O consumidor vai precisar se preparar e se planejar para um ano novo que deve começar com a inflação ainda elevada. Isso porque os alimentos, que vêm pesando no bolso da população, permanecerão caros. A boa notícia é que não será assim o ano todo. A expectativa é de que a cesta básica fique mais em conta a partir do segundo trimestre de 2021. Por outro lado, economistas ouvidos por A Gazeta afirmam que o crédito pode começar a encarecer gradativamente na segunda metade do próximo ano.
Em 2020, ano que se encerra em alguns dias, os alimentos aumentaram de preço e ficou mais fácil obter crédito. Paralelamente, o salário do trabalhador se desvalorizou e o desemprego avançou no país. Tudo isso provocado principalmente pelo novo coronavírus, que chegou desafiando o sistema de saúde e a economia brasileira.
De acordo com o último Relatório Focus do Banco Central (BC), publicado em 24 de dezembro, no Brasil, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) deve encerrar 2020 em 4,39%. O indicador é superior ao de quatro semanas atrás, quando a expectativa era de que terminasse o ano em 3,65%, e está acima do centro da meta para 2020, que é de 4%.
Veja também
Segundo dados do IPCA, reunidos pelo IBGE, entre janeiro a novembro deste ano, na Grande Vitória, a inflação acumulada foi de 3,68%. Ao olhar os componentes da inflação detalhadamente é possível perceber que alguns grupos estão com o índice muito acima dessa média.
Só a alimentação, nesse mesmo período, teve alta de 17,29% na Grande Vitória. Os efeitos desse aumento podem ser sentidos tanto por quem se alimenta em caso, quanto por quem trabalha no segmento de alimentação, como é o caso do Andreoni Elias, 33 anos. Há cinco anos ele e a esposa começaram um restaurante, o Sheila Marmitex.
R$ 23
PREÇO DO PACOTE DE 5KG DE ARROZ
Nesse ano, o morador de Alto Itararé, em Vitória, foi pego de surpresa com o aumento no preço dos alimentos. Para se ter uma ideia, ele conta que o pacote de arroz de 5 kg que comprava, no início do ano, a R$ 10, hoje não sai por menos de R$ 23. O problema é que esse não foi o único produto que subiu de preço.
"A carne, que comprávamos entre R$ 14 e R$ 15 o quilo, hoje, já está entre R$ 25,50 e R$ 27. Feijão nem se fala. Antes era R$ 3 a R$ 4. Agora, pago R$ 8 e, quando acho algum mais barato, está a R$ 7. O óleo também está num preço absurdo. Pagávamos cerca de R$ 3 no litro, agora está, no mínimo, R$ 7", exemplifica.
Andreoni Elias
proprietário do Sheila Marmitex
"Algumas coisas dobraram de preço e nós não conseguimos repassar para o cliente. Com isso, o prejuízo fica todo para nós. Eu entrei na pandemia com a marmita a R$ 12 e hoje vendo a R$ 13 para poder manter os clientes que tenho. Porém, dispensamos sete pessoas que trabalhavam comigo, sendo uma saladeira, uma cozinheira, um freelancer, dois motoboys e outros dois funcionários"
Com a redução da equipe, o trabalho aumentou e quem cuida de tudo é o Andreoni, a esposa e as filhas dela. "Já não sabemos o que fazer, as coisas estão bem complicadas. Estamos entrando no ano novo agora, estamos vendo se vamos ter que reajustar, se não baixar o preço das coisas, correndo o risco de perder alguns clientes", desabafa.
COMBUSTÍVEL, ARTIGOS PARA A CASA E SERVIÇOS DE SAÚDE TAMBÉM FICARAM MAIS CAROS
Além da alimentação, combustíveis e energia (6,28%), artigos de residência (6,16%) e serviços de saúde (2,83%) contribuíram para que a inflação crescesse. O coordenador de Estudos Econômicos do Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN), Antônio Ricardo Freislebem da Rocha, comenta que durante todo o ano de 2020 a inflação veio se mostrando em uma tendência de crescimento.
