Michele Prado, pesquisadora e escritora
Michele Prado, pesquisadora e escritora
Michele Prado

"Não são casos isolados", diz pesquisadora sobre ataques a escolas

Segundo autora de livros sobre ideologias extremistas, atiradores passam pelo mesmo processo de radicalização e competem entre si no que chamam de "alta pontuação", ou seja, um maior número de mortes

Tempo de leitura: 2min
Michele Prado, pesquisadora e escritora
Vitória
Publicado em 29/11/2022 às 12h45

Qual é a motivação do massacre nas escolas Primo Bitti e Centro Educacional Praia de Coqueiral (CEPC), em Aracruz? Solucionar esse questionamento é um dos objetivos das investigações conduzidas pela Polícia Civil. O ponto de partida pode ser a análise do celular e do computador usados pelo atirador, um adolescente de 16 anos.

Em Aracruz, quatro pessoas perderam a vida, incluindo uma menina que havia recentemente comemorado doze anos. Para tentar entender o que leva alguém a ser o responsável por uma tragédia desse tipo, conversamos com a escritora e pesquisadora Michele Prado. Ela é autora dos livros 'Tempestade Ideológica' e 'Red Pill: Radicalização e Extremismo'. Além disso, ela atua ativamente buscando e denunciando perfis e fóruns que reproduzem o extremismo violento.

As imagem captadas durante os atendados mostram o atirador usando um símbolo que é referência em outras tragédias. Em um dos braços, segundo as autoridades, o rapaz carregava uma suástica.

A insígnia nazista dá sinais do que os assassinos pensam. O símbolo remete ao extermínio de seis milhões de pessoas durante a Segunda Guerra Mundial. Tem sido usada em atentados recentes, com outros propósitos. No final dos anos 90, estava presente no massacre escolar de Columbine, nos Estados Unidos. Em 2019, apareceu nos pertences dos responsáveis pelas mortes numa escola de Suzano, São Paulo. Estava ainda presente nas buscas on-line do autor de seis tentativas de homicídio em uma escola em Jardim da Penha, em Vitória, em agosto deste ano.

Momento em que o atirador entra na escola em Aracruz
Momento em que o atirador entra em um das escolas em Aracruz. Crédito: Reprodução/ câmera de videomonitoramento

O que leva alguém à radicalização e adesão a movimentos extremistas?

O processo de radicalização é longo e inclui também fatores individuais. Não existe um combo, digamos assim, para todas as pessoas se radicalizarem ou não. Antigamente os extremistas, a extrema-direita principalmente, estava muito limitada ali no seu perímetro físico, porque não existia internet. Com a internet, essas fronteiras acabam. E aí existe uma facilidade maior deles amplificarem os conceitos e recrutarem pessoas do público-alvo da extrema-direita, e de extremistas em geral, como fundamentalistas islâmicos, que também recrutam muitos jovens na internet. Nas redes, há a facilidade de se operar de forma anônima. Existem diversas subculturas on-line, nas quais esses jovens estão submergindo. Sobre os casos no Brasil, eu já tinha alertado várias vezes que a gente teria casos de terrorismo doméstico, extremismo violento e, principalmente, massacres em escolas. Existe uma explosão de radicalização voltada, principalmente, para o público jovem masculino. O conteúdo faz com que esses jovens percam a sensibilidade perante a violência extrema. Eles competem entre si no que chamam de "alta pontuação", ou seja, um número maior de mortes.

O nazismo é um dos maiores horrores da História. Como essas redes de disseminação de ódio trabalham para “conquistar” adeptos?

