Junte o frescor das ideias da adolescência com a vontade de fazer a diferença. Misture a isso preocupações com problemas sociais, políticos e ambientais. A combinação tem inspirado muitos meninos e meninas de todo o mundo a serem protagonistas de projetos positivos para o bem da sociedade em que estão inseridos.
As atitudes dos adolescentes para gerar mudanças podem ganhar as mais diversas formas, desde o engajamento em trabalhos voluntários até na participação em organizações políticas, projetos ambientais, culturais e sociais.
No auge dos seus 16 anos, a sueca Greta Thunberg é a representação mais atual da força dos jovens. Ela virou referência mundial no ativismo contra as mudanças climáticas.
Tudo começou em 2018, quando a menina deixou de ir à escola para protestar com um cartaz, sentada em frente ao Parlamento da Suécia. Inicialmente solitária, a manifestação de Greta foi ganhando adeptos e reuniu mais de um milhão de crianças e adolescentes em mais de 100 países, tudo para que os líderes políticos dessem atenção aos cuidados com o meio ambiente.
Esse protagonismo juvenil não está representado apenas no exterior. No Espírito Santo, adolescentes atuam como multiplicadores de lutas contra a violência, contra o racismo, em defesa do meio ambiente e dos animais, além de encabeçarem projetos sociais.
A Gazeta entrevistou seis jovens com histórias inspiradoras que tomaram para si responsabilidades, em grande ou pequena escala, mas que possuem um só propósito: mobilizar para transformar. Um deles é Carlos Alberto Pereira da Silva Chacrinha, de 17 anos, morador do Jaburu, em Vitória. Com apenas 11 anos, ele conseguiu trazer para a sua comunidade um projeto que ensina jiu-jítsu para crianças e adultos. Antes aluno, Carlinhos - como é conhecido - hoje ensina e coordena as oficinas.
“O jovem tem visão social e pensa no amanhã. A gente dá conta de estudar, de ver amigos, mas também de fazer algo pelo próximo, pelo todo”, diz o estudante, que também é integrante ativo do Fórum Estadual da Juventude Negra (Fejunes) e do Fórum da Juventude do Território do Bem, que abriga nove comunidades da Capital. Um dos desafios de Carlinhos é ajudar a informar os jovens negros sobre seus direitos e como podem ter acesso a eles. “A informação demora para chegar ao jovem que mora no alto do morro”, resume o rapaz, que surpreende pela maturidade com que se expressa.
EMPODERAMENTO
Atualmente, percebe-se que a adolescência tem voz e se empodera a cada dia, opina Ana Carolina Fonseca, Oficial de Participação de Adolescentes do Unicef. “A adolescência possui características próprias como a formação da identidade, quando se está experimentando o mundo, além da conexão de rede, onde busca-se estar em grupo e criar vínculos. Outra característica é o desenvolvimento da autonomia, na qual o adolescente se afasta do universo familiar e passa a tomar decisões.”
Para Aline Passos de Oliveira, gerente de promoção de Cidadania da Secretaria de Direitos Humanos, os adolescentes que participam de maneira mais ativa no meio social estão exercitando a cidadania. “É uma oportunidade para mudarem o agora e para serem adultos mais conscientes de seus deveres”, observa Aline, que também é membro do Observatório Capixaba de Juventude e do Conselho Estadual da Criança e do Adolescente.
COMO COMEÇAR?
Os adultos podem plantar ideias desde cedo nas crianças para que se tornem adolescentes ativos na esfera pública. Seja no núcleo familiar, comunitário, religioso ou em qualquer grupo com objetivos afins, os jovens podem colaborar com melhorias de vida de todas as gerações. “Vale sugerir ações como doar brinquedos, roupas que não usam mais e, claro, ensinar a se importarem com o outro”, observa Aline Passos.
Para quem já tem entre 12 e 18 anos, a ideia é simples. “Pode ser um projeto com amigos, voluntariado, participação em associação de moradores, grêmio estudantil e grupos da igreja, onde se trabalha fé e caridade. O foco é desenvolver aptidões que movam os demais ao redor, despertando os valores de cidadania e a descoberta de que são sujeitos de direito e de deveres”, acrescenta.
