Sou vendedora ambulante. Tenho todos os requisitos para receber e não me deram nem uma opção de refazer o cadastro", explicou.
O cadastro dela foi realizado no dia 7 de abril. Depois de mais de duas semanas em análise, teve o auxílio emergencial negado. O motivo, segundo o site do Dataprev, é que o nome dela está vinculado a um emprego formal na Relação Anual de Informações Sociais (Rais), uma das fontes de consulta para conceder o apoio financeiro.
A reportagem de A Gazeta questionou a Caixa e o Ministério da Cidadania sobre as filas, os dados desatualizados e pediu orientações para ajudar os leitores. Ambos deram apenas explicações sobre quem tem direito ou não do auxílio. Porém, não prestaram nenhuma informação sobre a inconformidade de informações para recusa dos pedidos.
"A lei que disciplina o pagamento do auxílio emergencial determina que, para ter direito ao auxílio emergencial, o trabalhador deve cumprir todas as seguintes regras:
Desde que atenda às regras do auxílio, quem já está cadastrado no Cadastro Único até 2 de abril de 2020, ou recebe o benefício Bolsa Família, receberá o auxílio automaticamente, sem precisar solicitar.
Os demais devem solicitar o auxílio no site da CAIXA: Auxílio ou pelo aplicativo Caixa - Auxílio Emergencial. As regras podem ser consultadas no site do Ministério da Cidadania, no endereço: Perguntas Frequentes.
Vale destacar ainda que caso o auxílio emergencial tenha sido negado é possível recorrer no próprio aplicativo, conforme matéria publicada no site da Caixa Econômica."
"A Caixa esclarece que todas as pessoas que chegarem às agências durante o horário de funcionamento, de 8h às 14h, serão atendidas. Não é preciso madrugar nas filas, evitando, assim, períodos excessivos de espera e aglomerações. Todos os que chegam até as 14h, horário de fechamento das agências, são informados de que o atendimento será realizado na mesma data.
Além disso, a Caixa intensificou o atendimento às pessoas que estão nas filas, de forma a dar celeridade com prestação de informações e geração de códigos (tokens) para a realização de saques, conforme o calendário de pagamento e da necessidade de se manter o distanciamento.
Desde segunda-feira (4), todas as agências da Caixa funcionam com horário estendido, a fim de garantir um melhor atendimento à população. E, no próximo sábado (9), mais de 2 mil agências em todo país vão abrir para atendimento do Auxílio Emergencial.
Adicionalmente, cerca de 3 mil funcionários do banco foram direcionados para o atendimento nas agências mais críticas. Além disso, estão sendo contratados novos 4.800 vigilantes (desse total, 2 mil já estão alocados) e 889 recepcionistas para reforçar a orientação e o atendimento ao público.
Cinco caminhões-agência também vão ser colocados à disposição dos beneficiários do Auxílio Emergencial em locais com maior necessidade, sobretudo no Norte e Nordeste. O banco ainda está em contato direto com as prefeituras para fechar parcerias para organização e atendimento à população.
Encaminhamos a lista das 2,1 mil agências Caixa que serão abertas no sábado (9), das 08h às 14h (horário local), exclusivamente para atendimento do Auxílio Emergencial."
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