Pouco após as prisões de três suspeitos de envolvimento com o tráfico de drogas na região de Andorinhas, em Vitória, efetuadas durante operação da Polícia Militar realizada nesta segunda-feira (13), a Polícia Civil procedeu à liberação dos indivíduos mediante o pagamento de fiança, os quais tinham sido encaminhados à Delegacia Regional de Vitória.
Neste contexto, o secretário de Estado de Segurança Pública e Defesa Social (Sesp), o coronel Alexandre Ramalho, que havia demonstrado publicamente a satisfação com o trabalho da PM, acabou expressando decepção pela sensação de impunidade gerada horas depois das prisões em flagrante. Diante disso, a reportagem ouviu especialistas que comentaram a aplicação das leis criminais no Brasil, em especial aqui no Estado, para compreender até que ponto elas contribuem para a sensação de "dever cumprido" e de "justiça feita".
Inicialmente, para Ramalho, as brechas na lei, que permitem o "prende e solta" de criminosos são um balde de água fria no planejamento das ações policiais. "Considero que a legislação não dialoga com os interesses da sociedade. Nós somos muito cobrados pelas comunidades, por pessoas honestas, para que a PM prenda pessoas, atue nesses locais. E quando conseguimos uma atuação exemplar, com apreensões importantes, três pessoas são logo liberadas, algumas no mesmo dia em que foram presas", disse.
Para ele, fica o sentimento de frustração. "Terem sido soltos ontem (13) mesmo, no calor da entrega da ocorrência, deixa a gente frustrado, imagina então o policial da ponta como fica? Nós damos as instruções para o patrulhamento correto, eles fazem um trabalho exemplar, digno de elogios, e somos surpreendidos. Isso só nos fazer crer que a legislação não dialoga com os interesses da sociedade. Quando conseguimos, com primazia, prender pessoas com munições e armas pesadas e elas são liberadas, se torna uma situação de descontentamento profundo. Eu já estive na ponta, sei o valor que aqueles agentes têm e o quanto se dedicam, para depois verem uma soltura em menos de 8h. É lamentável", desabafou.
De acordo com o advogado criminalista e professor de Direito Penal e Direito Processual Penal, Anderson Burke, a respeito do pagamento de fiança, estipulada pelo delegado de polícia na própria delegacia, a autoridade policial apenas cumpriu o que diz a lei. "Sobre a circunstância da liberdade provisória concedida mediante fiança, o delegado apenas realiza o cumprimento da disposição prevista no artigo 322 do Código de Processo Penal, que determina o arbitramento de fiança às infrações penais que não tenham pena máxima superior a 4 (quatro) anos", explicou.
"Esse é, por exemplo, o caso da posse ou porte de armas de fogo de uso permitido previstos nos artigos 12 e 14, respectivamente, da Lei 10.826/03, os quais possuem as penas máximas, respectivamente, de três e quatro anos de reclusão e, por esse motivo, o delegado pode arbitrar a fiança e o indivíduo permanecer em liberdade provisória por se enquadrar no artigo de lei citado."
Segundo Burke, com algumas exceções na Constituição, que seriam as chamadas "cláusulas pétreas", toda lei está sujeita a uma revisão com o passar dos tempos. "Seja para abrandar ou para enrijecer o tratamento penal, conforme a realidade social ou jurídica do país, elas estão sujeitas a revisão. Se o legislador entender que os dispositivos estão contribuindo para a impunidade, serão eles, os membros do Congresso Nacional, os competentes em mudar a realidade jurídica, assim como foi feito em algumas disposições mais rígidas positivadas no Pacote Anticrime (Lei 13.964/19)", afirmou.
Apesar disso, o advogado pondera que no atual cenário jurídico, a depender da pena máxima do crime e de outras condições pessoais do suspeito, deve-se analisar o caso concreto particularmente e levar em consideração o princípio da proporcionalidade na prisão preventiva. "Esta prisão cautelar, segundo esse princípio, não pode ser pior que uma futura pena definitiva ao final do processo, que poderia ser cumprida em regime aberto, semiaberto ou substituída por penas restritivas de direitos, conforme prevê a atual legislação brasileira", ressaltou.
