Há um mês, no dia 30 de dezembro de 2020, a diarista Chirley Janey Souza Correia, 47 anos, teve seu apartamento destruído pela queda de uma caixa-d'água no Condomínio São Roque II, em Cariacica. A casa, para onde havia se mudado havia menos de uma semana, ficou completamente destruída. Hoje, ela vive de favor na casa de parentes e só quer saber quando voltará para o seu tão sonhado apartamento.
Chirley Janey Souza Correia
Diarista
"A única proposta que a construtora me deu, quando tudo aconteceu, foi a de ficar em um quarto de hotel. Para mim não dava, pois tenho um filho com síndrome de down e ficar com dentro de um quarto de hotel fechado não é possível. Eu tentei ver se eles pagavam o aluguel social, mas até agora nada"
Assim como a Chirley, diversos moradores dos Residenciais São Roque I e II, atingidos direta ou indiretamente pela queda de duas torres-d'água, cobram respostas. Eles temem que elas não cheguem tão cedo.
A Gazeta entrou em contato com os envolvidos no acidente, seja na parte de engenharia, de fiscalização e cobrança e no financiamento do empreendimento. São eles:
- Cobra Engenharia - empresa que construiu o residencial São Roque;
- Camarço Reservatório - empresa paulista fabricante das caixas-d'água que caíram;
- Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Espírito Santo (Crea-ES) - autarquia responsável por fiscalizar o exercício da engenharia;
- Caixa - financiadora da obra através do programa Minha Casa Minha Vida;
- Defesa Civil de Cariacica - órgão municipal responsável pela resposta e prevenção de catástrofes;
- Polícia Civil - que investiga a morte de um trabalhador durante o acidente;
Nenhum dos mencionados acima conseguiu responder o que de fato aconteceu para que as duas torres-d'água, de mais de 15 metros cada uma, caíssem às vésperas do ano novo. Porém, o Crea-ES afirmou, em nota divulgada na última sexta-feira (29), que fará uma nova vistoria no local do acidente ao meio-dia deste sábado (30) e que, na ocasião, falará a respeito do relatório final que está produzindo. (Confira as notas, na íntegra, com o que cada um diz e o que foi perguntado, no final desta reportagem)
Os Residenciais São Roque I e II, em Padre Gabriel, Cariacica, onde Chirley e outras centenas famílias moram, foram inaugurados no dia 14 de dezembro, após quase três anos em obras, e custaram mais de R$ 40,6 milhões. Na ocasião, o ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, veio ao Estado para a cerimônia.
As unidades de dois quartos cada, atendem pessoas de baixa renda que se enquadram na Faixa 1 do programa Minha Casa Minha Vida, que é composta por famílias mais carentes, que têm renda mensal de até R$ 1,8 mil.
Do total de apartamentos, 40 unidades do bloco 6 do Residencial São Roque I e cinco do São Roque II foram interditadas devido ao acidente. Os moradores tiveram que deixar seus lares.
Até este sábado (30), 20 apartamentos do bloco 6 do Residencial São Roque I foram liberados e as famílias voltaram às suas casas. Foi sobre ele que uma das torres d'água caiu e ficou apoiada por dias, até que fosse feita a retirada.
A outra torre-d'água que desabou foi ao chão, destruindo parte da lateral do bloco 5 do São Roque II. A previsão da Cobra Engenharia é de que a reconstrução das unidades atingidas seja concluída em 12 de fevereiro. Até lá, as 20 famílias devem permanecer fora de casa.
É nesse bloco que a Chirley morava. Após o acidente, o apartamento número 104, localizado no primeiro andar, ficou completamente destruído e os móveis novos viraram entulho. "Eu não estou confiando em nada não. Só quero ter a minha casa de volta", desabafa.
Para a autônoma Débora Mikaela Barbosa, 29 anos, moradora do bloco 3 do São Roque II, que fica ao lado do atingido pela queda da caixa, há um "jogo de empurra" em relação à responsabilização pelo acidente.
Débora Mikaela Barbosa
autônoma
"O medo ainda tem, porque tem apartamento apresentando rachadura depois da queda das torres-d'água. Se batem uma porta, a gente já se assusta. Têm crianças fazendo tratamento com psicológico e adulto também por causa do que aconteceu. O susto que tomamos é difícil e vai demorar um pouco até passar"
Por nota, a Cobra Engenharia informou que "os danos que, por ventura, tenham sido causados pela queda dos castelos, serão tratados com o cuidado necessário. O diálogo será feito de forma individual, respeitando cada demanda".