Antônio Ricardo Freislebem da Rocha
coordenador de Estudos Econômicos do Instituto Jones dos Santos Neves
"No começo da pandemia do novo coronavírus os preços caíram em função da demanda dos produtos que havia reduzido. Porém, logo na sequência, começou a escassez de produtos, isso porque o medo de faltar alimento e o intuito de estocar comida, por exemplo, fizeram a procurar disparar e, com isso, os preços começaram a subir"
O doutor em Economia e professor dos MBAs da Fundação Getulio Vargas (FGV), Mauro Rochlin, lembra que o auxílio emergencial, destinado às famílias de menor renda, também se traduziu na procura de alimentos, o que ajudou no crescimento da demanda. Com tanta procura, a oferta de produtos disponíveis no mercado começou a reduzir.
"Ainda existe o fator dólar. Ele está mais caro, o que contribui para encarecer os produtos nacionais que usam insumos importados. Ocorreu também uma certa dificuldade de produção. Algumas cadeias produtivas tiveram paralisação ou redução da capacidade durante a pandemia. Vemos o reflexo disso agora, quando assistimos alguns setores apresentarem problemas com a falta de insumos", explica.
14 SEGMENTOS DA INDÚSTRIA
FICARAM SEM INSUMOS PARA PRODUÇÃO
Uma pesquisa realizada pela FGV indicou que, em outubro deste ano, a falta de insumos atingiu os maiores níveis desde 2001, em 14 dos 19 segmentos da indústria. Com isso, algumas empresas tiveram que reduzir o ritmo de produção por falta de matéria-prima. Já quem conseguia produzir não pode distribuir, pois faltavam embalagens de papelão, plástico e vidros.
Quem está sentindo esses impactos é o fundador do restaurante e churrascaria Rancho Beliscão, Eugênio Trindade, 68 anos. Ele, que fica à frente do setor de compras do estabelecimento, tem dificuldade de comprar bebidas direto da fábrica.
"Nunca vi uma situação como a atual. Hoje falta até alumínio para fazer latas e vidro para produzir garrafas de refrigerante e cerveja. O mercado está muito louco devido a pandemia. Estamos comprando cerveja no supermercado, porque não tem para comprar direto na fábrica, que é mais barata. Ficamos de três a quatro semanas sem conseguir comprar direto da fábrica", comenta.
Ainda de acordo com o empresário, o preço da carne disparou. Por causa disso, ele teve que encontrar saídas criativas para que o choque não fosse passado integralmente para os clientes. "Vamos nos virando nos 30. Um combo que tinha 600g de picanha, agora tem 300g de picanha e 300g de alcatra. Vamos fazendo o que dá. Mantemos a qualidade do que vendemos, mas substituímos parte dos cortes mais caros por outros mais em conta", comenta.
2021 COMEÇA COM INFLAÇÃO EM ALTA
O coordenador de Estudos Econômicos do Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN), Antônio Ricardo Freislebem da Rocha, acredita que a tendência de alta dos preços vista em 2020 vai persistir por mais algum tempo. "Vamos entrar em 2021 com inflação crescente. Alguns produtos começarão a faltar agora porque, no auge da pandemia, a indústria trabalhou com capacidade ociosa, mas teremos a atividade industrial retomando junto ao consumo", aponta.
Já o economista e coordenador do Curso de Administração do Instituto Mauá de Tecnologia, Ricardo Balistiero, elenca três pontos que devem contribuir para que a inflação comece a desacelerar ainda no primeiro trimestre de 2021: a alta da Selic, o fim do auxílio emergencial e o preço dos alimentos reduzindo.
Ricardo Balistiero
economista e coordenador do Curso de Administração do Instituto Mauá de Tecnologia
"A tendência é de alta da Selic e queda da inflação no próximo ano. Devemos ter um arrefecimento no preço dos alimentos, o que facilita para a população mais pobre. Porém, esse será também um semestre que vai obrigar as pessoas a buscar emprego"
Ele pondera ainda que a única coisa que pode fazer com que a inflação volte a decolar é a questão fiscal. De acordo com o economista, se o governo perseguir o teto de gasto, a inflação deve ficar abaixo do centro da meta para o ano. "Porém, se acreditar no 'canto da sereia' e não respeitar o teto, vamos ter inflação crescente, correndo o risco de ultrapassar dois dígitos, o que seria desastroso", afirma.
