Livia Manato e Mariella Caliman, nutrucionistas e sócoas da Artezanal
Livia Manato e Mariella Caliman, nutrucionistas e sócoas da Artezanal. Crédito: Ricardo Medeiros

Revolução da comida: novos hábitos mudam indústria de alimentos

Em busca de mais saúde ou por filosofia de vida, novas tendências de consumo provocam expansão de alimentos de origem vegetal. Na lista, hambúrguer de grão de bico e ervilha, mortadela de feijão e leite à base de vegetais

Publicado em 22/02/2020 às 12h10
Atualizado em 17/04/2020 às 11h49

Do pãozinho do café da manhã até a sobremesa após a janta, tudo isso livre de agrotóxicos, transgênicos, glúten, lactose, açúcares e gorduras trans. Nos últimos anos, cresceu a lista de alimentos considerados mais saudáveis por não possuírem em sua composição esses itens. O consumidor está mais exigente com aquilo que coloca no prato, mais consciente da origem do que consome e, principalmente, contribuindo para a revolução da comida.

As fábricas de industrializados estão se adaptando às novas necessidades e pedidos do público. Abatedouros começaram a produzir carne vegetal. Já os laticínios e padarias fazem produtos livres de leite e de trigo. Além disso, a busca por um novo modelo de alimentação fomentou novas empresas a já nascerem com esse DNA.

Segundo a empresa de pesquisas Euromonitor, o mercado internacional desses produtos faturou US$ 446 bilhões no último ano. O valor equivale a 30% da venda de todos os produtos industrializados. Os números são um reflexo tanto dos consumidores que vêm mudando seus hábitos de consumo - por necessidade, como a intolerância e alergia a alguma propriedade do alimento - quanto pela busca de uma alimentação mais saudável.

Mariella Caliman Monteiro é sócia da padaria Artezanal e explica que toda a produção feita no local é sem leite e sem glúten. Segundo a nutricionista, o número de pessoas que querem consumir esses produtos tem crescido. O carro-chefe são os pães mas, além deles, também são fabricados doces e salgados sem leite, glúten ou carne.

“O nosso maior público são os alérgicos à proteína do leite, principalmente mulheres que estão amamentando e que não podem consumir o leite de vaca por causa do bebê, que é intolerante a essa proteína”, conta.

 Clarisse Mendonça,  proprietária do Veganza, em Jardim da Penha . Crédito: Ricardo Medeiros
 Clarisse Mendonça, proprietária do Veganza, em Jardim da Penha . Crédito: Ricardo Medeiros

Já Clarisse Mendonça, proprietária da loja Chef Vegan, explica a importância das pessoas encontrarem um alimento saboroso e livre de um item do qual são intolerantes ou alérgicas.

Clarisse Mendonça

proprietária da loja Chef Vegan

"Na loja, temos um complexo vegano com mercearia, hamburgueria, confeitaria e sorveteria, tudo em um único espaço. Temos, por exemplo, sorvete sem leite de vaca, salgados que não levam carne e alguns chips - de batata-doce, banana, aipim e inhame - que são produzidos em Domingos Martins"

Ela acrescenta que essa diversidade possibilita que as pessoas consigam se alimentar da melhor maneira sem deixar de comer o que gostam muito.

Além das lojas especializadas, os alimentos “livres de” vêm ganhando as prateleiras do comércio tradicional. Hoje está cada vez mais comum se deparar com produtos a granel - como castanhas, farinhas e frutas desidratadas - nos mercados. Também tem se tornado comum ver no espaço das carnes alimentos 100% de base vegetal ou gôndolas com produtos exclusivos para intolerantes a um tipo de proteína ou derivado.

Renata Penna Lomba, sócia do restaurante Mãe Divina . Crédito: Carlos Alberto Silva
Renata Penna Lomba, sócia do restaurante Mãe Divina . Crédito: Carlos Alberto Silva

Nos últimos anos a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) vem realizando consultas públicas para revisão das atuais normas brasileiras para rotulagem. A intenção da mudança é facilitar a compreensão das informações nutricionais pelo consumidor.

