Era 18 de junho de 2013 quando a pirâmide financeira conhecida como Telexfree começou a ruir. Naquele dia, há dez anos, a 2ª Vara Cível da Comarca de Rio Branco, no Acre, suspendeu os pagamentos e a adesão de novos contratos à empresa até o julgamento final das investigações envolvendo o então suposto esquema criminoso. A maior parte dos investidores ainda não conseguiu recuperar o dinheiro, mesmo após a falência ter sido decretada.
Os principais chefes da Telexfree, Carlos Wanzeler e Carlos Costa, já condenados em primeira e segunda instâncias, atualmente recorrem em liberdade contra os processos que enfrentam na Justiça.
A Ympactus Comercial, que fazia a representação da Telexfree no país, começou a atuar em território brasileiro em 2012, quando a empresa, criada pelo brasileiro Carlos Wanzeler e pelo americano James Merrill em 2002, começou a oferecer planos de telefonia pela internet, o chamado VoIP.
A empresa, que dizia lucrar muito com o setor, também passou a prometer bons retornos financeiros na revenda dos pacotes de telefonia e colocação de anúncios na internet. Para se tornar um “divulgador”, o interessado precisava pagar uma taxa de adesão de US$ 50, que permitia a compra dos pacotes com desconto para que pudesse revender.
Mas, além da própria revenda, a promessa era de que, para lucrar, também era necessário estimular os compradores a se tornarem revendedores. Ou seja, era preciso atrair mais compradores/divulgadores, que, sem saber, pagavam pela remuneração dos clientes mais antigos. Em dado momento, o número de divulgadores chegou a um milhão de pessoas — a maioria das quais nunca recuperou o dinheiro aplicado no esquema. A cifra devida chega a pelo menos R$ 2 bilhões.
Em 2013, o Ministério Público do Acre solicitou a proibição das atividades da empresa no país e bloqueou as contas dos sócios, sob o argumento de que o faturamento da empresa também vinha dos investimentos de quem entrava no negócio, e não dos serviços de telefonia.
Esquema global
A Telexfree também era alvo de investigações nos Estados Unidos, onde as apurações apontaram que a empresa havia faturado pelo menos US$ 1,2 bilhão (R$ 2,7 bilhões no câmbio da época, e R$ 5,8 bilhões no atual) em todo o mundo.
Para se ter ideia, Wanzeler tinha mais de 30 apartamentos e casas naquele país, além de lanchas e carros de luxos, de acordo com a SEC, xerife do mercado de capitais americano. Lá, os bens também foram tomados pela Justiça para o pagamento das vítimas.
Patrocínios
Mesmo com as atividades suspensas, os escândalos envolvendo a Telexfree continuaram. Em 2014, por exemplo, a empresa chegou a patrocinar o Botafogo, time de futebol do Rio de Janeiro, e um show do ex-Beatle Paul McCartney no Espírito Santo, financiado com a ajuda de laranjas.
Falência decretada
A empresa foi considerada culpada pela prática de pirâmide financeira, condenada a pagar R$ 3 milhões de indenização por danos morais coletivos, e a devolver toda a quantia investida pelos seus antigos divulgadores — o que, na maioria dos casos, não ocorreu.
Nesse contexto, a Telexfree, que tinha sede em Vitória, teve a falência decretada em setembro de 2019, pela Justiça do Espírito Santo.
Questionada sobre as medidas que vêm sendo tomadas para ressarcir os credores, a Laspro Consultores Ltda., administradora judicial da empresa no processo de falência, informou que a ação se encontra em fase de arrecadação e avaliação de ativos da massa falida (Telexfree). Somente encerrada essa etapa será feito o rateio.
"Cabe esclarecer que, por meio do processo de falência, os investidores, divulgadores ou credores da Ympactus Comercial S/A podem pleitear a inclusão ou retificação de seus créditos, conforme procedimentos previstos na Lei 11.101/2005."
