Rodovias estaduais já matam mais que as federais no ES

De janeiro de 2008 a junho deste ano, 11.480 pessoas morreram devido a acidente de trânsito em rodovias estaduais, federais e vias municipais

Publicado em 16/08/2019 às 17h49
Atualizado em 24/08/2019 às 20h04

26 de janeiro de 2014. Era na madrugada daquele domingo que quatro amigas voltavam para casa após comemorarem o último dia de férias em Guarapari. Naquele dia, elas retornavam mais cedo para Vila Velha, pela Rodovia do Sol, porque a estudante de engenharia civil Sâmila Moreira, de 24 anos, precisava preparar o aniversário de 66 anos da mãe Sara Ferreira, que seria no dia seguinte.

Mas foi exatamente naquela segunda-feira, que seria de celebração, que e mãe e o pai Izaias Moreira, 68, foram obrigados a enterrar o corpo da filha. Ela estava no carona e morreu após o carro que seguia na direção contrária colidir com o veículo. As amigas ficaram feridas.

Os pais de Sâmila, entretanto, não foram os únicos que choraram pela morte de parentes. Em 10 anos, os acidentes de trânsito têm deixado um rastro de dor e destruição em milhares de famílias que circulam pelas vias do Estado.

De janeiro de 2008 a junho deste ano, 11. 480 pessoas morreram, o que corresponde a três mortes por dia, segundo dados do Movimento Capixaba para Salvar Vidas no Trânsito (Movitran). Isso representa, por exemplo, a extinção de Dores do Rio Preto e Apiacá, ambas no Sul do Estado, devido a acidentes de trânsito.

“Muitas pessoas focam nos que morreram, mas a verdade que os que ficam são os que pagam um grande preço pela imprudência no trânsito de terceiros, os familiares ficam desestruturados. Tudo muda. Minha vida mudou, saí de onde morava, tive problemas no trabalho e desestabilizou a vida emocional. Eu sempre falo para as pessoas abraçarem e beijarem os filhos, porque o dia de amanhã pode não existir”, desabafa Izaias.

VIAS ESTADUAIS

Os dados organizados pelo Movitran correspondem a mortes em rodovias federais estaduais e vias municipais. São contabilizadas mortes de trânsito que ocorreram no local do acidente e no hospital. Apesar da taxa de mortes no trânsito por 100 mil habitantes ter reduzido, o número de vítimas em rodovias estaduais e vias municipais tem crescido.

O levantamento mostra que, nos últimos 10 anos, o número de mortes em rodovias federais era maior, mas em 2018 houve uma inversão. Das 501 mortes no local em 2017, 210 (42%) foram nas rodovias federais, 156 (31%) em rodovias estaduais e 135 (27%) em vias municipais. Já em 2018, foram 462 mortes no local, sendo 133 rodovias federais (29%), 171 (37%) em rodovias estaduais e 158 (34%) em vias municipais.

Segundo o especialista em trânsito do Movitran, André Cerqueira, o trânsito seguro depende de sete fatores: estatística, saúde, educação, fiscalização, segurança viária, veicular e resposta à emergência. No entanto, ele associa esse crescimento de vítimas em rodovias estaduais, em grande parte, à descontinuidade nos anos anteriores da fiscalização e ações mais focadas no trânsito, principalmente no interior do Estado.

Ele explica que é no interior onde ocorre o maior número de acidentes com motociclistas, que representam o número mais expressivo de vítimas nos últimos anos. Somente de janeiro a junho deste ano, das 402 vítimas (no local e no hospital), 198 foram motociclistas.

 “O Batalhão de Trânsito apesar de atuar bravamente e de forma eficiente nas vias municipais e rodovias estaduais da Grande Vitória, tem limitações de efetivo para fiscalizar todos os locais de maior risco de acidentes. Além disso, no interior, é a Polícia Militar a responsável pela fiscalização, sendo que ela possui diversas outras atribuições no decorrer do dia. Somente nove municípios têm agentes de trânsito para poder atuar de forma mais efetiva”, pontua.

 O especialista em trânsito Paulo Lindoso acrescenta que diferentemente das rodovias estaduais, a malha rodoviária federal tomou uma série de medidas para melhorar a fiscalização, como os radares móveis e fixos.

 No entanto, ele aponta que para a redução de acidentes é preciso também melhorar a qualidade das vias. A duplicação evitaria a colisão frontal, responsável pela maioria das vítimas. “Nossas vias são simples e sobrecarregadas. A duplicação evita a colisão frontal porque durante a ultrapassagem o condutor não precisa entrar na pista contrária”.

 IMPUNIDADE

 Após sentir na pele a dor de perder uma filha, Izaias passou a ajudar outras famílias que passam pela mesma situação, virando militante na causa. Ele roda o Estado fazendo palestras e participa de campanhas educativas. “A vida da minha filha era importante e todas as outras são, as mortes no trânsito precisam parar”, disse.

Izaias ainda luta por justiça. Desde 2014 o processo tramita na justiça, ainda sem nenhuma decisão. O homem que seria responsável pelo acidente que tirou a vida de Sâmia pagou fiança e responde ao processo em liberdade, dando à família a sensação de impunidade.

O advogado especialista em trânsito Paulo André Cirino explica que essa sensação que ninguém fica preso é porque as pessoas que matam no trânsito respondem por homicídio culposo, no caso em que o motorista não tem a intenção de causar o acidente que resulta na morte. “O homicídio culposo no país permite que a o responsável pelo acidente não fique preso. A sentença acaba sendo substituída por outras medidas, como prestar serviços à comunidade ou pagamento de cestas básicas”, disse.

Ele diz dependendo do entendimento do juiz a pessoa também pode responder por dolo eventual, quando a pessoa não quer provocar aquela morte, mas assume o risco dela ocorrer, como exemplo, a pessoa consome bebida alcoólica, perde o reflexo e acaba ocasionando o acidente. Nesse caso, a pessoa fica presa, mas acontece na minoria das vezes.

Para ele, os problemas no trânsito podem piorar em virtude dos posicionamentos do governo Federal, como a suspensão do uso de radares das rodovias federais, aumento do número de 20 para 40 pontos o limite para o motorista perder a carteira de habilitação e a substituição de uma infração gravíssima para uma advertência para os motoristas que transportam crianças fora da cadeirinha. Nos dois últimos casos, é preciso da aprovação do poder legislativo para entrar em vigor.

A Gazeta integra o

Saiba mais

Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.

Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta.

A Gazeta deseja enviar alertas sobre as principais notícias do Espirito Santo.