O relacionamento de Ana Lúcia Dortes Correia, 46 anos, com o pedreiro Wilson da Conceição Barbosa, 46 anos, foi marcado por ameaças, agressões, medo, ciúme e muita dor. Ela é mãe das meninas Luciana, 2 anos, e Luciene, 4 anos, que foram mortas pelo pai . No dia 13 de abril de 2010, Wilson jogou as duas filhas da ponte em Nova Almeida, na Serra.
As crianças caíram de uma altura de 10 metros, no rio Reis Magos, foram arrastadas pela força da água e morreram. O pai delas foi condenado a 36 anos de prisão e está na Penitenciária de Segurança Média I, no Complexo Penitenciário de Viana. Ana Lúcia disse que os dois foram casados por 14 anos. As duas meninas eram as únicas filhas da relação.
Após conversar com Wilson na cadeia, a reportagem de A Gazeta procurou Ana Lúcia. Ela foi encontrada em Nova Almeida, na manhã desta quinta-feira (19). Quando foi abordada, estava trabalhando em um terreno ao lado da casa dela. Ana Lúcia, que trabalha como auxiliar de serviços gerais, concedeu entrevista no portão do imóvel onde mora. A conversa durou pouco mais de 10 minutos.
Como está a vida da senhora?
Eu faço um pouquinho de cada coisa: capino lote, rastelo, faço faxina. Invento essas coisas para seguir a vida e também para esquecer o que aconteceu, mas esquecer não esqueço nunca. O que ele fez não tem perdão...
Nós conversamos com seu ex-marido na prisão. Ele pediu perdão à senhora, aos familiares, aos moradores de Nova Almeida e disse que está arrependido do que fez.
O que aconteceu é muito difícil superar. Para falar a verdade, se ele espera meu perdão, quero que saiba que isso ele não vai ter nunca. Ele matou duas vidas minhas. Quero que ele apodreça na cadeia. Hoje eu vivo pela aparência de que está tudo bem, mas por dentro eu estou sem vida, sem ânimo... A gente nunca esquece o que aquele assassino fez com minhas filhas. Não tem como! Só quem perdoa é Deus, e eu não sou Deus para perdoar o que ele fez. Não sei nem se Deus perdoa algo assim...
O Wilson foi batizado na prisão. Ele quer ser pastor quando sair...
Quando estava fora da cadeia, o negócio dele era só beber, fumar maconha e me bater. Agora ele entrou pra igreja?!
Qual lembrança a senhora tem daquele dia de abril de 2010?
Lembro todo dia, toda hora. Eu lembro de cada momento, cada segundo, cada detalhe. Por que elas, não eu? Por que foi com elas? O que ele não teve coragem de fazer comigo, fez com as meninas, aquele assassino! Por que não procurou a crença antes? Ficava atrás das drogas, deixava as filhas com fome. Eu quem tinha que sair na rua pra caçar comida. Quando eu chegava, eu apanhava. Quando eu ganhava um dinheiro para dar comida às meninas, ele pegava para fumar droga. Era assim. Na última vez que ele me bateu, eu separei dele e coloquei ele na lei (pediu medida protetiva na Lei Maria da Penha). Aí ganhei a guarda das minhas filhas.
Ana Lúcia Dortes Correia
Mãe das meninas
"Naquele dia, o maldito esperou eu sair de casa. Deixei as meninas com uma tia, porque estava um dia de sol forte. Em um instante que fui a Jacaraípe buscar uns documentos, ele me encontrou e me bateu no ponto de ônibus. Aí ele arrumou uma cúmplice da família dele para pegar as meninas, já que ele era proibido de chegar perto da minha casa"
A senhora acredita que ele tenha pegado as meninas já com a intenção de matá-las?
Com certeza! Ele queria que eu voltasse a morar com ele, mas eu não queria porque eu apanhava demais. Ele era igual bicho do mato. Eu não podia olhar para cara de ninguém. Vivi 14 com aquela peste. Falou que, se eu separasse, ele ia me matar. Eu não ia ficar sossegada em canto nenhum. Separei uma vez e ele foi atrás. Fiquei com ele até muito tempo.
Em entrevista na prisão, ele chegou a dizer que a senhora mudou o comportamento por causa dele. Como foi isso?
Não mudei por causa dele, foi porque ele me obrigou mesmo! Por causa dele eu não podia fazer nada. Tinha de andar com a cara no chão, nem com mulher eu podia conversar. Ele tinha ciúme até da minha sombra.
Acha que ele mudou após passar esse período na prisão?
Só se for para pior. Trem ruim não conserta, não.
Nós conversamos com ele por cerca de uma hora. Durante todo o período, ele falou como se a senhora ainda fosse a esposa dele, como se a casa onde vocês moravam ainda fosse a mesma de 2010.
Mulher dele? Ele fala ‘minha casa’? Ele nunca teve casa. Ele trabalhava como pedreiro. Em troca de serviço, um homem colocou um lote em nome das nossas filhas para ele pagar com o trabalho de pedreiro. Ficava em Central Carapina. Ele vendeu o lote por R$ 3.500, deixou as filhas na rua comigo, veio para Nova Almeida e gastou tudo com droga. Cheguei a dormir na rua com as meninas.
A senhora teve outros filhos?
Antes de me relacionar com ele, tive três filhos.
Se as meninas estivessem vivas, como seria a vida senhora hoje?
Elas já estariam mocinhas (choro). Se ele tivesse me deixado em paz, eu ia criar minhas filhas. Ia ver as duas crescerem, coisa que eu nunca tive… Nunca fiz, nunca pude ver minhas filhas crescendo comigo. Ele tirou tudo que eu tinha. Lembro de como elas podiam estar felizes agora, estudando, brincando por aí, sendo crianças felizes. Mas ele tirou tudo isso delas.
As meninas eram apegadas ao pai?
Eram. Nunca pensei que ele fosse fazer isso.
Além de pedir o perdão da senhora, ele falou que está arrependido. Acredita nisso?
Nem um pouco. Ele deveria ter pensado antes de fazer essa crueldade. As meninas eram do próprio sangue dele. Se fez com quem era do sangue dele, pode fazer com qualquer pessoa.
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Como tudo isso que aconteceu mudou a vida da senhora?
Piorou, porque minha vida perdeu o sentido. Mas, sigo, graças a Deus. Tenho foto delas no meu quarto. Toda hora que olho, eu lembro, choro, fico muito triste…
O Natal está chegando. Geralmente, é um momento que as famílias compartilham e celebram juntos. Como tem sido os seus desde 2010?
É sofrimento e tristeza no Dia das Mães, no Natal, Dia das Crianças... Natal eu quase não curto porque foi o dia que minha mãe morreu. Na verdade, na véspera, no dia 24 de dezembro. A verdade, meu filho, é que vou levando assim, como Deus quer. Mas no sonho, minhas meninas falaram comigo ‘mãe, não sofre não porque nós estamos bem’. Mas como não sofre? Não choro muito para que elas não me vejam sofrer. Não tem Dia das Mães, não tem Natal em que eu não sofra. Se elas tivessem comigo, eu tinha mais força pra fazer as coisas por elas, como sempre briguei.
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