Polícia Militar durante ação incendiária em Consolação, Vitória, na última terça-feira (11) após morte de segurança de integrante do Primeiro Comando de Vitória (PCV)
Polícia Militar durante ação incendiária em Consolação, Vitória, na última terça-feira (11) após morte de segurança de integrante do Primeiro Comando de Vitória (PCV). Crédito: Fernando Madeira

Veja locais dominados pelo PCV no ES e a ligação com facções do RJ

Documento mostra que uma facção criminosa do Rio de Janeiro não teria gostado dos laços estabelecidos pelo PCV com outra organização criminosa do Estado fluminense

Tempo de leitura: 6min
Vitória
Publicado em 14/10/2022 às 11h37

O Primeiro Comando de Vitória (PCV) tem relação com duas facções do Rio de Janeiro e dominava 53 localidades de Norte a Sul do Espírito Santo até o fim de 2021. A organização criminosa capixaba tem um chefe encarcerado que conta com o braço direito Marujo, foragido da Justiça desde 2017.

Os detalhes do funcionamento do PCV constam em um relatório de análise telemática da Superintendência de Polícia Especializada (SPE) obtido pela TV Gazeta.

As investigações mostram que o PCV é chefiado por Carlos Alberto Furtado da Silva, vulgo Beto. Ele se encontrava na Penitenciária de Segurança Máxima II (PSMA), em Viana, Grande Vitória. Em 19 de julho de 2021, foi transferido para uma prisão federal no Norte do país.

Preso, Beto conta com o braço direito Fernando Moraes Pereira Pimenta, o Marujo. Considerado pela Polícia Civil o chefe “in loco” do PCV, Marujo comanda o tráfico de drogas do Bairro da Penha e Bonfim, na Capital, e responde diretamente à cúpula da liderança da facção que domina a região e se estende a vários bairros – não só na Grande Vitória como no interior do Estado.

COMUNICAÇÃO FEITA POR ADVOGADOS

O relatório aponta que Marujo responde diretamente a Beto e a comunicação deles ocorre por advogados, denominados pela polícia de "pombos-correio", que utilizam dessa função para ter acesso aos presídios em qualquer dia e horário.

Segundo a investigação, os advogados escrevem, de próprio punho, as ordens, questionamentos e informações que o chefe do PCV tem para repassar. Após isso, o advogado fotografa a carta grafada dentro do presídio e envia, via WhatsApp, a imagem da carta para Marujo.

O traficante, por sua vez, quando necessita se comunicar com Beto, escreve notas de texto em seu celular e posteriormente as compartilha com o advogado que vai ao presídio transmitir o recado.

As investigações apontaram que ao facilitar a comunicação dos criminosos, os advogados atuaram como coautores dos crimes, ao transmitir recados com ordens para o cometimento de crimes. Como noticiado em agosto de 2022, alguns advogados estão sendo investigados e suspeitos de “leva e traz” para traficantes.

As investigações concluíram que, em algumas ocasiões, a organização criminosa recebe informações e consegue se antecipar a operações policiais. Esses dados são compartilhados por advogados, mas também por policiais, ainda não identificados.

O grupo criminoso conta ainda, como informante, com um radiocomunicador sintonizado no 6º Batalhão da Polícia Militar (BPM) da Serra.

DIFICULDADES NA COMUNICAÇÃO

Chefe da Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), o delegado Romualdo Gianordoli afirmou nesta sexta-feira (14), em entrevista para a TV Gazeta, que a comunicação entre Beto e Marujo está mais dificultada desde a transferência do chefe do PCV para o presídio federal.

"Tem um núcleo central dentro do PCV e o Beto (Carlos Alberto Furtado) — que foi transferido para uma prisão federal no Norte do país — é a principal liderança porque a facção nasceu no Bonfim, no Bairro da Penha e lá ele era uma liderança. Nisso, ele foi formando seus gerentes e seus homens de confiança. Marujo era um deles e um dos únicos que ficaram soltos", contextualiza Romualdo Gianordoli.

