Roubos violentos e furtos audaciosos levaram Pedro dos Santos, popularmente conhecido como Pedro Grosso para a cadeia. Mas foram as fugas mirabolantes da prisão que o transformaram numa lenda da crônica policial na década de 1960, no Espírito Santo.
No dia 08 de maio de 1969, a foto do corpo de Pedro Grosso desnudo e crivado de balas estampou a capa do jornal A Gazeta. Esse era o fim de uma vida marcada por crimes e escapadas cinematográficas da cela. Foram cerca de 20 fugas, algumas até pela porta da frente da chefatura, o que enfurecia as autoridades da época e deixava sua fama ainda maior.
A ousadia do bandido motivou até reportagem especial, publicada uma semana após a sua morte. A missão de revelar o que estava por trás da "lenda Pedro Grosso" estava com os repórteres Rosental Alves e José Carlos Corrêa.
Para desvendar como o criminoso planejava suas fugas, Rosental passou quatro dias na Casa de Detenção de Vila Velha entrevistando colegas de cela, policiais e delegados. Lá ele ouviu histórias surpreendentes sobre buracos escavados na parede camuflados por dias e grades serradas até com a ajuda de saliva.
Em sua última escapada da Casa de Detenção, Pedro Grosso, com 36 anos, conseguiu driblar um grande aparato de segurança, pulou um muro de mais de 10 metros de altura e deu fuga a outros companheiros de cela. A notícias da sua escapada e de outros sete bandidos se espalhou rapidamente pela Grande Vitória, causando pânico na população. Entre os moradores de Vila Velha corria o boato de que Pedro Grosso mantinha uma agenda com nomes de rivais que precisavam ser eliminados.
ESTRATÉGIAS
Pedro Grosso estudava minuciosamente a rotina da detenção e observava costumes e hábitos do carcereiro que o vigiava e do soldado que ficava na guarita próxima à cela, para planejar cada detalhe da fuga com uma frieza considerada “irritante”, como consta em sua ficha criminal.
Para conseguir escapar, Grosso também contava com ajuda de fora da cadeia. Certa vez, sua amante levou seu filho à Casa de Detenção e colocou uma serra dentro da fralda da criança, que nessa época tinha apenas alguns meses. Depois de ficar com o bebê no colo por alguns minutos, Pedro puxou a ferramenta, colocou por dentro da própria roupa e, sem que ninguém percebesse, levou para a cela, de onde escapou no dia seguinte. Em outra ocasião foi preso ao receber uma serra da mesma amante, em março de 1962, exatamente um mês após a fuga anterior. Ao serrar as grades com as ferramentas entregues pelas visitas, o criminoso passava cera, parafina e até saliva nas barras de ferro para eliminar ruídos que denunciariam sua fuga aos policiais.
ÚLTIMA FUGA
Analfabeto, Pedro se mudou do Norte do Estado para a Grande Vitória já com histórico de crimes. As primeiras fugas mirabolantes aconteceram ainda na região de Linhares, onde nasceu. Desde então, sua vida se resumiu a entrar e sair da prisão.
Pedro Grosso
Criminoso capixaba dos anos 60
"Eu já estou enjoado de viver enfiado aqui dentro. Minha mulher e meu filho estão passando privação lá fora e eu num posso ficar aqui dentro sem fazer nada. Sabe duma coisa! Eu vô fugir outra vez"
Os companheiros de cela do "fugitivo profissional" contavam que Pedro ficava muito aflito dentro da Casa de Detenção com os relatos da esposa.“Pedro ficava muito preocupado com o que sua mulher falava para ele na hora da visita. Ela dizia que não tinha dinheiro e estava passando por privações de todas as forma, com o filho doente”, relatou em 1969, ao jornal A Gazeta, José Garcia Pereira, um dos melhores amigos de Pedro Grosso na Casa de Detenção.
A estratégia usada por Grosso na última fuga foi abrir buracos na parede. Primeiro ele arrancou os azulejos do banheiro. Depois, com uma barra de ferro, retirou tijolo por tijolo, deixando somente o reboco do lado externo. Para que o carcereiro não descobrisse seus planos, o bandido criou uma espécie de parede falsa, reposicionando tijolos e azulejos, usando uma cola de farinha feita por ele mesmo no fogão que tinha na cela. Dessa maneira, a fuga estava preparada para o dia que fosse mais seguro.
Nos dias que antecederam a fuga, Grosso permaneceu acordado montando a parede falsa e observando por horas a guarita onde ficava o soldado que vigiava o muro de mais de 10 metros na Casa de Detenção. Durante todo o período que antecedeu a fuga, Pedro, que era muito popular e querido entre os detentos, não conversava e pedia silêncio quando algum companheiro puxava assunto. Assim ele passou vários dias até finalmente acordar a todos na noite de 24 de abril de 1969 e avisar que era hora de “se mandar”. Seus colegas contaram que Pedro planejava tudo sozinho e comunicava: “Lá fora é cada um por si. Não tem nada de ajudar um ao outro para não se colocar em risco. O negócio e se mandar e pronto.”