Outra dica é saber quais são os desafios do dia a dia. O objetivo é responder à pergunta “sobre o que queremos falar?”. A resposta pode ser o lixo no mar, defesa de animais, meio ambiente, combate ao racismo, à violência, entre outros. A partir do tema que eleger como desafio, o jovem começa o processo de aprendizagem. Ele pode pesquisar redes de serviços da cidade e conhecer sobre o direito de participação nesses temas, que estão dispostos no Estatuto da Criança e do Adolescente e na legislação.
“Isso irá deixá-lo seguro sobre seus ideais. Sugiro que busque apoio em pessoas que abracem a causa junto dele, como um padrinho”, diz Ana Carolina, do Unicef. Ela também orienta criar rede de contatos com colaboradores. “Não tem fórmula pronta. O primeiro passo para ajudar a transformar a própria vida e a dos demais é conhecer seus direitos”, conclui.
POLÍTICAS PÚBLICAS PARA JOVENS NEGROS
Na identidade, ele é Carlos Alberto Pereira da Silva Chacrinha, mas no Jaburu, em Vitória, ele é apenas o Carlinhos, de 17 anos. Com bom humor, sorriso fácil e fala rápida, o adolescente divide o dia entre as aulas do 3º ano do ensino médio com o cargo de diretor de comunicação do Fórum Estadual de Juventude Negra (Fejunes) e de coordenador de comunicação do Fórum de Juventude do Território do Bem, que abriga nove comunidades da Capital: Jaburu, Floresta, Gurigica, Bonfim, Consolação, São Benedito, Bairro da Penha, Itararé e Engenharia.
O viés de protagonista social de Carlinhos começou quando ele ainda era apenas um aluno de um projeto social de jiu-jítsu. Aos 11 anos, a indignação bateu à sua porta. “Eu tinha que atravessar dois bairros para chegar ao projeto. Eu já era auxiliar do professor, chorei e disse que outras pessoas queriam participar no meu bairro e, assim, montamos uma turma um ano depois, em um espaço de uma igreja próximo ao mirante do Jaburu”, conta o garoto.
Atualmente, 20 crianças e 30 adultos fazem aulas de luta marcial, entre eles o próprio Carlinhos, que se tornou o coordenador do projeto. Mas ele quer fazer muito mais. O estudante quer dar visibilidade às aspirações de jovens da comunidade onde vive e da região vizinha.“A informação demora para chegar ao jovem que mora no alto do morro, como demorou para mim. Um jovem que não tem esse engajamento, não consegue ter informações sobre seus direitos, temos potências dentro das comunidades, queremos desenvolver os ideais de pertencimento, territorialidade e potencialidade do lugar onde vivemos”, fala com propriedade o estudante.
No Fejunes, o garoto busca, com outros jovens, criar sugestões de políticas públicas voltadas para a juventude negra. O desafio é levar para essa camada da população o conhecimento sobre seus direitos e como ter acesso a eles.
“Debatemos saúde, educação e segurança no último encontro estadual. O objetivo é entregar as ideias para o governador Renato Casagrande para que ganhem efetividade”, explica Carlinhos, que impressiona pela maturidade com que se expressa ao falar dos seus planos. O rapaz concilia todos os eventos com o Varal de Ideias, base para projetos desenvolvidos no Território do Bem, que mobiliza as comunidades. E, ainda, dedica-se à escola.
“Verdade que pareço cansado na escola, mas esse ano acaba. Pretendo fazer curso técnico e depois faculdade de Pedagogia, provavelmente. Ainda tenho namorada, que me acompanha nas ações sociais e, de vez enquanto, meu tio cobra a minha presença em casa. Mas dá para dar conta de tudo sim”, conta o adolescente entre risos.
MEIO AMBIENTE E SOLIDARIEDADE
Brenda Torres Martins Fonseca, 14, também dá uma lição de contribuição pelo bem comum. “O mundo precisa de gente que se preocupa com o próximo”, diz a moradora de Jardim Camburi, bairro onde surgiu o projeto Unidos pela Sociedade, apelidado de Ups.
O despertar de Brenda para mobilizar pessoas em prol do bem veio a partir dos encontros promovidos pelo Unicef no Estado. "Passei a entender um pouco mais sobre os direitos das crianças e dos adolescente e fiquei com agonia, pois pensei: ‘o que estou fazendo aqui?’. Vi que tinha um mundo aberto para fazer mudanças no meio social e ambiental”, conta a garota que parece tímida, mas ganha força quando lhe dão espaço para falar.
