A violência doméstica muitas vezes é difícil de ser identificada porque costuma acontecer dentro de casa, entre quatro paredes, longe dos olhos da sociedade. Mas os vizinhos podem ser grandes aliados na luta contra agressões psicológicas, verbais e físicas. Com o objetivo de incentivar as notificações desses crimes, deputados do Espírito Santo aprovaram na última segunda-feira (15) um projeto de lei que obriga síndicos a denunciarem esse tipo de violência em condomínios.
O PL 315/2020, do deputado Enivaldo dos Anjos (PSD), foi aprovado no mesmo dia do enterro da jovem Celina da Conceição Braz, de 25 anos. Ela foi espancada dentro de casa até a morte pelo marido, o pedreiro Rodrigo Costa da Silva, 32, na última sexta-feira (12), segundo a Polícia Civil. O crime aconteceu por volta das 23 horas, no bairro Rio Marinho, em Cariacica. Antes de ser morta, Celina gritou por duas horas. Os vizinhos chegaram a gravar áudios, mas ninguém acionou a polícia.
Se a lei for sancionada pelo governo do Espírito Santo, os síndicos e administradoras de condomínios do Estado serão obrigados a denunciarem casos de violência doméstica e familiar contra mulher, criança, adolescente ou idoso. A denúncia deverá ser feita aos órgãos de segurança, como Guarda Municipal, Polícia Civil ou Militar.
Os condomínios também deverão fixar cartazes que informem sobre a nova legislação. Além de algumas mudanças pontuais no texto, a emenda apresentada pela Comissão de Justiça ainda aumentou a multa para quem descumprir a lei. A multa passou de R$ 3.508,40 para R$ 5.262,60. Os valores arrecadados serão revertidos para programas de proteção à mulher.
Durante a sessão ordinária virtual, foi aprovado outro projeto de lei que envolve notificação de violência no Estado: o PL 833/2019, da deputada Janete de Sá (PMN), que também obriga os profissionais dos serviços de saúde, educação e assistência social a notificarem compulsoriamente casos de violência à autoridade estadual.
O texto final aprovado determina que a comunicação às autoridades deve ser realizada em um prazo de 24 horas da ocorrência e deve conter informações que ajudem a identificar a vítima e autor.
O advogado Carlos Augusto da Motta Leal, especialista em Direito Imobiliário, lembrou que os casos de violência doméstica contra a mulher, por exemplo, aumentaram durante o isolamento social na pandemia do novo coronavírus. Para ele, todas as medidas que visam contribuir no combate à violência e na punição dos agressores são bem-vindas. Porém, afirmou que é preciso ter um pouco de cautela.
"Sabemos que há uma subnotificação da violência doméstica por vários motivos e parabenizo a iniciativa dos deputados. Mas acredito que os projetos merecem uma melhor reflexão quando trata-se do síndico, por exemplo. Me parece que o Estado está transferido um dever e atribuindo punição por algo que ele não vai ter nem como constatar. Claro que existe uma expectativa social de que não se deve omitir socorro e toda uma estrutura para denúncias anônimas que protegem o denunciante. Mas, nesse caso, ingressa em uma área de responsabilidade e essa subjetividade precisa de cautela", afirmou.
Sobre os casos como o de Celina da Conceição Braz, espancada dentro de casa até a morte pelo marido Rodrigo Costa da Silva, onde - na ocasião, os vizinhos chegaram a gravar áudios das agressões e não acionaram a polícia, o advogado define como uma nítida omissão de socorro.
Mas em relação ao projeto de lei que envolve os síndicos, ele afirma que há uma uma interpretação de inconstitucionalidade na lei, já que condomínios são matéria de Direito Civil, privativo de legislação da União. "Precisa se analisar se há uma eventual inconstitucionalidade dessa lei".
Quem também vê o projeto de lei com preocupação é o presidente do Sindicato Patronal de Condomínios Residenciais, Comerciais e Mistos e Empresas de Administração de Condomínios no Estado do Espírito Santo, Gedaias Freire da Costa. Para ele, o projeto pode transformar o síndico em agente obrigatório de denúncia de violência doméstica.
"O sindicato apoia toda a forma de combate à violência doméstica contra mulher, criança e idoso. Mas o projeto de lei transfere para o síndico a responsabilidade de denunciar. Entendemos que a denúncia deve ser algo voluntário e que o combate deve ser divulgado não só pelos condomínios, como por qualquer órgão público. Mas tornar o síndico em cidadão responsável e sujeito a uma penalidade, ao invés de incentivar a participação de todos, é complicado. É necessário cautela", lembrou.
Indagado se vai sancionar ou vetar os projetos de lei, o governo do Estado informou que os projetos ainda não foram protocolados e que após o protocolo, o Estado tem 15 dias para decidir se veta ou sanciona.
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