Mais de 1 milhão
de brasileiros investiram na Telexfree
Dívidas
A dívida ativa da Telexfree — registrada no Brasil como Ympactus Comercial — alcança, atualmente, a cifra de R$ 5,79 bilhões, segundo dados do governo federal.
Apenas a dívida previdenciária ultrapassa R$ 2,12 bilhões, enquanto outras dívidas tributárias chegam a R$ 3,54 bilhões. Os demais débitos com a União somam mais de R$ 12,37 milhões.
A dívida com ex-divulgadores, por sua vez, soma mais de R$ 2 bilhões. Ainda hoje, os credores continuam ingressando com ações judiciais tentando reaver as somas aplicadas. Há decisões favoráveis.
Prisões
Em dezembro de 2019, Carlos Wanzeler e Carlos Costa foram presos pela Polícia Federal no Espírito Santo por cometerem irregularidades através da empresa.
Eles estariam usando recursos da pirâmide em negócios em nome de terceiros para ocultar patrimônio das autoridades, segundo os órgãos investigadores, mas eles ficaram apenas um dia na cadeia e deixaram o presídio em Viana.
Em fevereiro de 2020, porém, Wanzeler voltou para a prisão por determinação, dessa vez, do STF, a pedido dos Estados Unidos, que haviam solicitado a extradição do empresário. Ele teve a extradição liberada pela Justiça em setembro daquele ano.
No mês seguinte, o ministro Marco Aurélio suspendeu temporariamente a medida, após um apelo da defesa, que pediu a rescisão da regra que levou à perda da nacionalidade brasileira do empresário, que tentava voltar a ser naturalizado no Brasil. Ele havia adquirido cidadania norte-americana em 2009.
Condenação e soltura
Em maio de 2020, os dois sócios foram condenados pela Justiça Federal a 12 anos e 6 meses de prisão, cada um, por gestão fraudulenta de instituição bancária e por operá-la sem a devida autorização pela empresa, que era, segundo a Justiça, uma pirâmide financeira.
Apesar da condenação, Carlos Costa não foi para a prisão, já que ainda se trata de uma decisão em primeira instância.
Wanzeler, que já estava preso, só foi solto em agosto de 2021, quando passou a responder ao processo penal em liberdade no Brasil. A revogação da prisão foi concedida pelo ministro Ricardo Lewandowski, do STF, considerando a decisão do então presidente Jair Bolsonaro (sem partido) de que a extradição somente poderá ser executada após a conclusão dos processos penais no Brasil ou do cumprimento dessas penas.
Como a prisão do empresário capixaba era motivada para fins de extradição, o magistrado entendeu que ele poderia responder em liberdade.
Luta para não ser extraditado
Wanzeler, que há vários anos obteve a cidadania americana e também responde a ações criminais nos Estados Unidos, atualmente já não está sob risco de extradição. No ano passado, por meio de um recurso administrativo junto ao Ministério da Justiça, obteve a cidadania brasileira provisória, conforme explicou o advogado Rafael Lima.
“Agora estamos em processo dentro do consulado americano para que ele possa abdicar da cidadania americana e readquirir a brasileira. Ele tem seis meses para fazer esse processo. A partir do momento em que readquiriu, ainda que provisoriamente, a cidadania brasileira, não pode mais ser extraditado.”
Processos
Atualmente, as ações que levaram à condenação dos empresários em 1ª Instância estão em fase recursal. “Foram condenados em alguns processos, absolvidos em vários outros. E todas as condenações estão em recurso”, explicou o advogado.
No âmbito do Tribunal Regional Federal (TRF) da 2ª Região, diversas penas privativas de liberdade foram redimensionadas, havendo, ainda, alterações quanto às multas criminais impostas aos réus, conforme esclareceu o Ministério Público Federal no Espírito Santo. O TRF2 também foi questionado, mas não se manifestou até a conclusão desta reportagem.
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