No colete, a quantidade de broches indicam os mais de 200 destinos que a jaguarense Glauciane Santos, 41 anos, já desbravou pilotando sua CG 150. A partir da ES 430, rodovia estadual que liga Jaguaré, cidade no Norte capixaba à BR 101, Glauciane leva a cultura da cidade - conhecida como rainha do conilon - para diversos cantos do país e da América do Sul.
Mais do que ser a realização de um sonho, suas viagens são sinônimos de liberdade e superação: mulher, negra, pobre, divorciada, mãe e pilotando uma moto sozinha pelo Brasil e além.
Quando criança, ela se demorava olhando os mapas e imaginado que nunca poderia conhecer outras cidades porque não tinha dinheiro. Filha de pai agente de saúde e mãe lavadeira, Glauciane sempre foi apaixonada por geografia e história, com um afeto em especial pela Inconfidência Mineira, sendo seu sonho conhecer Minas Gerais.
“A gente era muito... pobre, vamos colocar assim, para poder ir a alguns lugares devido ao custo. Sempre quis muito viajar. Mas aí tive filho com 20 anos, depois veio o segundo, um relacionamento difícil, e a gente vai deixando os sonhos um pouco para trás, não é isso?”, lembra a estradeira.
Mas o sonho de criança foi realizado depois de três filhos criados e um relacionamento abusivo terminado. Quando se separou, correu atrás da independência financeira. Trabalhou como doméstica, costureira, artesã, plantou pimenta-do-reino, maracujá e café.
Hoje, é agente de saúde no combate de endemias ou “mata mosquito”, como ela diz. Está sempre buscando fazer tudo que é tipo de curso para se atualizar no trabalho. Acontece que, dona de si e do seu próprio dinheiro, aos 35 anos tirou Carteira de Habilitação e, há quatro, conseguiu comprar sua moto, companheira de descobertas do mundo e de si mesma.
“A CG 150 não é a moto ideal para a estrada”, adverte Glauciane entre sorrisos, pois, orgulhosa, ela mostra o painel da motocicleta que já contabiliza 89.200 km rodados. “Mas é a que eu consigo ter e me atende muito bem”, complementa.
Família sobre 2 rodas
Na sala da casa de Glauciane, estão, em lugar de destaque, as lembranças de todos os eventos de motociclismo que já participou ao longo dos 17 estados que visitou nos últimos quatro anos, além de um caderno com quase todas as folhas preenchidas dos diários de bordo, anotações de despesas e as mensagens carinhosas dos amigos que faz pelo caminho.
“O motociclismo virou uma família pra mim. São pessoas muito unidas e sempre conectadas, seja no Whatsapp ou no telefone. Nunca passei aperto, porque sempre que precisei, tinha algum ponto de apoio próximo para me acudir”, comemora Glauciane, que também abriu sua casa para ser ponto de apoio para viajantes que passam por Jaguaré.
Apesar dos grupos de motociclismo existirem aos montes por aí, em Jaguaré, Glauciane é sozinha. O que não foi motivo para desanimá-la de criar sua própria logomarca e o apelido de Estradeira da ES 430, que estampa adesivos, banners e também seu colete. “No motociclismo, tudo é organizado. Preciso ter identificação caso precise de ajuda. E sempre preciso, né?”
A aventura funciona assim: quando as férias se aproximam, ela faz o roteiro de viagem que deseja realizar, calcula a gasolina, aciona os pontos de apoio para hospedagem e pronto. Está faltando alguma coisa? Sim, o dinheiro! Com o salário de agente de saúde mal, mal dá para manter a casa. Então, ela faz rifa, bicos em plantações de café e pimenta, pede ajuda. Sempre dá seu jeito honesto e vai, mesmo com tanta gente desacreditando da sua capacidade.
“O custo é principalmente com gasolina e alimentação. Por exemplo, para fazer a Tríplice Fronteira do Brasil, Argentina e Paraguai, gastei R$1.200. Agora estou me preparando para a próxima viagem que será em julho. Toda ajuda é bem-vinda, viu?!”, sinaliza, entre risos.
Do ES para o mundo
Como ponto de apoio, Glauciane já recebeu pessoas de outros Estados como Bahia, São Paulo, Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Rio de Janeiro. Faz parte da hospitalidade levar as pessoas para conhecer Jaguaré.
Glauciane Santos
Agente de Saúde
"“A gente traz muita bagagem de conhecimento dos lugares onde passa, e tenta passar para as pessoas também o que tem de bom no nosso município. Apesar de ser um lugar pequeno, é rico em agricultura, mas a nossa acolhida é atração também”, comenta"
Jaguaré é conhecida como rainha do café conilon, com uma produção de 33 mil toneladas por ano, mas também vem ganhando destaque na produção de pimenta-do-reino, que representa 20% da produção capixaba. Visitar uma plantação ou o viveiro de plantas é ponto marcado nos roteiros da anfitriã para seus visitantes.
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“Muita gente que vem aqui nunca tinha visto um pé de pimenta. O que não é novidade pra gente mais faz sucesso com quem vem de fora.” * Reportagem Luanna Esteves
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