PROBLEMAS COM A ÁGUA
O sistema de abastecimento de água do condomínio São Roque só foi totalmente restabelecido no dia 10 de janeiro. Enquanto isso, a construtora instalou caixas-d'água provisórias onde os moradores tinham que buscar água com baldes. Depois de reclamação de sobre a qualidade da água, a empresa passou a fornecer galões de 20 litros de água potável para as famílias.
De acordo com a empresa, ela só começou a trabalhar na solução da questão após concluídas as perícias e a retirada completa das estruturas, que foi concluída no dia 6 de janeiro, após perícias serem realizadas.
UMA PESSOA MORREU NO ACIDENTE
Além de deixar dezenas de moradores desabrigados e desalojados, a queda das caixas-d'água causou a morte de um homem. Jucelino Roncon, trabalhava na manutenção de uma das estruturas no momento do acidente. Ele chegou a ser socorrido, mas morreu no dia seguinte. De acordo com familiares, a vítima sofreu traumatismo craniano.
De acordo com a Polícia Civil (PC), o Inquérito Policial sobre a morte do trabalhador está em andamento na Delegacia Especializada de Acidentes de Trabalho (DEAT) e as investigações estão avançadas. A PC afirmou que diversas diligências foram realizadas, bem como a coleta de depoimentos.
"A Delegacia aguarda a conclusão de laudos periciais da própria Polícia Civil, bem como de outras instituições, tais como Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura (Crea-ES), Caixa Econômica Federal, da própria construtora e de uma empresa independente, que também comporão o inquérito policial. Outras informações não serão repassadas para que a apuração dos fatos seja preservada", informou em nota.
UM MÊS SEM RESPOSTAS
Desde a primeira semana de janeiro, as causas do acidente vêm sendo investigadas tanto pela Cobra Engenharia, quanto pela fabricante das caixas, a Camarço Reservatórios, e pelo Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Espírito Santo (Crea-ES).
A Cobra Engenharia informou que o prazo para conclusão do laudo é de 30 a 60 dias, desde a data de perícia, que ocorreu na primeira semana de janeiro. Já o Crea-ES aguardava resposta da Camarço Reservatórios para concluir e dar publicidade ao lado produzido pela sua equipe. Segundo a entidade, o relatório da fabricante chegou nesta quinta-feira (28).
A Gazeta procurou a Camarço, pela primeira vez para esta reportagem no dia 27 de janeiro. A empresa foi demandada por telefone e por e-mail. Na ocasião, uma funcionária disse que não havia nenhum responsável pela companhia no momento que pudesse atender. Em seguida, os questionamentos foram enviados para um endereço de e-mail informado pela funcionária e para outro endereço disponível no site da empresa.
Nesta sexta-feira (29), a reportagem ligou novamente para a empresa, porém, quem atendeu se identificou como esposa do caseiro e informou que não havia mais ninguém no escritório. Segundo ela, só seria possível falar com a Camarço na segunda-feira (1º/2). Até o momento, também não houve resposta por e-mail.
Já a Cobra Engenharia afirmou por nota que "sobre laudos como já informado anteriormente, levam 30 a 60 dias para ficarem prontos". Os dias são contados a partir da data da perícia, que ocorreu na primeira semana de janeiro.
A Cobra também informou que a Gerência de Habitação Social da Prefeitura de Cariacica acolheu a solicitação da moradora Chirley Janey Souza Correia e conseguiu junto com a Caixa um imóvel novo no condomínio São Roque em uma torre afastada do local onde ficavam os castelos d’água no primeiro andar, como solicitado, mas a moradora não aceitou a troca e informou que desistiu do pedido e quer esperar a reforma do apartamento dela ser concluída.
O Crea-ES realizou no sábado (30) mais uma vistoria técnica nas obras de recuperação dos reservatórios do Residencial São Roque e dará informações sobre o laudo que apontará as causas e os responsáveis pelo acidente. De acordo com a autarquia, as caixas-d'água tinham "erros gritantes" de construção. A versão final do documento deve ser divulgada dentro de 15 dias.
Caixas-d'água desabam de prédios em Padre Gabriel, Cariacica
AS PERGUNTAS SEM RESPOSTA E OS POSICIONAMENTOS DOS ENVOLVIDOS
(Com informações de Caique Verli / A Gazeta)
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