No dia da última fuga, Pedro deu um soco na parede falsa, no momento em que o encarregado pela guarita em frente à cela tinha descido para tomar café, abrindo caminho para que eles e os companheiros pudessem escapar.
Em todas as suas fugas, com exceção da última, Pedro Grosso era sempre o último a deixar da cela. Ele colocava os companheiros na frente e só saía depois de ver que não tinha deixado ninguém “para contar a história”. Como planejava tudo sozinho, Grosso sabia que, se algum colega fosse pego não saberia contar a estratégia e, por isso, seria maltratado demasiadamente.
Na última evasão, porém, Pedro estava brigado com seu amigo Pedro Paulo, que na época declarou: “Eu num botei a mão num ferro para cutucar a parede e nem tirei um palito de fósforo dela. Eu falei desde o começo que não ia contribuir para nada nessa fuga, porque estava de mal com Pedro, mas isso não era porque ele fosse um mau amigo, pelo contrário, ele até era bom, mas eu tinha discutido com ele e os outros da cela porque estavam se encarnando em mim. Então na noite da fuga ele falou pro Wilson: acorda o Pedro Paulo que a situação dele na cadeia não está boa e ele também quer fugir. Eles me acordaram, mas eu disse que ia ficar”.
Pedro Paulo contou ainda para o repórter Rosental que depois acabou mudando de ideia e resolveu escapar com os outros. “Pensei rápido depois deles terem saído e vi que, se ficasse, os homens iram querer que eu contasse a história, e eu não tinha feito nada e nem sabia de nada, por isso ia apanhar muito e por isso saí”
FIM DA SORTE
Entre amigos de Pedro Grosso e até entre policiais que conviveram com ele durante muitos anos cresceu o mito de que o criminoso possuía alguma reza forte ou santo protetor. Muitos diziam, que a principal causa da sua morte era o fato dele não ter saído por último, quebrando a tradição, já que Pedro Paulo ficou para trás.
Ao ficar por último, Pedro Paulo pôde reparar que a guarita que se localizava próxima ao pavilhão permanecia vazia o que permitiria uma saída tranquila ali por perto, ao contrário do plano original de Pedro Grosso, que se dirigia para a direção oposta onde iria encontrar vários soldados.
Pedro Paulo imediatamente avisou aos companheiros para retornarem “porque a barra estava limpa” , como foram suas palavras a certa altura, orientação prontamente obedecida por todos os fugitivos.
Ao passarem pela guarita, os fugitivos tiveram a oportunidade de ver o guarda, que calmamente molhava o pão no café com leite, logo em seguida ouviram os primeiros disparos e, na sequência, a sirene que despertou toda a casa de detenção. Mas a esta altura, Pedro Paulo já era o primeiro do grupo a sair da Casa de Detenção junto com Pedro Grosso. Mais tarde seriam apanhados todos os outros companheiros de Pedro Grosso, com exceção dele próprio que já estava longe, a caminho da casa de sua amante, que morava em Cobilândia, Vila Velha.
Embora tivesse ido visitar a amante, segundo seus companheiros de cela, Pedro Grosso fugia por causa das dificuldades financeiras da esposa, que sempre o visitava. Durante as visitas, ela contava os dramas que estava passando com o filho e pedia ao marido dinheiro para sair do sufoco.
Logo após o 24 de abril de 1969, quando Pedro Grosso se evadiu da Casa de Detenção, seu nome passou a ser notícia nas páginas policiais dos jornais do Espírito Santo, e programas de rádio passaram a comentar em primeiro plano a sua fuga, que era a 14ª daquele estabelecimento e, talvez a 20º de sua vida.
A fuga cinematográfica e bem sucedida o deu fama, mas no dia 07 de maio de 1969, 48 horas após ter travado violento tiroteio com a polícia, sem que tenha resultado disso nada de concreto, o corpo de Pedro Grosso é encontrado crivado de bala.
Na noite seguinte, o jornalista Gerson Camata mostrava na televisão um bilhete do Esquadrão da Morte, grupo formado por policiais militares com o objetivo de caçar criminosos, que possuía os seguintes dizeres, em letra de forma e com vários erros de ortografia:
“Já estamos na captura de Pedro Grosso e garantimos ao povo em geral que dentro das próximas horas já teremos dado cabo dele e as famílias poderão se tranquilizar. (Assinado) Esquadrão da Morte”.
Ouça o podcast Vidas Bandidas com a história de Pedro Grosso:
FICHA TÉCNICA
Reportagem: Elis Carvalho e Sullivan Silva
Narração: Geraldo Nascimento
Roteiro: André Félix
Ilustrações: Arabson
Animação: Marcelo Franco
Sound designer: Renan Efgen Faé
Produção de áudio: Jonas Braun
Pesquisa: Cedoc - Rede Gazeta
Edição visual: Adriana Rios
Edição de reportagem: Joyce Meriguetti e Érica Vaz
Câmera e som: Antonio Cezar Martins
Edição de vídeo: Iza Rosenberg
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Coordenação: Marketing Rede Gazeta
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