O governador do Espírito Santo, Renato Casagrande (PSB), diz que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) não pode ser líder de "facção política" e precisa coordenar as ações de combate ao novo coronavírus para todos os brasileiros, e não apenas a seus seguidores.
Ele critica o discurso de Bolsonaro contra as medidas de isolamento tomadas por governadores e afirma que isso atrapalha o trabalho dos gestores. "Isso aumenta o debate político e gera uma conflagração que não era para existir."
Casagrande diz ainda que é um "falso dilema" a ideia de que é preciso equilibrar medidas para fomentar a economia e conter a propagação do vírus. A entrevista foi concedida na última sexta (27) e atualizada nesta segunda (30).
Os movimentos são respeitados por nós. De maneira prática, atrapalha porque há mais pessoas nas ruas e uma pressão para abrir o comércio. E naturalmente um ou outro pode ser que abra, desrespeitando a decisão do Estado. Isso aumenta um debate político e gera conflagração no enfrentamento à doença que não era para existir. O presidente tem de aprender a construir consensos em uma hora de crise. Ele só sabe enfrentar a crise criando outra crise.
Nós não podemos pagar para ver. Na medida em que você incentiva a atividade econômica sem um preparo para o retorno da atividade, sem respeitar o tempo de barreira desse vírus, do contágio, você pode estar, no futuro muito próximo, pagando uma conta com vidas. Pode estar caminhando em direção a perdas de vidas no Brasil, como aconteceu em outros países. A Itália é um exemplo. Hoje as autoridades reconhecem o erro. Eu não vou colocar a polícia para ser violenta contra nenhum empreendedor capixaba. Mas cada empreendedor tem de ter responsabilidade com o que está fazendo.
O primeiro é o trabalho de educação, de consciência, para que as pessoas saibam que a gente vai ter de mudar o comportamento. A educação evita a disseminação e a transmissão do vírus. Segundo: nós estamos, nesse tempo, estudando como o vírus está se comportando no Estado. Em quais regiões ele está se disseminando mais. Isso permitirá que em algumas regiões sejamos mais flexíveis. Terceira medida é que nesse tempo, de 14 a 21 dias, a gente está contendo o tempo, barrando a disseminação do vírus para preparar leitos de UTI e de enfermaria para suportar a onda de contágio que pode vir.
Fora os leitos de UTI que temos hoje, estamos em uma programação para abrir 300 novos leitos de UTI para tratamento de coronavírus. Não temos respiradores para todos ainda. Por isso é importante a gente barrar a velocidade da doença, para que não haja de uma vez só a chegada de gente pressionando por leitos de UTI. Nosso objetivo é salvar vidas.
A gente tem de ampliar o número de testes, nosso laboratório se preparou para isso, mas está faltando kit.
Quem tem de pagar é o governo federal. Ele que tem a capacidade de emitir título, de aumentar déficit, o governo federal tem o poder de fazer essa indenização ao setor produtivo. O Bolsonaro está falando para seus seguidores, não está falando para a população brasileira. Não tem sido um líder do Brasil, mas dos seus seguidores. É diferente dessa função nobre que tem que exercer um presidente da República.
Lógico que ele está tentando fazer isso. O nosso apelo, o que pedi a ele e continuo pedindo, é o trabalho conjunto, uma coordenação nacional. A questão do vírus tem efeito na economia, na saúde, na assistência social. É importante que as pessoas compreendam que temos de ter um governo federal e um presidente que coordene e lidere nossas ações, não que seja um líder de uma facção política. Ele tem de ser o líder do Brasil em uma hora como essa, trabalhar com a gente. Não dá para fazer toda hora uma guerra, uma conflagração.
Não é questão de ter escolhido isso ou aquilo. Este é um falso dilema. Você não tem de fazer uma escolha. É lógico que a primeira escolha é sempre pela vida. Duvido que alguém vai escolher a economia pela vida se sua família ou você estiver em perigo. O que é verdadeiro é que todos nós deveríamos estar envolvidos em um esforço único, e você tem um presidente que acaba trabalhando para dividir a população.
Estamos dialogando com o [Luiz Henrique] Mandetta [Saúde] , com o Tarcísio [de Freitas, da Infraestrutura], o Paulo Guedes [Economia]. Estamos conseguindo manter diálogo. Mínimo, mas estamos conseguindo.
Acho que sim, mas acho bom que ele fique. Ele tem conduzido bem [as medidas de enfrentamento], mas fez adaptação do discurso para não ficar com orientação diferente do presidente, até porque ele tinha dado a orientação para nós governadores do jeito que a gente tinha que se comportar.
Não são as medidas, são as atitudes e o discurso. As medidas que ajudam os Estados não são suficientes, mas são boas. Ele precisa complementar. Mas as atitudes e a postura política dele criam uma dificuldade para que a gente possa ter sucesso nas medidas de contenção do contágio.
Não sei avaliar.
Não. Achamos que ele tem assumir responsabilidades.
Na ausência do Executivo, o Legislativo ganha um protagonismo maior. Tem sido assim agora e foi assim na [votação da reforma da] Previdência, em outros temas.
Eu não vou dizer que esteja, mas perde consistência política, e isso é ruim para ele e para o Brasil. Não podemos ter um presidente com pouco apoio.
Não quero apostar em coisas do futuro. Eu estou avaliando o agora. Agora ele tem de tomar cuidado porque o presidente, independentemente da sua posição política, tem que ter apoio político no Congresso e na sociedade.
Na minha avaliação, está.
Sim. Ele perde apoio pela forma aguerrida com que enfrenta os assuntos. Isso acaba passando a imagem de uma liderança que não consegue conviver com quem pensa diferente dele.
Não me cabe como governador tratar desse assunto. Os partidos políticos é que têm autonomia para debater o tema.
Formado em engenharia florestal e em direito, tem 59 anos e é governador do Espírito Santo pela segunda vez pelo PSB. Foi eleito em 2010 e, em 2014, tentou a reeleição, mas perdeu para Paulo Hartung. Em 2018, ganhou em primeiro turno. Já foi senador, deputado federal e deputado estadual.
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