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Sementes misteriosas têm fungos e podem trazer novas doenças ao país

Sementes misteriosas têm fungos e podem trazer novas doenças ao país

Pacotes com origem em países asiáticos estão sendo analisados pelo Ministério da Agricultura. Especialistas apontam para risco econômico e ambiental

Publicado em 5 de outubro de 2020 às 20:01

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Moradora de Vila Velha recebeu sementes junto com encomenda errada
Moradora de Vila Velha recebeu sementes junto com encomenda errada. (Reprodução)

Os pacotes contendo sementes que têm chegado aos lares brasileiros com mais intensidade nos últimos meses estão longe de serem inofensivos. Segundo especialistas, ainda que seja constatado que se tratam de plantas conhecidas como ervas e legumes, elas podem conter fungos, vírus ou bactérias capazes de exterminar plantações inteiras. Por outro lado, plantas invasoras, mesmo que saudáveis, podem encontrar no país ambiente favorável e se disseminar como pragas, aumentando a necessidade do uso de agrotóxicos nas lavouras, por exemplo.

O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) confirma, até o momento, o recebimento de 199 pacotes de sementes não solicitadas, todos originários de países asiáticos, como China, Malásia e Hong Kong, recebidos em 23 estados mais o Distrito Federal. Duas amostras do Espírito Santo já chegaram ao órgão. As sementes estão sendo submetidas a teste no Laboratório Federal de Defesa Agropecuária (LFDA) de Goiânia. 

O Mapa informou que ainda não há relatórios concluídos sobre as sementes em análise. Contudo, ao Fantástico, fontes informaram que já foram encontrados fungos em algumas amostras.

Na última terça-feira (29), uma maquiadora de Vila Velha recebeu uma encomenda desse tipo após fazer compras em um site que vende produtos internacionais, principalmente de fornecedores asiáticos.   Os pacotes que foi buscar no centro de distribuição dos Correios, além de não conterem os itens adquiridos, tinham alguns grãos embalados em plástico. Depois da publicação do relato, outras pessoas entraram em contato com A Gazeta relatando situações similares.

Após a embaixada do governo chinês afirmar que havia indício de fraudes na rotulagem dos pacotes, ganhou força a teoria de que os envios sejam parte de um esquema para que vendedores desses sites internacionais obtenham boas avaliações em remessas que nem sequer foram solicitadas. O golpe é chamado de "brushing" e consiste no envio de compras falsas (nesses casos as sementes) que geram, sem seguida, avaliações forjadas sobre os produtos que eles querem realmente vender, enganando os consumidores.

As sementes seriam utilizadas porque são pequenas e leves, o que torna o envio da remessa menos caro. Contudo, o risco para quem recebe é alto, já que mesmo o ato de descartar as sementes no lixo comum pode trazer consequências desastrosas.

"Independentemente da planta que for, os perigos são dois. Se for uma planta que não existe no Brasil, mesmo que seja saudável, aqui ela pode encontrar ambiente muito favorável e se desenvolver como praga. Para conseguir controlá-la será preciso usar mais agrotóxico nas plantações, o que não é uma coisa boa. O outro risco, que é ainda maior, é de que elas venham contaminadas com vírus, bactérias ou fungos e que possam contaminar as nossas lavouras aqui", explica o gerente de Defesa Sanitária e Inspeção Vegetal do Instituto de Defesa Agropecuária e Florestal do Estado (Idaf), Daniel Abreu.

O especialista citou como exemplo a fusariose raça 4, uma doença fúngica que devasta plantações de banana e que não existe ainda no Brasil, mas que já assola países como a Colômbia.

"Se essa doença entrar, pode esquecer plantio de banana naquele lugar. Na economia do Espírito Santo, a cultura da banana é muito forte, a gente exporta para muitos lugares. Se uma doença dessa entra, para de produzir as bananas, causa desemprego de muita gente e quebra toda uma cadeia comercial", aponta.

Entre 2015 e 2017, produtores de café do Espírito Santo tentaram barrar a entrada do café verde vindo de países como Peru e Vietnã. Além dos argumentos referentes ao prejuízo econômico da importação, eles temiam que os grãos pudessem trazer pragas de outros países, o que prejudicaria a cafeicultura local. O café verde não é a semente para plantio do café e sim o grão que não é torrado.

INTRODUÇÃO DE NOVAS ESPÉCIES PODE PROVOCAR EXTINÇÃO DE PLANTAS NATIVAS

Além dos danos graves ao agronegócio, a introdução de sementes desconhecidas também põe em risco o meio ambiente. Segundo a professora o departamento de Biologia da Ufes Viviana Borges Corte, a "competição" com a espécie exótica pode levar à extinção de plantas nativas.

"Quando as plantas exóticas chegam a um local novo elas vão competir por recursos com plantas nativas. Elas precisam vencer essa competição, sobreviver, se reproduzir e se dispersar. Algumas têm características mais agressivas em termos de estabelecimento. Elas podem, por exemplo, produzir toxinas que matam as outras que não estão acostumadas àquela estratégia", afirma.

Essa ameaça não se restringe a plantas vindas de países distantes. Até espécies nativas de uma determinada região do Brasil podem se transformar em uma praga em outra.

"Toda vez que a gente interfere de alguma forma no ambiente não tem como prever o que esse desequilíbrio pode provocar. As interações são muito complexas, não tem como dizer que vai se tornar uma praga e nem que não vai", salienta a professora.

O mesmo vale para pragas. Em Minas Gerais, por exemplo, existe uma doença que ataca lavouras de cítricos e que não existe no Espírito Santo. "Trazer sementes ou mudas de Minas para cá é perigosíssimo. Esses cuidados precisam ser tomados de qualquer lugar", aponta o gerente do Idaf.

NÃO PLANTAR E NEM JOGAR NO LIXO

Com o risco tão alto, a orientação dos especialistas e das autoridades fitossanitárias é para que a população não abra os pacotes de forma alguma, nem os descarte no lixo comum.

"Pelas imagens que têm sido divulgadas, algumas sementes são bem pequenas, quase como um pó. Até um vento pode espalhá-las.  E as sementes são estratégias de propagação das plantas. Se forem jogadas no lixo e encontrarem um local que tenha água e condição para sobreviver, elas também podem brotar", lembra a professora da Ufes.

A orientação para quem receber o material é que entre em contato com a Superintendência Federal de Agricultura do Espírito Santo ou o Idaf do seu município para providenciar a entrega ou recolhimento das sementes.

SEMENTES E MUDAS PRECISAM DE CERTIFICAÇÃO

A única forma de adquirir plantas de forma segura para instalar em casa ou no sítio é junto de produtores inscritos no Registro Nacional de Sementes e Mudas (Renasem), do Ministério da Agricultura. Esses produtores são obrigados a ter engenheiros e responsáveis técnicos que atestam a sanidade das sementes e fazem o devido tratamento nelas antes de plantar.  

A importação é fortemente regulada pelo Mapa e não pode ser feita por pessoas físicas. Em geral, é restrita a pesquisadores, que devem cumprir protocolos rígidos.

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"Para você ter uma ideia, os pesquisadores que viajam daqui para a África para estudar a monilíase do cacaueiro (doença que dá em plantas de cacau) precisam jogar as roupas e sapatos utilizados na pesquisa fora antes de voltarem ao Brasil.  Basta ter um pedaço de terra com esporos do fungo grudado na bota que já era", aponta Daniel.

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