A suposta tranquilidade percebida no solo capixaba é só aparente. Abaixo da superfície reina uma inquietação que agora a reportagem do Gazeta Online traz à tona. A equipe de pesquisadores do Observatório Sismológico da Universidade de Brasília aponta que no Espírito Santo ocorrem, anualmente, pelo menos três tremores de terra. No entanto, são de baixa intensidade, com magnitude entre 1,4 e 2,6 na escala Richter, com raríssimos episódios acima desse limite.
Considerando os abalos mais amenos, a partir de magnitude zero, a terra tremeu no Espírito Santo 17 vezes no intervalo de maio de 2012 e agosto de 2017, em episódios de no máximo três segundos.
"Nós monitoramos as atividades no solo do Espírito Santo de forma abrangente, mas não da maneira que gostaríamos. Para a cobertura ser mais precisa, necessitaríamos de equipamentos ainda mais modernos e máxima tecnologia. Mas os dados são corretos e precisos no que é proposto. A dificuldade nossa talvez seria conseguir alertar a população antes de um terremoto maior. Se antecipar ao tremor, assim como o Japão, por exemplo, consegue, é o desafio", explica o pesquisador e professor da Universidade de Brasília (UnB), George Sand Leão Araújo de França.
Desde 1988, ano em que o estudo se intensificou, detectava-se em solo capixaba, em média, apenas um ou dois tremores por ano. Contudo, eles não podem ser chamados de terremotos, já que o termo é empregado apenas aos abalos mais intensos, que são capazes de derrubar casas e prédios. Na época havia apenas dez sismógrafos aparelhos que registram a movimentação da crosta, a camada mais externa da superfície da terra espalhados pelo Brasil e capazes de acompanhar os tremores no Espírito Santo.
Há 18 anos, porém, quando as pesquisas se aprofundaram e ganharam mais atenção do Governo Federal, foram instalados mais 90 sensores, cobrindo outros pontos estratégicos do território nacional, e a verdadeira atividade da crosta capixaba começou a ser revelada. Os resultados ganharam o reforço de uma técnica adotada pela primeira vez no país, a chamada refração sísmica profunda, que é quando os pesquisadores passaram a conseguir medir tremores de até 40 quilômetros de profundidade.
"Esses avanços foram importantíssimos para a realização do trabalho e passamos a conhecer melhor nosso solo. Então, chegamos à conclusão que o motivo principal para que os tremores acontecessem é que a terra libera instantaneamente pressões internas, pressões que são causadas pela acomodação de placas tectônicas. Essas placas se acomodam e, como a pressão que está na crosta precisa ser liberada, ela suspende a placa para emergir", explica o pesquisador.
SEM ALARDES
De acordo com George Sand Leão Araújo de França, a grande agitação subterrânea no Espírito Santo não representa motivo de preocupação para os capixabas. Ele conta que, na maioria dos casos, os tremores são registrados apenas pelos sismógrafos e dificilmente as pessoas sentirão a terra tremer. É importante, contudo, estar "sempre preparado para o pior."
"O Espírito Santo registrou em 1955 o segundo pior tremor de terra do país, com 6,1 de magnitude, ficando somente atrás de um que aconteceu no Mato Grosso, no mesmo ano, que anotou 6,2. Então, se hoje a atividade é bem pequena quanto à sua intensidade, não podemos descartar que no futuro outro tremor bem forte aconteça. E, como ainda não temos como alertar a população antes, é importante que as pessoas construam casas mais resistentes para que elas resistam da melhor forma ao fenômeno", concluiu.
1955, O ANO EM QUE A TERRA TREMEU NO ES
Com essas palavras, o jornalista José Luiz Holzmeister descreveu o que aconteceu na noite de 28 de fevereiro de 1955, na ilha de Vitória. Há 63 anos, os capixabas viviam uma noite de mistério e terror com o segundo maior terremoto já registrado no Brasil.
O tremor de terra sentido em Vitória, Cariacica, Vila Velha, Guarapari e Colatina teve seu epicentro no mar, a 300 quilômetros da costa do Espírito Santo. A força do sismo, de 6,1 na escala Richter, foi tão grande que, apesar da distância, fez tremer portas e janelas de residências, acordando os moradores.
Um dos relatos mais impressionantes à época do terremoto foi do então vereador Raulino Gonçalves. "Estava em meu gabinete quando notei que lápis, réguas e todos os apetrechos de desenhos dançavam sobre a cartolina. Minha menina de 10 anos disse: 'Pai, a cama está tremendo'. Portas e janelas tremiam como bambus ao vento", disse.
Logo após o forte terremoto, a reportagem do Jornal A Gazeta foi às ruas fazer uma ronda e, nos bairros que passou, ouviu a confirmação do sismo. Da Praia do Canto a Santo Antônio, de Maruípe aos Barreiros, na capital; alongando-se por Jardim América, Itaquari, Campo Grande, Itacibá, no município de Cariacica; e Cobilândia, Paul e Argolas, em Vila Velha. Houve relatos inclusive do interior, na cidade de Colatina, e também Guarapari, onde uma cama teria sido arrastada por um metro.
MISTÉRIO
"Era como uma imensa bola de fogo", afirmou uma das testemunhas à reportagem do jornal A Gazeta na época. O Tenente Décio Nascimento, lotado no Quartel de Maruípe em fevereiro de 1955, também declarou que outros oficiais haviam mencionado uma bola de cor laranja-avermelhada..
Os terremotos brasileiros eram registrados apenas por boletins sísmicos internacionais da Rede Mundial de Sismógrafos até 1967, quando foi instalado o Arranjo Sismográfico da América do Sul (SAAS) em Brasília.
UM MÊS ANTES: O MAIOR TERREMOTO DO BRASIL
O ano de 1955 começou literalmente agitado no país. Um mês antes do terremoto na costa do Espírito Santo aconteceu o maior sismo já registrado no Brasil. O tremor de terra na Serra do Tombador, na região Norte do Mato Grosso, registrou 6,2 na escala Richter em 31 de janeiro de 1955. Assim como o sismo capixaba, não houve consequências mais graves que alguns móveis fora do lugar, janelas e portas tremendo e pequenas rachaduras.
Os terremotos acontecem devido à movimentação das placas tectônicas, que são as partes menores da camada superficial da Terra. Apesar de serem movimentos lentos, o processo contínuo deforma as grandes massas de rochas. Quando o esforço entre as placas é grande e supera o limite de resistência, ela se rompe - originando uma falha geológica - dando início a um terremoto. A energia liberada com esse processo se propaga fazendo o terreno vibrar intensamente.
Apesar de grande potencial destrutivo e histórico, o Estado não registra grande atividade sísmica porque está distante das bordas das placas tectônicas. "É até complicado entender os motivos que levaram a esse terremoto de 1955", acrescentou a doutora em Geociências Mirna Neves, em 2015. Ela acredita que não há perigo de novos tremores de terra violentos. "É razoável que o investimento seja feito no monitoramento de tempestades, já que esse tem maior potencial catastrófico", afirmou.
(Com informações de Danilo Meirelles)
FOTOS DE VITÓRIA EM 1950
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