Brenda deu início ao Ups há quatro meses com os amigos Julia Ferreira, Elisa Lima e Erick Santos, todos com 15 anos. Pela rede social (instagram @ups_jc), o grupo divulga campanhas e discute temas de interesse dos jovens.
A primeira ação foi a limpeza da areia da praia mais próxima de Jardim Camburi. “O trecho foi pequeno, mas encontramos canudos, pino de cocaína vazio, vidro, sacolas e bitucas de cigarro. São coisas que vão para o mar e prejudicam animais marinhos.” Brenda ficou surpresa com o impacto da ação, já que quem viu a cena acabou ajudando. Outro trabalho é mobilizar pessoas para doarem livros, que seriam vendidos em feirinhas.
“Revertemos a renda para os cuidados dos animais abandonados. Juntamos pilhas de livros na escola e no salão da mãe de uma das meninas, ponto de recolhimento”, diz, orgulhosa. A campanha mais recente foi para arrecadar material escolar, roupas e brinquedos para crianças de uma ONG na Serra, e para um abrigo. “Eu me sinto bem vendo o sorriso de outras pessoas e de poder ajudar”, afirma a jovem.
TEIA DO BEM
Com apenas 5 anos, Marina Campos Cunico ficou tocada ao ver a foto de uma prima que fazia tratamento de câncer e que usava uma peruca por conta dos efeitos do tratamento. Prontamente, a criança decidiu cortar o cabelo e doar os fios para ajudar outros que sofriam com a doença.
Foi desta forma tão precoce que teve início a “Teia do Bem” instigada pela menina, hoje com 13 anos, e exemplo de ativismo social. “Muitas mulheres passam o tratamento todo sem cabelo, pois não têm condições de comprar perucas. Eu recebo cabelos do Brasil inteiro e tenho um peruqueiro voluntário, Dirceu Paigel, que é meu parceiro e faz perucas para doar.”
Depois disso, a adolescente não parou mais. Criou a “Lojinha da Marina”, que reaproveita roupas usadas de forma lúdica para ajudar crianças de baixa renda. A lojinha funciona a partir da necessidade de uma comunidade, por isso é itinerante.“Eu percebi que muitas crianças da periferia não tinham roupas do tamanho adequado. Lá, elas brincam, ganham o dinheiro ‘Amor Real’ e usam as notas para comprar as roupinhas, que são bem cuidadas, lavadas e cheirosas”, explica.
O último feito foi arrecadar 300 bicicletas para doar para crianças da localidade de Areal, em Linhares. “Estimulo as pessoas a ajudar. Acredito muito no reúso das coisas, por isso as bikes já foram usadas e estamos consertando para entregá-las para uma comunidade afetada pela lama de Mariana”, conta, com voz doce.
Marina sonha ainda em levar educação de forma divertida e tecnológica para crianças sem condições, tudo em um caminhão. “Quero que elas também possam fazer refeições lá”, planeja a menina, que conseguiu uma rede de parceiros durante as ações de mobilização social e divulgação em redes sociais.
MOVIDOS PELA FÉ
A igreja foi o ambiente em que a estudante Luiza Niccho, de 16 anos, descobriu o dom do trabalho em equipe e o de também agregar valores a adolescentes como ela. A jovem atua na Pastoral Adolescente, a Pamp, da Paróquia São Camilo de Lellis, na Mata da Praia, em Vitória. Pregar a solidariedade e debater temas importantes para os jovens têm sido uma experiência transformadora para ela.
“É um jeito animado de poder falar sobre diversos assuntos com quem é adolescente como eu. Discutimos sobre segurança, sexualidade, namoro, drogas, e outros temas do dia a dia. Mas também não perdemos a essência enquanto adolescentes”, conta a estudante.
Luiza é responsável pelo momento musical dos encontros, que acontecem todas às segundas-feiras, além de promover ações como arrecadação de alimentos para asilos e colaborar com a organização da festa junina da paróquia e demais atividades de caridade.“A renda da barraca da festa é sempre doada. A coleta de doações é organizada por grupos e depende de dedicação e de insistência, além de amor para quem vai receber. Tudo é entregue em um asilo, onde o grupo faz uma oração e passa o dia lá”, descreve Luiza, que frequenta a igreja desde pequena e sempre foi atuante
Aluna do 1º ano do ensino médio, a adolescente estuda em tempo integral dois dias na semana. Em casa, dedica-se às atividades escolares, também faz aulas de Inglês e ainda tem tempo para aprender piano e fazer exercícios diariamente.
