Os anos 1970 e 1980 foram considerados a "Era de Ouro do Carnaval Capixaba". Na época, havia cerca de 40 escolas de samba reunidas em quatro grupos. Em 1987, chegava o Sambão do Povo, em Vitória, o segundo do gênero a ser inaugurado no Brasil, apenas três anos após a Marquês de Sapucaí, no Rio de Janeiro. O governo do Estado organizava a folia, que era coordenada pela extinta Emcatur. O samba progredia impulsionado com a ideia de progresso, em uma visão voltada para o estímulo do turismo.
A crise econômica e política dos anos 1990 trouxe a decadência do carnaval no Estado. Devido à falta de recursos, e especialmente o descaso das instâncias públicas, os desfiles deixaram de acontecer por cinco anos, entre 1993 e 1998. O hiato foi crucial para o fim de algumas agremiações que deixaram saudades, como a Santa Lúcia (duas vezes campeã, em 1967 e 1972), Acadêmicos de Monte Belo, Lira do Moscoso, Originais do Contorno, Pulo do Gato, Unidos da Penha e Vai Quem Quer, só para citar as ausências mais sentidas.
"O que aconteceu foi um enfraquecimento do samba capixaba em proporções que possuem reflexos até hoje", garante o historiador e mestre em Estudos Urbanos e Regionais Marcus Vinicius Sant'Ana. De acordo com o especialista em carnaval, parte da essência das escolas foi perdida e muitas agremiações não tiveram condições estruturais, e nem mobilização social, para prosseguir.
"Houve uma espécie de ruptura em muitas comunidades. Das escolas ainda existentes, apenas a Unidos de Jucutuquara e a Unidos da Piedade mantiveram suas atividades durante o início dos anos 1990. A Piedade fazia ensaios e feijoadas no intuito de manter os integrantes mais próximos. Muito se deu graças à liderança do Mestre Edu, seu antigo mestre de bateria", relembra.
"Por sua vez, a Jucutuquara seguiu graças à ânsia dos componentes em não deixar o samba morrer, tanto que chegaram a criar o Bloco da Coruja, que atravessava as ruas do bairro enquanto o desfile estava parado", complementa.
Marcus Vinicius ressalta que fatores externos, como o aparecimento do Vital, em 1994, também podem ter influenciado a extinção de algumas escolas. "Temos exemplos como o da Mocidade da Praia, duas vezes campeã (em 1981 e 1984) e que viu grande parte de seus integrantes em bairros como a Praia do Canto, Jardim da Penha, Jardim Camburi e Mata da Praia, em Vitória, buscando outra forma de brincar o carnaval. Só em 2017 eles conseguiram retornar", pontua.
O historiador ressalta a ausência da Amigos da Gurigica (que venceu a competição do grupo especial por cinco vezes) como uma das perdas mais sentidas para o samba capixaba. A escola foi extinta no final dos anos 1980. "Foi uma das agremiações mais inovadoras do Estado, até porque tinha Coronel Hélio como presidente e contava com o aporte do governo militar", informa, detalhando que muitas pessoas acompanhavam os desfiles para ver o tradicional surdo de seis metros, que a plateia chamava carinhosamente de "gurigicão".
"Eles também tinham o suporte da Beija-Flor de Nilópolis e foram os primeiros a se apresentar com carros de som. O fim do governo militar acabou enfraquecendo a escola", acredita, informando que boa parte dos componentes migrou para a Pega no Samba, com sede em Consolação, bairro vizinho.
Outra ausência ressaltada pelo estudioso é a escola de samba Santa Lúcia. "Tinha invejável força junto à comunidade, fazendo desfiles empolgantes e tecnicamente muito bons. Sua estrutura veio das batucadas e contava com a influência do Santa Cruz FC , que ficava no mesmo bairro. A fusão samba com futebol sempre deu muito certo e fez com que a Santa Lúcia se sobressaísse no carnaval por muitos anos", conclui.
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta