A notícia da menina de 11 anos que, junto ao namorado, matou a mãe a facadas em Vila Velha nesta quinta-feira (27) chocou a população. O companheiro da mulher também foi ferido. Até mesmo o delegado que recebeu a ocorrência, já acostumado a lidar com crimes brutais, ficou surpreso com o caso. "Não tem como uma pessoa não se comover, não se espantar com isso. O que leva uma criança a matar a própria mãe?", indagou Marcelo Nolasco, em entrevista à TV Gazeta.
Como a menina e o namorado são menores de idade, o nome deles e das vítimas não estão sendo divulgados para não levar à identificação da criança e do adolescente.
Buscando respostas sobre o que leva a ocorrências de casos desse tipo, a reportagem de A Gazeta ouviu especialistas da área: conversamos com psiquiatra, psicólogas e advogada. Em comum, todos disseram ser necessário analisar o contexto em que a menina estava inserida, mas ressaltaram que, normalmente, autores de crimes como esse costumam dar alguns sinais.
A psicóloga Daniela Souza é especialista em terapia cognitivo-comportamental para infância e adolescência e iniciou dizendo que nada justifica uma tragédia desse tamanho, mas que é necessário avaliar como funcionava a relação familiar da menina de Vila Velha.
"A relação entre pais e filhos é uma relação como outra qualquer. Precisa ser regada de amor, respeito. As necessidades básicas precisam ser atendidas, e necessidade básica não é só alimentação, moradia, é também necessidade básica emocional: validação das emoções, ouvir o que a criança traz", ponderou.
Ela explicou que é na infância que a personalidade é formada. "Alguns teóricos falam em sete, oito anos. Mas a tríade cognitiva do sujeito (visão que ele tem de si, do outro e do mundo) é formada na infância. Se a criança viveu algum fator traumático na infância, essa estrutura psíquica é formada de maneira disfuncional", detalhou.
A alegação de motivação para o crime, segundo o depoimento do adolescente de 14 anos, namorado da menina, seria devido a um abuso sexual que a garota de 11 anos teria sofrido quando era criança e que, na época, ninguém da família teria feito nada. A menina e o rapaz namoravam havia cerca de dois meses.
"Nessa hipótese de abuso sexual, pode ter acontecido um transtorno do estresse pós-traumático. Quando não tratado, pode acabar virando uma tragédia", disse Daniela.
O psiquiatra forense Jairo Navarro explicou que não é possível diagnosticar uma criança como psicopata. "Teoricamente, a gente só pode diagnosticar como transtorno de personalidade a partir dos 18 anos, porque a pessoa tem que ser maior de idade para formar a personalidade. Antes, a gente chama de transtorno de conduta", disse.
Ele ressaltou que crianças e adolescentes com transtornos de conduta não costumam respeitar regras: "Eles mentem para os pais, não têm remorso, empatia, não se colocam no lugar do outro. Se precisar roubar, matar, ele vai. Crimes violentos como esse, de matar uma mãe, acabam sendo mais raros do que pequenos crimes e contravenções".
Apesar de não poder dar um diagnóstico para o caso da menina de Vila Velha, já que seria necessário avaliar a fundo a história da criança, o psiquiatra levantou algumas hipóteses.
A doutora em Psicologia Cláudia Paresqui Roseiro, que também estuda o desenvolvimento infantil, ressaltou que "cada caso é um caso. Não tem como analisar de uma forma geral, a gente teria que entender e fazer uma análise sobre o caso dessa criança". Apesar disso, ela trouxe alguns apontamentos feitos pela literatura da área.
"Geralmente esses casos em que a gente verifica essa dinâmica estão muito associados a situações de maus tratos na infância. Essa condição de violência familiar, a que alguns filhos são submetidos (abuso físico, sexual, emocional), está associada à condução de violência. É que o mais se destaca."
Estando em situação de violência, a criança ou adolescente tenta escapar. "Essa condição coloca ele numa situação extrema e muitas vezes gera essa raiva destrutiva que pode levar a isso. Em alguns casos se avaliou que algumas crianças têm transtornos de conduta, mas é uma porcentagem muito pequena."
Será que crianças com essa tendência demonstram algum sinal de que não estão bem? A advogada especialista em Direito da Família Kelly Andrade revelou que geralmente dá para perceber alguns comportamentos prévios. "É necessário observarmos o comportamento dos nossos filhos, porque aí a gente consegue prevenir situações mais graves."
A psicóloga Daniela elencou alguns sinais que devem despertar a atenção dos pais: "agressão física e verbal com amigos e familiares, muita ansiedade e indisciplina no contexto escolar, busca por validação em excesso, requintes de crueldade com animais e passividade em excesso".
Ela ressaltou que, quando são identificados esses sinais, é possível realizar um trabalho preventivo. "Mesmo que a criança tenha nascido com esse diagnóstico, se ela for tratada com modelos de programas socioemocionais, por exemplo, a gente consegue fazer essa reestruturação cognitiva e evitar esse tipo de tragédia".
A menina de 11 anos é suspeita de matar a própria mãe a facadas com ajuda do namorado, de 14 anos, na noite desta quinta-feira (27), em Vila Velha. A vítima, de 38 anos, foi morta com muitos golpes. O jovem também é acusado da tentativa de homicídio do companheiro da mulher, um homem de 32 anos.
De acordo com informações da TV Gazeta, em depoimento à polícia, o adolescente confessou o crime e disse que, por volta das 19h, ao chegar na casa da namorada, a menina teria lhe entregado uma faca, na sequência o levou até o quarto dela e depois chamou a mãe. Quando a mulher entrou no cômodo, o adolescente a esfaqueou no pescoço.
Assim que o padrasto da menina chegou em casa, o adolescente passou a agredir o homem com um bastão. O menor chegou a esfaquear o homem, que conseguiu fugir e pedir socorro, mesmo ferido.
Questionado se a menina de 11 anos também teria esfaqueado a mãe, o adolescente confirmou a versão à polícia. Como a filha da vítima é menor de idade, o nome da mulher não está sendo divulgado, já que o fato, concomitante, leva à identificação da menina.
A Polícia Civil informou após depoimentos, ficou constatado que os dois menores foram os autores das facadas que vitimaram a mãe da menina e dos golpes contra o padrasto da menina. Ainda destacaram que o adolescente afirmou que a morte da vítima estava planejada há uma semana. Sobre a tentativa de matar o padrasto da menina, ele afirmou ser para assegurar a impunidade do primeiro homicídio.
De acordo com a Polícia Civil, o adolescente responderá por ato infracional análogo ao crime de homicídio qualificado e tentativa de homicídio qualificado. Ele será encaminhado ao Ciase. O caso seguirá sob investigação.
A menina de 11 anos não pode ser autuada, já que, segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECRIAD), Lei nº 8.069 de 13 de Julho de 1990, menores de 12 anos são considerados crianças e são inimputáveis penalmente, ou seja, não podem sofrer nenhum tipo de penalidade. Ela deverá ser encaminhada a algum familiar.
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