"Nós prendemos outros indivíduos como o Dario, vulgo Nenego, que também era da extrema confiança do Beto. Prendemos o Rodolfo, o Guilherme Trindade, vulgo Guigui. O leque vai diminuindo, Marujo vai ascendendo e, hoje, considero ele a grande liderança do PCV, até porque há uma dificuldade de comunicação, ao contrário dessa época de investigações em que havia uma comunicação intensa entre Beto e Marujo, pois hoje Beto está em um presídio federal no Norte do país", explica.

RELAÇÃO COM DUAS FACÇÕES DO RIO DE JANEIRO

O documento mostra que o PCV detém proximidade muito grande com o Comando Vermelho (CV) e o Terceiro Comando Puro (TCP), ambas no Rio de Janeiro. Apesar de essas duas organizações serem inimigas entre si, é com elas que o PCV adquire armas, drogas e ainda consegue esconderijos para os integrantes, incluindo Marujo.

Há evidências, conforme o relatório aponta, que o CV não teria gostado de saber que o PCV possui laços com TCP.

Vale lembrar que antes da ligação com as facções do Rio de Janeiro, o surgimento do PCV se deu a partir do contato de Beto, em outra passagem pelo sistema penitenciário federal, com membros do Primeiro Comando da Capital (PCC), de São Paulo.

"É relativamente nova (surgimento da facção PCV), quando o Carlos Alberto Furtado (Beto) foi para um presídio federal, teve contato com membros do Primeiro Comando da Capital (PCC) e fizeram um estatuto bem parecido com o da facção paulista. Depois, viraram aliados do Comando Vermelho (CV), no Rio de Janeiro, o que é uma ironia, mas enfim", argumenta.

ÁREAS DO ESTADO DOMINADAS PELO PCV

No documento policial é possível encontrar ainda a lista com 53 localidades do Espírito Santo dominadas pela facção. Algumas, inclusive, no interior do Estado, como em Aracruz, na Região Norte, e Cachoeiro de Itapemirim, no Sul do Espírito Santo. Confira a lista abaixo.

Em setembro de 2021, o então secretário de Estado de Segurança Pública e Defesa Social (Sesp), coronel Alexandre Ramalho, explicou que o alto índice de homicídios em Linhares, no Norte do Espírito Santo, tinha relação com o fato de criminosos de Vitória estarem querendo tomar pontos de venda de entorpecentes na cidade. A lista presente no relatório citado nesta reportagem, no entanto, ainda não consta o município. 

“Nós já recebemos informações da Inteligência de que criminosos ligados ao tráfico de entorpecentes na Grande Vitória acabaram tentando tomar também pontos de venda de entorpecentes em Linhares. Então isso potencializou, no mês de agosto, o número de homicídios também em Linhares”, afirmou Ramalho.

ESTRUTURA ORGANIZACIONAL 

No relatório investigativo está presente algumas funções dos membros da organização criminosa.

  • Comando Central: fica dentro do presídio e avalia as principais determinações da organização. Cada membro tem um voto e juntos decidem a abertura de guerras contra os bairros;
  • Lideranças: cada morro tem uma liderança. A Polícia Civil explica que a ideia é ter um líder local do próprio bairro, em uma espécie de “franquias”. Os membros não pegam em armas, só dão determinações;
  • Gerentes: existem gerentes por localidade, por tipo de droga e por quantidade de material ilícito vendido. Eles gerenciam o tráfico nos bairros;
  • Contenção/soldados do tráfico: também chamados de "faixa preta" pelos traficantes, são os integrantes responsáveis por portar armas de fogo, realizar a segurança dos pontos de venda de drogas, bem como efetuar ataques a rivais do PCV. Essa era a função do segurança de Marujo morto no início da semana, conforme as investigações;
  • Vapores e visão: os “vapores” são os que efetivamente vendem as drogas e acabam ficando mais expostos às operações policiais, já os do “visão”, são a parte mais baixa da pirâmide do crime, ficam com radiocomunicadores, fazem os foguetórios e não estão dentro da divisão dos recursos, recebendo R$ 120 por uma jornada de 12;
  • Contenção: conhecidos como “faixa preta”, pegam em armas, cometem os homicídios e têm que defender o bairro.
  • Outras funções: transporte de drogas e criptografia de rádios.

POSICIONAMENTO DA OAB 

Em nota, a OAB-ES informou que buscará informações sobre o caso e tomará as providências cabíveis, observando o Código de Ética e Disciplina e as prerrogativas da advocacia.

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