O economista Alexandre Almeida, também da CM Capital, lembra que, nas últimas semanas, o varejo teve um aumento muito expressivo nas vendas, sendo que boa parte dele pode ser explicado pelo auxílio emergencial, sobretudo quando se trata da alimentação. Segundo ele, é possível perceber a recuperação do PIB em um ritmo gradual.
"Para 2021 o governo tem que retomar a responsabilidade com as contas públicas. Com o fim do orçamento de guerra e do auxílio emergencial, a renda oferecida que aumentou as vendas no varejo, tende a mostrar o choque da economia real. Depois dessa camada um pouco mais artificial que a renda emergencial ofereceu. Com isso, veremos os reais impactos para a economia do país. Projetamos que o PIB tenha um crescimento de 3% no ano que vem. Já o mercado espera 3,5% e, algumas casas mais positivas, em torno de 4%", explica.
Já o professor da FGV Mauro Rochlin complementa que ainda outros fatores a serem avaliados, dentre eles a manutenção ou não do auxílio emergencial. Com a retirada do auxílio emergencial, a alimentação, a domicílio e fora de casa, tende a ter uma contribuição deflacionária ou pelo menos projetar uma inflação muito menor.
Nesse cenário, ele acredita que o primeiro semestre de 2021 deve manter a inflação em alta, em torno de 5,5% e 6%. Porém, a medida em que o auxílio e o dólar forem reduzindo, a inflação acompanhará. "Acho que algumas incertezas pairam ainda no ar com relação a isso. Não sabemos se o auxílio emergencial vai acabar. Hoje existem pressões de várias naturezas para manutenção ou ao menos o pagamento dele com valor reduzido", comenta.
A economista-chefe da CM Capital, Carla Argenta, comenta que a expectativa é de uma inflação de 3,3% no país, em 2021. A casa projeta que a inflação fique abaixo da meta do Banco Central no próximo ano, que é de 3,75%, com margem de 1,5 ponto (de 2,25% a 5,25%). Já neste ano ela deve ficar em 4,5%. "Isso porque teremos a retirada do auxílio emergencial e a redução do impacto cambial, que deve cair a R$ 4,80", pontua.
TOMADA DE CRÉDITO DEVE ENCARECER
Ao mesmo tempo em que a inflação subiu em 2020, a Selic, taxa básica de juros, foi sendo cortada pelo Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central. Porém, de acordo com economistas ouvidos pela reportagem, no próximo ano, ela deve voltar a subir gradativamente, justamente como uma das medidas para o controle da inflação.
Para o economista Ricardo Balistiero a Selic será ajustada gradualmente e deve ficar entre 3% e 3,5% no segundo semestre de 2021. "Acredito que o Banco Central não deva agir rapidamente para realizar os cortes, mas sim esperar o primeiro semestre para ver como a inflação vai se comportar", avalia.
Já a economista Carla Argenta aponta que a taxa básica de juros deve encerrar 2021 em 2,75%, patamar considerado por ela como estimulante para a economia. Para a especialista, os ajustes devem ser feitos da mesma forma que ocorreram os aumentos da Selic ao longo de 2020 - 0,25 p.p. por reunião do Copom.
Ela lembra ainda que a redução da taxa básica de juros trouxe com ela um movimento de aumento das linhas de crédito imobiliário por meio dos bancos privados. "Hoje temos bancos oferecendo crédito a 6% ao ano. Isso deu força ao setor imobiliário. As pessoas passaram a adquirir crédito para reformas e compras", explica.
O coordenador de Estudos Econômicos do IJSN, Antônio Ricardo Freislebem da Rocha, complementa que o movimento do Banco Central fará com que a tomada de crédito fique mais cara. "Por um lado ela é necessária para combater a inflação, mas por outro ruim por isso. O governo tem que ir dosando esses aumentos para ver quais serão os efeitos na economia", comenta.
Este vídeo pode te interessar
LEIA MAIS SOBRE A INFLAÇÃO
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta.