José Lopes, delegado-chefe do Departamento Especializado em Homicídios e Proteção à Pessoa
José Lopes, delegado-chefe do Departamento Especializado em Homicídios e Proteção à Pessoa. Crédito: Fernando Madeira

Delegado sobre Isabela Cassani: "Deixaram de fazer o básico"

Delegado José Lopes, chefe da DHPP,  se refere ao último trajeto da adolescente, que não foi refeito pela polícia na época do crime

Publicado em 20/10/2019 às 05h05
Atualizado em 04/07/2020 às 15h56

Policial há 35 anos, o delegado José Lopes não se conforma em ter que encerrar o inquérito que apura a morte de Isabela Negri Cassani sem um autor. Chefe do Departamento Especializado em Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), Lopes recebeu os três volumes da investigação há cerca de quatro anos e foi enfático ao resumir o conteúdo: “Esqueceram de fazer o óbvio”.

Instigado por um investigador que não se conformava com a não solução do caso, o delegado escolheu mais um investigador e, com essa equipe, resolveu tentar solucionar o caso, mesmo às vésperas da data da prescrição. “Sei que se descobríssemos hoje o autor, a sociedade não teria mais direito de puni-lo, mas pelo menos daríamos uma resposta para a família. Não chegar ao autor é algo que vai nos incomodar para o resto da vida”, desabafou Lopes, em entrevista concedida à reportagem há três semanas.

Consenso no meio policial, as primeiras horas após o crime são primordiais para aumentar as chances de se chegar à autoria. “Os americanos falam em 48 horas, nós trabalhamos com 24 horas. Sabemos que o passar do tempo é muito ruim, as provas vão se perdendo no meio do caminho, mais as mudanças de delegado, é sempre um começar de novo. Além disso, o volume de homicídios é muito grande, não tem como se dedicar a apenas um. Isso tudo colabora para uma não resolução”, explicou.

Última imagem de Isabela Negri Cassani em um posto de combustível na Ilha de Santa Maria. Crédito: Arquivo/ AG
Última imagem de Isabela Negri Cassani em um posto de combustível na Ilha de Santa Maria. Crédito: Arquivo/ AG

José Lopes diz que, no caso específico do assassinato de Isabela, ocorreram descuidos. “Falar do serviço dos outros é muito ruim. Mas o óbvio não foi feito, que era traçar o caminho dela. Estamos fazendo isso agora. Já pegamos mais quatro pessoas para DNA, três deram negativo. Estamos fazendo o caminho que ela faria até o prédio. No trajeto há becos e locais a que a vítima poderia ter sido levada”, pontuou. O corpo de Isabela tinha marcas de violência sexual e também uma pancada na cabeça, fato que chamou a atenção da polícia.

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"A pancada foi com um instrumento que não é uma pedra, não é algo comum. Acredito que primeiro ela foi agredida e depois abusada, ou seja, já estava inconsciente. Na época não se tinha todos elementos de perícia que se tem hoje e que poderiam dar mais indicativos sobre esse objeto e também a sequência dos fatos"

Dentro do que a investigação trouxe de concreto, há a certeza de que a estudante desembarcou do coletivo na altura do Ginásio Álvares Cabral, em Bento Ferreira. Porém, não se sabe exatamente por que Isabela fez isso, já que o Centro, onde ela queria ir, estava na rota do coletivo. Entre as hipóteses está o tumulto no trânsito provocado pelo show de Sandy e Júnior, que acontecia no ginásio.

Uma peça fundamental do caso, a missionária Leann Collen saiu do Brasil depois de prestar dois depoimentos. Amiga íntima de Isabela, era ela quem deveria recebê-la no Centro de Vitória. A norte-americana foi uma das primeiras pessoas a entrar em contato com a empregada doméstica que trabalhava para a família da estudante perguntando sobre o paradeiro da menina. Eram  23 horas quando a missionária ligou dizendo que Isabela não havia chegado ao apartamento dela como o combinado.

Pais de Isabela Cassani visitando o túmulo no cemitério Jardim da Paz . Crédito: Nestor Muller / Arquivo AG
Pais de Isabela Cassani visitando o túmulo no cemitério Jardim da Paz . Crédito: Nestor Muller / Arquivo AG

EXAMES DE DNA

Folheando inúmeras páginas amarelas, entre elas os laudos com os resultados negativos de exames de DNA feitos em laboratórios particulares, o delegado diz que até a análise desse quesito foi feito recentemente. “Estamos tentando fazer o que não foi feito na época. Fomos ao laboratório saber como era a coleta. Hoje em dia, se eu encaminho para DNA, sei que vai ser tudo preservado direitinho. O que não foi feito, ou se fizeram não está escrito, foi o trajeto que ela utilizou e estamos refazendo com calma. Tem que pegar as pessoas que trabalhavam no posto, lojas que fecharam, chamar as pessoas para depor depois de entrevista prévia.”

Atualmente, vários recursos colaboram com uma investigação mais rápida e, consequentemente, aumentam as chances de chegar ao autor. “Na época do crime, a polícia era de máquina de escrever. Hoje saímos do local e já estamos com 60% do crime todo apurado. Hoje temos recursos como Disque-Denúncia (181), redes sociais, banco de dados, telefone celular e câmeras, além de outras ferramentas que colaboram para identificar o autor. Até a perícia possui mais elementos”, destaca José Lopes.

O delegado-chefe do DHPP acredita que o assassinato da estudante foi um crime de oportunidade. “Quem tem medo não vai perguntando, finge que conhece e sai andando. Mas ela se tornou vulnerável, pois estava perdida, perguntando a toda hora, não conhecia o local. Era uma inocente caminhando e infelizmente se deparou com um predador que aproveitou a oportunidade. Não foi uma abordagem para roubar, mas sim para cometer um abuso.”

Responsável por encaminhar ao Ministério Público o inquérito prescrito, o delegado José Lopes define a situação como uma derrota enquanto policial. “É um inquérito que incomoda pelo perfil da vítima. Gostaríamos de dar uma resposta para a família ao indicarmos o suspeito. É uma derrota não conseguir isso”, completou.

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