Referência no cenário musical pelo comércio de discos de vinil, Valter Vieira da Silva, mais conhecido como Golias, morreu na manhã deste sábado (5), em Vitória. Aos 76 anos, ele manteve por quase seis décadas uma loja no Centro da Capital para a venda de LPs, resistindo às transformações do mercado fonográfico e da própria cidade.
A informação sobre a morte foi confirmada por Eraksom Meira Alves, que compartilhou o gosto pelos vinis e a venda de discos com Golias por 33 anos. "Era mais que patrão e funcionário, a gente se tratava como pai e filho", disse, emocionado.
Eraksom falou que, ao deixar a loja na sexta-feira (4), Golias estava bem e muito animado porque havia recebido de um amigo vários discos, mas não apareceu pela manhã para abrir as portas do comércio, como fazia todo sábado, às 9h. Estranhando o atraso e a falta de notícias, o funcionário manteve contato com a família. O padrasto do comerciante precisou pedir o auxílio de um chaveiro para abrir a porta de casa e encontrou Golias já morto. As informações iniciais, segundo Eraksom, é que o patrão e amigo morreu de infarto.
Há pouco mais de dois anos, A Gazeta revisitou a Golias Discos, tratada como um santuário pelas preciosidades ali mantidas pelo seu guardião. Golias demonstrou, à época, a alegria de ver retomado o interesse do público pelos vinis e, particularmente, a descoberta que os mais jovens estavam fazendo sobre esse modo de ouvir música na era dos streamings.
Quando entrevistado, o mundo vivenciava um dos períodos críticos da pandemia de Covid-19. Era outubro de 2020 e ele contou sobre os momentos difíceis pelos quais passou. "Minha alegria é quando piso na loja. Sou um homem solitário, não dirijo, não bebo, separado, então, vir aqui receber e conversar com as pessoas é muito bom. Você não sabe o que eu passei nesses dois meses fechados em casa, sem trabalhar... Pensei que ia morrer", disse, na ocasião.
Mas o amante da boa música, que tinha entre clientes figuras como Ed Motta e Martinho da Vila, também falou das alegrias, como ter um filme sobre sua vida. O curta "Admirável Golias", lançado em 2017 e com direção de Judeu Marcum, conta sua história e da tradicional loja, que já ocupou a Avenida Jerônimo Monteiro nos tempos áureos do comércio do Centro, e é recheada de tesouros a serem garimpados.
Golias começou a trabalhar com venda de vinis no Centro de Vitória em 1964. Só parou, segundo ele mesmo revelou, quando ficou embarcado por 10 meses, viajando pelos Estados Unidos e Europa. "Juntei dinheiro e, no dia 21 de dezembro de 1971, abri a loja na Avenida Jerônimo Monteiro. Era um sonho ter uma loja destas, e eu realizei este sonho. Ajudei minha família, porque sou o mais velho. Cresci e depois tive uma queda", lembrou o comerciante, referindo-se ao período de ascensão dos CDs e da pirataria, na entrevista de 2020. Golias sofreu um baque com essas mudanças, mas logo retomou a atividade e há 23 anos mantinha-se vendendo discos de vinil usados.
Para os amigos, as lembranças dos tempos áureos não são apenas da venda de discos, mas do espírito efusivo de Golias. Jornalista aposentado e produtor rural, Ricardo Jarrão lamentou a morte do comerciante, mas em sua memória as histórias mais vívidas são as de Golias na versão discotecário, comandando festas e bailes em Vila Velha e Vitória, fosse em clubes da elite capixaba da década de 70, fosse em bairros da periferia da Região Metropoliana.
"Ele foi um precursor. Fazia casamentos, aniversários, matinês. Criou uma legião de fãs. Dançava muito, sempre com uma risada muito exagerada, uma benção para uma geração do Espírito Santo, no final da ditadura. Ele encarnava a alegria da juventude", valoriza Jarrão que, à época, acompanhava o amigo nas festas ajudando a carregar e montar equipamentos.
Morando em Brasília há 40 anos, Jarrão esteve pela última vez com Golias, no fim de 2018, quando veio para o enterro do ex-governador Gerson Camata. "Resolvi fazer uma passagem idílica pelo Centro de Vitória e descobri a loja de Golias. Foi uma festa! Ria-se de lá e de cá. A gente se ria e chorava com as lembranças. Foi a última vez que o vi", lembrou.
O último ano para Golias foi de perdas. Em agosto de 2021, um filho, de câncer, dois dias depois, a mãe. No período, ainda morreram outros familiares de quem o comerciante era próximo, segundo contou Eraksom. "Foi tudo muito difícil para ele", constatou.
Aguardando o único filho, que reside no Rio de Janeiro, o velório de Golias está previsto para começar às 7 horas deste domingo (6), no Jardim da Paz, em Laranjeiras, na Serra. O enterro será às 13 horas.
Ensaio com Valter Vieira da Silva, o Golias
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