Hoje vemos uma radicalização para o neonazismo e outras correntes da extrema-direita. Há uns dez anos, mais ou menos, começou um movimento extremista on-line que a gente denomina como alt-right, a direita alternativa. E como esses agentes extremistas trouxeram conceitos da extrema-direita para dentro do debate público? Através de memes, através de trollagem. E o que é a trollagem? É quando você faz uma afirmação totalmente absurda para causar uma reação no público. O jovem tem uma necessidade de pertencimento ao grupo muito maior do que os adultos. Quando entra no grupo, acopla a identidade dele ao grupo, vira uma identidade coletiva. Esses jovens estão entrando nesse submundo de radicalização através de um meme ofensivo, através de um meme antissemita. Daí, começam a receber conteúdos que trazem revisionismo histórico, negação do holocausto, pseudociências de biologia evolutiva, de psicologia evolutiva em que colocam uma ordem social hierarquizada por gênero e raça.

Como os extremistas planejam os ataques?

Eles geralmente contam para alguém o que vão fazer. Em mais de 90% dos casos eles se comunicam com alguém próximo, um amigo ou colocam em uma rede social. Por isso, toda ameaça deve ser levada com seriedade e tem que ser investigada. Mas entenda, não significa, necessariamente, que ele faz parte de um grupo terrorista. Ele está recebendo influências dentro de uma subcultura on-line extremista, na qual esse planejamento ocorre. Um ensina a fazer bomba, outro ensina a fazer armas, outros reproduzem manifestos terroristas. O que aconteceu na sexta-feira (em Aracruz) tem alguns pontos que fogem um pouco do padrão. Geralmente, quando cometem esses atentados, eles esperam ou morrer durante confronto com a polícia ou eles próprios se matam.

Aqui no Estado tivemos 2 casos em menos de 3 meses. Nos dois, os autores eram adeptos de ideologias extremistas. Ainda assim, representantes da polícia disseram em entrevista que "o caso de Aracruz é um caso isolado". Como você vê isso?

Não são casos isolados. Esse é um dos pontos onde se faz urgente uma abordagem profissional aqui no Brasil, na prevenção e combate ao extremismo violento, como existe em outros países. E é o campo que eu estudo. A gente não pode considerar como casos isolados, porque estão imersos dentro de uma mesma subcultura extremista e dentro de um mesmo processo de radicalização. A polícia e alguns órgãos da segurança precisam entender isso e se atualizarem. Existe uma infinidade de símbolos, imagens e representações visuais circulando livremente pela internet, e órgãos de segurança não estão capacitados para compreender que aquela iconografia se trata de extremismo. Não há um monitoramento efetivo sobre isso.

Onde circulam esses conteúdos?

Não é apenas na deep web, na dark web e na internet profunda, como muitos imaginam. Está sendo disseminado no Discord, no 4chan, que estão na superfície da internet. O Discord hoje precisa de uma atenção especial dos órgãos de segurança. É uma comunidade para se conversar sobre os jogos on-line, mas existem vários focos de extremistas. Tem que haver um projeto de longo prazo que envolva a sociedade civil e dê ferramentas a pais, mães e professores para reconhecerem sinais de radicalização. Não tem essa abordagem aqui no Brasil. É possível reconhecer e intervir antes de o pior acontecer. Para isso, é necessário estudo, pesquisa e investimento.

Em outros países, como nos EUA, esse tipo de ataque acontece com uma frequência preocupante. Lá, em alguns Estados, existem escolas estruturalmente adaptadas a essas situações, com corredores curvos, portas nas salas para fugas, entre outras. Medidas como essas já deveriam ser implantadas aqui ou ainda é o caso de a prevenção ser feita na parte educacional?

É fundamental ter protocolos de segurança. Por exemplo, se o professor escutou um tiro, escutou algo fora do normal dentro da escola, precisa estar apto a bloquear a entrada da sala rapidamente.  Todos os profissionais envolvidos na educação precisam receber instruções de protocolos de segurança. Precisam ter ferramentas para reconhecer sinais de radicalização no aluno. É preciso proibir o bullying nas escolas, não se pode esquecer. E introduzir temas que tratam especificamente do respeito à dignidade humana dentro da sala de aula. Direitos humanos. Inclusive, agora, estamos em alerta porque quando ocorre algo desse tipo, um atentado de extremismo violento em escola, a gente tem uma janela de duas semanas com potencial de imitadores.

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