No princípio, uma escola para meninos em vulnerabilidade social. Hoje, uma instituição com 22 campi no Estado, oferecendo de cursos técnicos a mestrados. De uma ponta a outra, são 110 anos de história que constituíram o que hoje é conhecido como Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes). Mais do que um registro no tempo, é um lugar que formou inúmeras gerações e traz as marcas de todas as transformações da Educação. Das conquistas aos cortes de verbas federais.
É o que contam alunos e ex-alunos da instituição. “Essa escola me abriu horizontes muito grandes. Me mostrou que o mundo era aquilo que a gente queria ser”, declarou, emocionado, o engenheiro Roberto Ceolin Stefanon, 69 anos. Ele ingressou na instituição em 1971, e lembra com entusiasmo até do hino da escola, que afirma saber “de cor e salteado”.
MULHERES
A ex-aluna Yamara Nascimento, de 63 anos, estudou na primeira turma da instituição em que foi permitido o ingresso de mulheres, também em 1971. Fez o curso de Edificações, e relembra como foi a recepção. “As lembranças são muito boas e por ser a primeira turma feminina tivemos um destaque muito grande porque tudo era novidade e a escola foi adaptada para nos receber.”
Sobre o ensino da época, Yamara cita a dedicação que os alunos precisavam imprimir para dar conta das cobranças. “Me perdi um pouco no começo. Eu era aluna exemplar de onde eu vinha, de menção honrosa todo mês, cheguei aqui e tirei 3 na prova de Física. Entre em desespero.”
A presença feminina na Escola Técnica foi uma conquista para a época. Ex-aluna do curso de Estradas, formada em 1973, Maria Galdina, relembra o preconceito que vivenciou ao se formar. Situação que não a desanimou. Insistente, trabalhou como desenhista em grandes empresas de construção civil, atuou até na obra da Terceira Ponte.
“Fiquei 10 meses para conseguir um estágio porque nenhuma empresa queria me deixar trabalhar como topógrafa sendo mulher. Aí que fui sentir o peso de ser mulher. De não poder fazer aquilo que queria. O mercado era formado por homens”, recorda-se.
SEM TECNOLOGIA
Estudante desde do ginasial em internato na década de 1960, o aposentado Ancelmo Rodrigues, 68, descreve seu tempo de estudo na biblioteca sem nenhum recurso tecnológico. Entre os objetos de pesquisa, a famosa enciclopédia Barsa.
“Não tínhamos o Google para pesquisar, não tínhamos internet. Então tivemos que procurar a biblioteca da escola. O trabalho era em equipe e na mão. Hoje houve evolução. Então, o ensino também modificou, se transformou. Não era dificuldade, mas fomos forçados a procurar”, ressalta.
Ancelmo ainda se refere às competições esportivas de que participou. “A Escola Técnica também era líder no esporte, tanto no Estado quanto no Brasil. Havia os Jogos Estudantis Brasileiros e a escola foi campeã por três vezes”, frisa.
TRANSFORMAÇÕES
Se a década de 70 foi marcada pela inserção das mulheres no ensino técnico industrial, no anos 90 outras transformações contribuíram para a formação dos jovens, inclusive como cidadãos. Com a Constituição Federal recém-promulgada, a liberdade de expressão ganhou as ruas e os estudantes da escola técnica fizeram parte dessa história.
A ex-aluna Simone Oliveira Vasconcelos, 43, participou de diversos protestos, como os dos caras-pintadas que reivindicavam a saída do então presidente da República, Fernando Collor de Mello, em 1992. Ela cita que o espaços de vivência foi essencial para mobilização estudantil naquele momento, diferente de hoje em que os debates estão no meio digital.
“A tecnologia da informação hoje é muito rápida. Na época que estudávamos, não tínhamos celular, a comunicação na ponta dos dedos. Como a informação demorava para chegar, discutíamos muito, havia mais debates. O debate era mais rico porque nos aprofundávamos mais no assunto. Fosse política, fosse uma disciplina”, pontua.
COTAS
Nos últimos anos, mais mudanças marcaram época com a implementação de ações afirmativas, como cotas raciais e as voltadas a estudantes de baixa renda da escola pública. Uma forma de inclusão, na avaliação de Luiz Augusto, 22 anos, estudante de Segurança do Trabalho e presidente do grêmio estudantil.
“O processo de ações afirmativas foi de grande importância porque trouxe para o Ifes uma parcela da população que nunca esteve presente nesse tipo de espaço. Garantiu que o nosso entorno, por exemplo, que é periférico, pudesse também participar desse espaço, pudesse ter sua formação profissional garantida”, valoriza.
Ao longo dos 110 anos, a instituição cresceu não apenas em tamanho - de uma unidade, no Centro de Vitória, para 22 campi no Estado - mas também ganhou escala nas referências de toda a sua trajetória. Hoje, é uma das melhores escolas do país no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e seus alunos colecionam, entre outras conquistas, medalhas em Olimpíadas de Matemática, Língua Portuguesa e Astronomia.
CONTRIBUIÇÃO
Para o reitor Jadir Pela, também ex-aluno, seja na formação técnica, seja na de nível superior, a instituição tem uma enorme contribuição para a vida profissional e em sociedade das pessoas. “É uma instituição que sempre foi atual, dinâmica, que não perde a relação com o desenvolvimento, com a ciência, com o mundo do trabalho”, aponta.
Jadir se emociona ao falar da história da instituição, da qual participa há 45 anos, e ressalta o propósito de manter a qualidade do ensino, mesmo num momento crítico como o atual de cortes de verbas impostos pelo Ministério da Educação (MEC). “Independentemente do momento, a gente produz muito.”
E esse envolvimento com a instituição é visto tanto entre alunos que passaram ou ainda estão ocupando uma cadeira no instituto, quanto no meio de professores.
José Maurício Rodrigues, 72, dá aulas de instalações elétricas e é servidor desde 1971. Antes, havia passado sete anos como aluno. O professor da ativa mais antigo, hoje também é ouvidor do Ifes e atribui à oportunidade que teve de estudar na escola técnica o rumo que sua vida tomou. “Tive amizades que não me levariam a um bom lugar. Quando comecei a estudar aqui, minha vida mudou. Devo muito à instituição e me dedico a ela”, ressalta o professor que só pretende deixar o Ifes aos 75, na aposentadoria compulsória.
Na docência, os jovens também se destacam, como Lauro Sá, 27. Ex-aluno de licenciatura em Matemática, ele aplica o que aprendeu dentro da própria instituição, onde ingressou como professor por concurso aos 21. Além da sala de aula, Lauro se dedica a pesquisas e valoriza cada passo de sua caminhada por lá. “Com o tanto que aprendi no Ifes, o certo é que devolva também para a instituição”, finaliza.
Este vídeo pode te interessar
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta.