O ministro da Economia, Paulo Guedes, já recebeu a autorização do presidente Jair Bolsonaro para discutir junto ao Congresso a criação de um novo imposto sobre transações financeiras digitais. A ideia é polêmica e vem sendo comparada à Contribuição Provisória Sobre Movimentação Financeira (CPMF), extinta em 2007.
Ainda não há muitos detalhes sobre a proposta além de algumas informações divulgadas em entrevistas pela equipe econômica. Não se sabe, por exemplo, se o novo imposto será cobrado apenas ao receber dinheiro, ao pagar, ou nos dois sentidos. De qualquer maneira, para começar a valer, ele teria que passar por discussão e aprovação na Câmara e no Senado.
Segundo o assessor especial do Ministério da Economia, Guilherme Afif Domingos, a alíquota deve ser de 0,2% e o governo espera arrecadar R$ 120 bilhões. Por conta da alíquota relativamente baixa, ele está sendo chamado por Guedes de microimposto digital.
Contudo, segundo especialistas, a cobrança de imposto sobre transações financeiras, digitais ou não, pode provocar um efeito cascata negativo na economia. Ele incide sobre toda a cadeia produtiva, o que pode fazer aumentar os preços dos produtos para o consumidor final e até pressionar a inflação. Além disso, esse tipo de imposto é considerado injusto porque é cobrado igualmente de ricos e pobres, prejudicando esse último grupo.
Teoricamente, todas as pessoas que transferirem dinheiro ou fizerem pagamentos por meios digitais deverão ser afetadas pela "nova CPMF". Não está claro ainda se ele será cobrado também para quem faz saques em dinheiro em caixas eletrônicos, faz pagamentos por meio de boletos ou na fatura de cartão de crédito.
É esperado que o imposto seja cobrado não só no pagamento, mas também na entrada de recursos. Com isso, a pessoa que receber R$ 1 mil através de meios eletrônicos, como aplicativos e contas digitais, verá R$ 998 caírem na conta. Já quem enviou o dinheiro verá saírem R$ 1.002. Apenas nessa transação, R$ 4 iriam para o governo sob a forma de tributo.
Uma das principais críticas de especialistas recai sobre o fato de ele incidir igualmente sobre todas as faixas de renda e, enquanto 0,2% pode significar pouco para quem tem uma situação financeira melhor, esse valor pode fazer muita falta para quem não tem.
Esse tributo sobre operações comerciais eletrônicas não é progressivo, ou seja, ele incide igual em todas as faixas de renda. Pouco importa o nível de renda, capital e patrimônio de quem está comprando. Como a CPMF, ele penaliza muito o pobre, avalia o advogado tributarista Giuseppe Melotti, do Bichara Advogados.
O economista, doutor em Ciências Contábeis e professor da Fucape, Felipe Storch, concorda. Ele aponta que o governo tem analisado ampliar o valor do Bolsa Família, criando o Renda Brasil, justamente para devolver à população mais pobre parte desse imposto que seja pago.
Outro ponto de crítica é o fato de esse tipo de imposto ser cumulativo. Isso significa que ele incide sobre todas as diferentes etapas da cadeia produtiva. Ao final, esse acúmulo de tributo entre os diversos agentes pode se traduzir em aumento no preço do produto final. Por exemplo, na fabricação de um carro:
No final, o preço do carro poderá vir embutido de todos os valores pagos ao longo da cadeia.
A CBS, que foi proposta pelo governo recentemente e já está em discussão no congresso, também tributa o consumo, porém gerando créditos, para que o imposto pago em uma fase da cadeia não seja pago novamente pela seguinte.
Além de pesar mais sobre os mais pobres e se acumular na cadeia de produção, o novo imposto sobre as transações financeiras digitais pode pressionar a inflação.
Teria potencial de pressionar a inflação, mas não a curto prazo porque no momento a inflação está controlada. Contudo, se não conseguirmos aprovar a nossas reformas, com dívida a 100% do PIB, se a crise chega ao fim e começa a pressionar a demanda, vai gerar inflação. A nossa inflação não morreu, ela está baixa hoje, afirma o economista Filipe Storch.
Além disso, há a possibilidade de ele desencorajar a utilização das transações digitais, o que iria contra o processo de digitalização da economia.
Obviamente vai haver quantidade maior de circulação de moeda em espécie e vai levar muita gente pra informalidade para escapar da cobrança do imposto. É natural do ser humano, explica o advogado tributarista.
Um ponto que ainda precisa ser esclarecido é como o governo vai regulamentar a alíquota para que ela não seja aumentada sucessivamente ao longo dos anos (como aconteceu com a CPMF) e acabe rapidamente deixando de ser um microimposto.
É preciso discutir uma forma para que os próximos governos não possam aumentar a alíquota. Como é um tributo com potencial de arrecadação muito alto, aumentando pouco já faz crescer a arrecadação. Esse é um dos traumas que a CPMF deixou. Além do fato de que ela deveria ser provisória e durou cerca de 10 anos porque era constantemente renovada, lembra Storch.
Ao ser criada, em 1996, a CPMF também tinha alíquota de 0,2% e era pra ser um imposto temporário para cobrir despesas com saúde. Quando foi extinta pelo Congresso, em 2007, esse valor já era 0,38%.
O governo federal já anunciou que também pretende com o novo tributo financiar a desoneração parcial da folha de pagamento para salários entre R$ 1 mil e R$ 1,5 mil. Isso significa reduzir a carga tributária que incide sobre funcionários de empresas.
Sem tanto imposto sobre a folha, empresas conseguem contratar mais e pagar salários mais altos. Porém, se só exonerar parte dos trabalhadores, cria um incentivo para que as empresas só contratam com salários baixos, pondera Damasceno.
A outra proposta do governo que também seria um dos pilares da nova reforma tributária é o aumento da faixa de isenção do Imposto de Renda, atualmente em R$ 1,9 mil por mês.
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