Para isso, faz parte da proposta da agência deixar mais visíveis e legíveis os dados nutricionais nos rótulos, com letras maiores. Dessa forma, fica mais fácil fazer comparações entre produtos e reduzir situações que geram engano. Além disso, indicações de que o produto contém glúten ou lactose, também devem ser evidenciadas com a mudança. Em setembro do ano passado, duas novas consultas públicas foram autorizadas pela agência.

De acordo com a Anvisa, em breve, entrarão em vigor novas normas sobre a rotulagem nutricional de alimentos no país, mas ainda não há uma data prevista para que isso ocorra. Haverá um prazo de 42 meses para que elas sejam integralmente implementadas.

Hamburguer e comida mexicana vegana do restaurante Pura Bali . Crédito: Carlos Alberto Silva
Hamburguer e comida mexicana vegana do restaurante Pura Bali . Crédito: Carlos Alberto Silva

CARNE VEGETAL, MAS COM SABOR

Enquanto na área rural as produções orgânicas e agroflorestais crescem, na cidade, restaurantes, chefes de cozinha, microempreendedores e até grandes empresas da alimentação têm transformado itens de origem vegetal em carne e derivados “fake”. 

Um estudo do banco de investimento Barclarys mostrou que, em 2029, o mercado de carnes vegetais poderá chegar a um faturamento de US$ 140 bilhões por ano. O valor seria equivalente a 10% de todo o mercado de produtos convencionais - de origem animal. A evolução do mercado tem sido tanta que até a gigante Seara resolveu entrar na briga com o Incrível Burger, um vegetariano de soja disponível nos congelados dos supermercados.

US$ 140 BILHÕES

FATURAMENTO QUE O MERCADO DE CARNES VEGETAIS DEVE CHEGAR ATÉ 2029

Já a foodtech brasileira Fazenda Futuro, por exemplo, criou um hambúrguer vegetal que até “sangra” e é encontrado em alguns supermercados do país. Para imitar um preparado bovino, foi feito um estudo por dois anos a fim de desenvolver uma fórmula própria. Assim foi criado o hambúrguer à base de soja, grão de bico, ervilha, temperos naturais e beterraba, que é o que garante a cor de sangue.

Segundo a consultoria americana CB Insights, a produção de carne em laboratório consome 82% menos de água e emite 79% menos de poluentes do que a pecuária de corte. Vale ressaltar que algumas das maiores críticas à pecuária são o desmatamento para a criação de gado, o uso e contaminação da água e a emissão de CO2.

O engenheiro de alimentos e professor do Ifes de Venda Nova do Imigrante, Milton de Jesus Filho explica que a maioria dos grandes laboratórios de pesquisa já tem um grupo de profissionais voltado ao estudo e criação desses alimentos.

Milton de Jesus Filho

engenheiro de alimentos e professor do Ifes

"Hoje o desafio não é apenas desenvolver o produto, mas também saber como ele será aceito pelo mercado. Não adianta criar uma carne vegana ou sem gordura, o desafio é que ela tenha as características sensoriais, com sabor e textura próximas ao que o consumidor já conhece hoje"

Mais ousado do que fabricar carnes a partir de vegetais é a proposta de um grupo de cientistas finlandeses. No início deste ano, eles afirmaram produzir uma proteína “a partir do ar”. Ela é feita com bactérias provenientes do solo e alimentadas com hidrogênio extraído da água por eletrólise (decomposição dos elementos através de uma corrente elétrica).

A expectativa deles é de que este alimento chegue a concorrer com a carne de soja, mais popular, nos próximos dez anos. E a cartela de produtos tem ampliado. Assim como a carne com “suculência”, imitando sangue, é possível encontrar no mercado brasileiro ovo vegano, cujo principal ingrediente é o amido de ervilha, sem proteína animal.

O objetivo é substituir o ovo comum em receitas. Também há leite extraído do coco, castanha e amêndoas, e queijos vegetais de mandioca, batata e grão-de-bico, por exemplo. Além, claro, das opções livres de lactose. Há ainda os embutidos, como a mortadela feita com castanhas e feijão, e salsicha também de feijão e soja, veganas.