DOAÇÕES E LIMPEZA DE PRAIAS
O mais velho entre os integrantes do projeto Mahalo, João Lucas Braga de Souza, 18 anos, se reúne com mais seis amigos para planejar ações voltadas para a proteção do meio ambiente, da comunidade e dos animais. O projeto surgiu no dia 29 de julho deste ano, marcado mundialmente como o Dia da Sobrecarga da Terra, que foi quando nós, pessoas, passamos a consumir do meio ambiente mais do que ele poderia repor, segundo as organizações mundiais.
“Essa data nos trouxe indignação na escola, por isso pensamos em fazer algo por nossa conta”, revela João Lucas, estudante do 3º ano do ensino médio de uma escola particular de Ilha de Monte Belo, em Vitória, onde também estudam Matheus Buril, 17, Luiza gabriela, Isabella Negrini, Samara Garcia, Nathália Martins e Bárbara Gonçalves, todos com 16 anos, que fazem parte do movimento.
Desde então, já foram duas ações práticas, mas vem mais por aí. O grupo mobilizou pessoas para recolher lixo na orla da Avenida Beira-Mar, em Vitória. “Recolhemos 22 sacos de lixo, coisas que não são absorvidas pelo meio ambiente, como garrafas pet, vidros, plásticos de diversos tipos.” Depois, com a chuva que atingiu a Região Metropolitana, foi a vez de acionar os voluntários nas redes sociais, conhecidos e desconhecidos, para arrecadar alimentos e roupas para quem foi vítima das enchentes.
“A gente nem tinha onde colocar os alimentos que recebíamos. O que chegava na escola fomos colocando em um cantinho da sala de aula. Depois, entregamos na Prefeitura de Vitória”, lembra o garoto, que ficou surpreso com a receptividade das pessoas.
A proposta mais recente é recolher mais de 200 brinquedos para entregar para crianças internadas em um hospital. “Pensamos, planejamos e quando a campanha fica pronta, divulgamos em grupos de WhatsApp e no instagram projeto_mahalo, onde também prestamos conta. Acreditamos na possibilidade de fazer o bem, mostrando que somos capazes e contando com a ajuda dos demais”, diz o jovem engajado.
HIP HOP É FERRAMENTA PARA MUDANÇA
O som que ecoa entre adolescentes da Grande Terra Vermelha, em Vila Velha, é o hip hop. A música e os duelos de rimas conquistam os espaços públicos da região, e quem ajuda a promover essa mudança é a estudante Thais Oliveira, de 17 anos. A menina atua na organização e divulgação dos eventos, que já é diversão garantida para a juventude da comunidade.
“O jovem é moldado pela sociedade ao redor dele. Se a essa comunidade for a do tráfico de drogas, ele vai seguir no tráfico, mas se for a do hip hop, ele terá outra opção”, afirma Thais, aluna do 2º ano do ensino médio da rede pública.
Além de abraçar a música como instrumento de transformação de sua comunidade, a jovem escreve poesias, faz apresentações em colégios e faculdades, ajuda nas tarefas de casa, além de dar conta dos estudos na escola e ainda frequentar festinhas com os amigos.
Cansou só de ler? Pois Thais ainda tem energia e vontade para muito mais. Ela e o irmão estão apostando no grafite, que distribui um pouco mais de cor e arte na comunidade, sempre com o apoio da mãe. “Eu colaboro com a divulgação dos eventos de hip hop, falo de igual para igual com os jovens. São três batalhas (grupos responsáveis por montar a estrutura) na Grande Terra Vermelha com eventos três vezes por semana. Também fazemos encontros de literatura, oficinas que ensinam adolescentes a usar o celular para fazer música e estamos começando com o grafite”, conta, empolgada.
Os eventos reúnem de 10 a 100 pessoas, dependendo do dia e da mobilização. A divulgação é por meio de bate-papo e também pelas redes sociais, como o Instagram @thaisdogueto.
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A jovem também atua no slam - batalhas de versos de poesias - que acontece nos dias dos encontros do hip hop. Nessas horas, a menina quieta e atenta percebe a voz reverberar entre a mente e o coração das pessoas. “Sou uma das poucas meninas que manda poesia nas rodas de batalha. Com a minha identidade e representatividade feminina, outras meninas que me ouvirem ali terão coragem de falar também”, enfatiza Thais, que sonha em cursar faculdade de Psicologia quando terminar o ensino médio.
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