Ao comentar a legislação criminal, o secretário Ramalho também mencionou que cabe ao Poder Legislativo analisar o que vem acontecendo. "A legislação federal é questão do Congresso Nacional. O país precisa de uma agenda neste sentido, estamos falando disso há muito tempo. Temos que tirar as cobranças apenas dos ombros dos policiais, já que temos nos dedicado, inclusive dando a vida muitas vezes. Outros atores da engrenagem precisam protagonizar uma legislação que alcança os interesses da sociedade. Precisamos ter uma legislação que dialogue com quem vive o problema. Precisamos discutir, fora do âmbito da polícia, o que faremos com os jovens que estão envolvidos com o tráfico", frisou.
Para Alexandre Ramalho, o problema de impunidade não é exclusivo do Espírito Santo e não cabe à Sesp tomar uma atitude sozinha, podendo a secretaria também contar com os conselhos de secretários de Segurança Pública, para debater a questão e fazer com que a cobrança por segurança não recaia apenas sobre a polícia.
O advogado criminalista e professor de Direito Processual Penal, Ludgero Liberato, ao contrário do entendimento do secretário de Segurança do Estado, acredita que não há tendência à impunidade no "prende e solta". Para o jurista, falar em punição é discutir algo que só pode ser aplicado após o desenrolar do processo. "Privar o sujeito à liberdade em momento anterior à condenação fica reservado a situações excepcionais, quando há risco que não pode ser combatido de formas menos graves que a prisão", iniciou.
Neste sentido, para Liberato, há impunidade de fato nos casos em que, por exemplo, há sentença que condene o réu, mas que, ainda assim, este não venha a ser preso. "Nosso Judiciário, no Espírito Santo, é considerado rigoroso, linha dura, não é considerado 'pro réu'. A cultura jurídica daqui faz com que ele seja rigoroso. Por isso, é importante conhecer a decisão que soltou os suspeitos, para falar caso a caso. A população fica chocada com a velocidade com que os indivíduos foram soltos porque deseja uma punição imediata, mas, no nosso sistema, e em todo o Ocidente é assim, a punição é após o processo", destacou.
Ao afirmar que a prisão preventiva deve ser excepcional, o professor explica que a legislação processual penal brasileira segue também diretrizes previstas em tratados internacionais e que a prisão preventiva deve ficar reservada às hipóteses excepcionais, para o caso de nenhuma outra medida servir. "Para determinar a prisão, o juiz deve justificar por que nenhuma outra cautelar é suficiente. Por que, por exemplo, a tornozeleira é insuficiente? Deve fundamentar", disse.
Rhaony Hansen Cordeiro Soares, de 28 anos, e mais outros dois suspeitos foram presos na ação da polícia realizada nesta segunda-feira (13), em Andorinhas, em Vitória. Também foram apreendidas duas armas, incluindo uma sub-metralhadora, mais de 60 munições, drogas, rádio-comunicadores, celulares e balança de precisão.
Rhaony é conhecido como o chefe do tráfico na região, de acordo com PM. Ele já foi condenado por envolvimento com o tráfico e chegou a ficar preso por anos, mas estava em liberdade.
Nas redes sociais, o secretário de Estado da Segurança Pública, Alexandre Ramalho, comemorou a prisão: "Liderança do tráfico preso. Parabéns, camaradas! Pra cima deles", escreveu Ramalho ao mencionar o trabalho dos policiais.
Segundo a PM, durante um patrulhamento, os militares viram os suspeitos com o material apreendido. Ainda de acordo com informações da polícia, Rhaony estava em um veículo Corolla prata que fez um ataque no bairro, sem mortes, no dia anterior. Os suspeitos foram encaminhados para a delegacia.
Em nota, a Polícia Civil informou que "os suspeitos de 19 e 28 anos, foram autuados em flagrante por porte ilegal de arma de fogo de uso permitido e liberados para responderem em liberdade, após o recolhimento da fiança arbitrado pelo delegado de plantão. O suspeito de 18 anos, foi autuado em flagrante por tráfico de drogas e foi encaminhado para o Centro de Triagem de Viana".
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