Hamburguer e comida mexicana vegana do restaurante Pura Bali. Crédito: Carlos Alberto Silva
Hamburguer e comida mexicana vegana do restaurante Pura Bali. Crédito: Carlos Alberto Silva

MUDANÇA DE HÁBITO

A chefe de cozinha e empreendedora Natassia Miranda da Silva, 32, começou a retirar carnes, ovos e leite da sua alimentação no fim de 2016. A mudança no hábito de consumo foi reflexo de um curso de culinária vegana que fez no Rio de Janeiro. Ela largou o Direito e decidiu se dedicar ao que era um hobbie, a culinária, e abrir o próprio negócio, o Pura Bali.

Natassia Miranda da Silva

chefe de cozinha

"No início, até trabalhava com carne, mas depois decidi tirá-la do cardápio de vez. Depois, no final de 2017, fui para Bali, na Indonésia, onde fiz um curso de culinária vegana crudívora, que só trabalha com comidas cruas. Voltei para o Espírito Santo e abri meu espaço em Vitória com foco nessa área"

A chefe diz que a demanda por alimentos mais saudáveis é crescente no Estado. Como as pessoas ainda gostam muito da chamada “junk food” - aquelas ricas em calorias e vazias de nutrientes, - alguns pratos que ela serve são inspirados nelas, como é o caso do hambúrguer e dos tacos mexicanos. Para transformá-los, substituiu a carne tradicional de ambos por uma base feita de grãos e leguminosas, como grão-de-bico e feijão.

Data: 14/01/2020 - ES - Vila Velha - Renata Penna Lomba, sócia do restaurante Mãe Divina. Crédito: Carlos Alberto Silva
Data: 14/01/2020 - ES - Vila Velha - Renata Penna Lomba, sócia do restaurante Mãe Divina. Crédito: Carlos Alberto Silva

Já Renata Penna Lomba, 48, é sócia de um restaurante vegano em Vila Velha, o Mãe Divina . Ela lembra que, quando o local começou a funcionar, há cinco anos, percebeu uma certa curiosidade e modismo por parte das pessoas com relação ao veganismo.

Renata Penna Lomba

sócia de um restaurante vegano em Vila Velha

"Mas depois de algum tempo, começamos a perceber que a clientela estava comprando a proposta de ter uma nova consciência e uma nova maneira de enxergar a alimentação "

Além de vegano, o restaurante procura servir apenas alimentos orgânicos. Entre os itens que produzem estão os leites vegetais de coco e de castanhas, a carne de jaca, a carne seca de cogumelos e versões veganas de pratos conhecidos como feijão-tropeiro, linguiça, feijoada e acarajé.

“O movimento aumentou muito com o tempo, cerca de 80% desde que abrimos. Percebemos, inclusive, que pessoas se tornaram vegetarianas e veganas com a influência do restaurante. Elas contam que tiveram melhora na saúde, nas taxas de colesterol ao fazer exames de sangue”, destaca.

VEJA ALGUNS ALIMENTOS

  • Leites vegetais: eles podem ter como base diversos tipos de vegetais e castanhas, como a castanha-do-pará, o coco, as amêndoas, a soja, a aveia, entre outros alimentos.
  • Queijos: os queijos “fake” não levam leite animal e, em alguns casos, também não são fermentados. Para dar consistência ao leite vegetal pode ser usado o pó de agar-agar (um tipo de alga). Ele é um substituto da gelatina e ótimo para dar consistência a doces e queijos.
  • Manteiga de nozes: já existem algumas manteigas de nozes no mercado, porém é bom consumir com moderação por causa do valor calórico.
  • Óleos diferenciados: Além do tradicional azeite de oliva existem outras opções de óleos como o de uva, girassol e o de amêndoas, por exemplo.
  • Carnes e embutidos: algumas empresas nacionais e internacionais, além de restaurantes, produzem sua própria receita de carne, hambúrguer, salsichas e afins. Algumas receitas levam favo de jaca verde no lugar da proteína da carne. Outras, são feitas com uma mistura de ervilha, soja e beterraba, ou ainda com soja.

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