Vinte anos depois de sua última mudança, o mapa do Espírito Santo pode ficar diferente. A proposta de emenda constitucional (PEC) do pacto federativo pode fazer com que o município de Divino de São Lourenço, na região do Caparaó, volte a integrar alguma cidade vizinha. Com o objetivo de fundir municípios com menos de 5 mil habitantes e cuja arrecadação de seus próprios impostos não passem de 10% da receita total, a PEC trouxe de volta o debate sobre a redução do número de cidades.
A última mudança no mapa estadual foi em 1998, quando Governador Lindenberg se emancipou de Colatina, no Noroeste capixaba, dando origem à configuração atual do Espírito Santo, com 78 municípios. Mas nem sempre foi assim.
No início do século XX, o Estado contava com 24 municípios, tinha 209 mil habitantes e parte do seu território era de mata virgem, ocupado por povos indígenas. A maior parte da população se concentrava no Sul, principalmente em Cachoeiro de Itapemirim, cidade mais desenvolvida até que a própria Capital, graças aos anos dourados da cafeicultura, que durou até a década de 1960.
De acordo com o historiador e vice-presidente do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo, Paulo Stuck, a região menos povoada do Estado era o Norte. Como a primeira ponte sobre o Rio Doce só foi construída em 1928, poucos povoados iam além da costa litorânea. A margem norte do afluente contava só com três municípios: Linhares, São Mateus e Conceição da Barra.
"Nessa época, nem mineiros, nem capixabas tinham interesse em ocupar a região do Contestado, que hoje é território de Ecoporanga, Barra de São Francisco e Água Doce do Norte. Anos mais tarde, Minas Gerais tentou anexar os territórios que iam até onde hoje é o município de Nova Venécia. Era o início dos conflitos na região. O Estado começou a mandar imigrantes para lá, com as primeiras colônias em Águia Branca e Colatina, a fim de ocupar o território e evitar que ele fosse anexado pelos mineiros", conta Stuck.
Com a chegada dos imigrantes e com o desbravamento da região, surgiram vilas que deram origem a novas cidades. No mapa político de 1950, com 34 municípios, o Norte já aparece com as cidades de Colatina e Barra de São Francisco. Também se emancipam municípios no Sul, como Castelo, Rio Novo do Sul e Muqui, que se separaram de Cachoeiro de Itapemirim, por conta da distância da sede administrativa.
No mapa de 1964, o Estado contava com 54 municípios. Em 1963, o então governador capixaba Francisco Lacerda de Aguiar, o Chiquinho, assina o Acordo de Bananal com o governador de Minas Gerais da época, José de Magalhães Pinto, colocando fim aos conflitos do Contestado.
"Isso deu origem a muitos municípios, que efetivaram seus territórios. É o caso de Nova Venécia, Mucurici, Montanha, Pinheiros e Ecoporanga. Foi o fim de um conflito armado. Havia tiroteios entre as polícias mineiras e capixabas, em meio às disputas locais. Em Ecoporanga ficou conhecido um movimento separatista que muitos comparam a Canudos, de Antônio Conselheiro. Um sujeito chamado Udelino de Matos, que tentou criar o Estado União de Jeová, mas que não durou muito tempo", explica o historiador.
Com a criação da Constituição Federal de 1988 e a garantia de transferências da União para os municípios, um grande número de localidades começaram a se emancipar. No Estado, somente em 1988 foram criados nove municípios, entre eles Vargem Alta, Venda Nova do Imigrante e Santa Maria de Jetibá.
"Esse boom de municípios se deu muito por um interesse político de caciques locais, que transformaram distritos em municípios, com o objetivo de se tornarem prefeitos e vereadores. Muitos deles não são viáveis, têm arrecadação mínima e vivem, basicamente, de suprir os salários das pessoas que trabalham na administração municipal", afirma Paulo Stuck.
O debate sobre a quantidade de municípios no país não é algo exclusivo dos brasileiros. O processo de redução do número de cidades, com suas prefeituras e câmaras, também está em voga em Portugal, onde desde 2011 já se reduziu 1.168 freguesias, como os municípios são chamados por lá.
Desde o início de novembro, a PEC do pacto federativo já tramita no Senado brasileiro, sobre a relatoria do senador Marcio Bittar (MDB). O diretor da Secretaria Especial da Fazenda, Bruno Funchal, explica que a proposta é que, em 2023, com os dados do novo Censo Demográfico e da arrecadação municipal do período, se elabore uma lista de municípios que não atingirem o mínimo de 5 mil habitantes e 10% da receita oriunda de arrecadação própria, como o IPTU, ITBI e outras taxas municipais. Se a regra fosse colocada em prática hoje, 1.257 municípios estariam na berlinda.
"O Espírito Santo não sofrerá um grande impacto com a medida. Ela vale mais para os Estados de Minas Gerais e Rio Grande do Sul, que têm até 40% dos municípios dentro dessas condições. Existe município que abre a mão de arrecadação para viver das transferências constitucionais. Com a proposta sendo debatida, os gestores vão correr atrás de cobrar o IPTU e reduzir as despesas, o número de vereadores e de secretários. Nos municípios pequenos, com populações menores, de 1 mil habitantes, os moradores acabam recebendo, proporcionalmente, mais recursos federais e estaduais do que em municípios maiores, onde se contribui mais", argumenta.
Para os prefeitos, a proposta de redução de municípios é uma solução que não resolve a má distribuição dos recursos públicos. Presidente da Associação dos Municípios do Espírito Santo (Amunes) e prefeito de Viana, Gilson Daniel (Podemos) defende que o tema principal a ser discutido no pacto federativo é a repartição da arrecadação.
"Os municípios estão mais próximos das pessoas, é onde elas vão procurar os serviços de educação, saúde e infraestrutura. No entanto, a maior parte dos recursos vai para a União. Os municípios menores levam estes serviços para populações que estão mais distantes das sedes administrativas. É claro que existem alguns distritos que não deveriam ser municípios, mas isto não é regra. Para mim, essa proposta (de redução de municípios) é um grande bode colocado na sala. O governo dá algo polêmico que pode ser negociado e até retirado do pacto federativo, sem discutir o que realmente importa", argumenta.
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